domingo, 29 de novembro de 2009

Poesia - Agora Alento, 2007



Agora broto, orvalhada.
Eu, que já fui despetalada.
Agora nasço,
revivo,
aprendo.
Agora anseio
e agora creio.
Há algo pra mim.
Agora gosto
e agora quero.
Agora sinto.
Agora sim.

Analú

(Alento - 2007)

Abrindo Meu Diário VI - reflexões para Desromance

Estou aqui e não dá tempo, não dá tempo, não dá tempo... As coisas rotineiras me estrafogam, me estrangulo. Vivo servindo e resolvendo problemas alheios e à noite, ou de madrugada, tento fazer o que não fiz por mim. Não fiz nada...
Quero me achar dentro desse corpo que cumpriu, mas não gozou. Vou lá no fundo procurar o que me agrada, de onde tiro prazer, o que me faz sentir viva.
Transformo-me em notívaga. Zumbi criador, que à luz da lua pensa, sonha, borda, escreve...
De dia, com olheiras e sonada, sou tachada de contrária, cheia de manias, indisciplinada...
Às vezes me sinto cansada demais, então recuo, e tento seguir a ordem normal das coisas. Dormir cedo, acordar cedo... Me deter às obrigações, fazer café da manhã, almoço e jantar... Levar filhos pra lá e pra cá... Sou o esteio – é o que pensam. A responsável pelo bom desempenho de cada um da família. Do pai, que tem seu trabalho, dos filhos, que têm seus estudos... Tenho que dar subsídios para que todos se dêem bem, cada um com seu dom, cada um em sua área...
E então, mais tarde, talvez, padecer da síndrome do ninho vazio. Vivi para eles, esqueci de mim... É o que escuto muito freqüentemente de cinqüentonas que entraram no jogo da família de cabeça.
É duro ter que se enquadrar em regras que não foi você que criou...
Por que o trabalho matutino é mais nobre que o noturno, se a disposição só me vem à noite, bem como a inspiração?
Atrapalho os outros, que também me atrapalham...
Dou mau exemplo a meus filhos, funcionando em horário nobre.
Será mesmo?
O que faço de madrugada não parece, aos outros, ser trabalho. Que raio de critério é esse, que só reconhece o valor do que se faz em horário comercial?
Meu companheiro disse, outro dia, que não adianta, que não tenho jeito, que isso é batalha perdida.
Meu horário é uma batalha que ele perdeu! Ai ai ai ai ai...
De quem é, afinal, essa minha vida?



O que é que prometi? Mais que isso: jurei! Eu sei que jurei, mas era nova demais... Não sabia nada...
Naquela época, minha grande, enorme, profunda e intensa necessidade era de sexo. Estava apaixonadamente apaixonada e queria fazer sexo quando bem entendesse, sem restrições e com a consciência tranquila. Sim, tranquila. Queria não ter que dar satisfação a ninguém. Mãe, pai, avó, irmãos... Minha vida tinha sido, desde o dia em que nasci, permanentemente vigiada por oito pares de olhos. Dezesseis olhos atentos sempre prontos pra me flagrar num tropeço. Num escorregão. Num erro. Numa safadeza. Numa imperfeição de caráter. E eu, que sempre me achei, desde a infância, tão mau caráter... Era normal, agora sei. Mas cresci acreditando nas coisas que me falavam. Vendo só as coisas que podiam ser vistas... Como é que eu poderia ter consciência da safadeza dos outros, se tudo o que se faz de safado se faz escondido?
E eu acreditava. Acreditava piamente que – pelo menos na minha família – o único ser humano capaz de fazer traquinagens era eu. Coitadinha... Que tamanha e inútil dor na consciência...
Aquele juramento diante do padre poderia ter sido diferente: “Eu prometo transar sempre que tivermos vontade. Na cama e no chão, em cima da mesa e no sofá, na cadeira de balanço ou no quarto de televisão... De dia e de noite, com ou sem tesão... só por distração...” Então, não haveria traição. Traição de mim para mim. É assim que se diz? Ou seja: Eu não me trairia. Não faria, todos os dias, coisas que não quero fazer, apenas para cumprir uma promessa vazia.


(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Poesia : Lobo Bom

Dorme, neném,
que um dia o lobo vem.
Quem é esse lobo, afinal,
que não vem, nem me faz nenhum mal?
I'm waiting for you.
I'm always waiting for you.
Em todas as línguas,
todos os cômodos,
todos os tempos.
Te espero.
Te quero.
Deliro.
Meu sonho sempre é melhor.
Gemo, transpiro...
Chapeuzinho Vermelho em plena descoberta,
se perdendo no meio da floresta.
Esquecendo da vovozinha.
Que me perdoe, vovó...
Dei seus bolinhos.
Que me perdoe, mamãe,
me perdi no meio do caminho.
Não... Não foi uma pedra.
Só encontrei com o lobo.
Um lobo bonzinho...
Que me perdoem...

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007)

domingo, 1 de novembro de 2009

Abrindo Meu Diário V - reflexões para Desromance

Ler, ler, ler Jean Paul Sartre e pensar, pensar, pensar... não, não apenas pensar: sentir, sentir, sentir. Mergulhar fundo em mim. É assim mesmo. Por mais estafada de mim que possa estar, por mais insatisfeita, por mais tudo, só eu posso me sentir, só eu me percebo, só a mim cabe me conhecer. E é de mim que sei, de mais ninguém. É comigo que durmo e que acordo, é comigo que passo o dia, é comigo que vivo, que penso, que sinto.
Coisa boa essa, meu Deus, de dizer coisas tão profundas, tão verdadeiras, tão inebriantes! Coisa linda essa de descrever com tanta precisão gestos tão corriqueiros, que poderiam não dizer nada, mas que dizem, dizem, dizem sem parar o que somos, o que fazemos, o que sentimos... Sartre, te amo, meu Deus!
Será que é isso o que almejo? Amor? Será que, no final das contas, só o que importa é isso? Quero ser amada. Quero ser amada. Quero ser amada.
Será que essa gana por querer escrever não é apenas um gesto de exibição? Quero que me conheçam, que me vejam, que me leiam, que me amem, amando o que escrevi.
Talvez me digam: mas você é amada, não há dúvida! Eu sei... Sei que sou. Sou amada por gente de verdade, que vive uma vida de verdade junto a mim. Mas, não sei porquê, só isso não me satisfaz. Quero mais, quero mais, quero mais...
Terminei de ler “A Idade da Razão” e meu peito parece inchado, parece ter mais ar do que pode agüentar. Será que era isso o que Sartre queria? É isso o que quero. Amargar essa frustração é algo que me mata. Tenho que escrever, quero viver, preciso agir! Sei que talvez essa plenitude venha apenas quando estiver madura o suficiente pra não ficar tão deslumbrada. Tudo, tudo na vida parece ser assim. Se não está na hora, não está na hora e fim! À vida, afinal!



Às vezes tenho arroubos de sentimentos exagerados e, em seguida, questiono tudo. Ser amada não faz uma mulher mais feliz, amar sim. O que senti ao ler Sartre, possivelmente ele não sentiu ao escrever. E quando escrevo, na verdade, nunca estou preocupada com quem vai ler. Poderia escrever e guardar os textos para sempre numa gaveta trancada, que o meu sentimento de alegria por ter escrito algo bom não mudaria em nada. Porque o grande prazer é na hora em que escrevo, enquanto sinto o deslizar da caneta no papel, ou curto o barulhinho característico do teclado. O grande prazer é conseguir ordenar os pensamentos e sentimentos, porque o texto é apenas um facilitador dessa auto-compreensão. O grande prazer é tentar entender esse mundo e eu mesma. Ou será um grande sofrimento?

(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)

sábado, 17 de outubro de 2009

Abrindo Meu Diário IV - reflexões para Desromance

A frase da música do Los Hermanos se repete infinitamente na minha cabeça. Ah... Faça-me um favor... E essa pergunta que o vocalista entoa de forma tão arrastada e dolorida se arrasta doloridamente através dos meus neurônios, arranhando-os. Como é que eu fui ter um filho assim, tão diferente de mim?
Sei que não é isso. O que me perturba não são diferenças estruturais, genéticas ou sei lá quais. O que me perturba é a adolescência. Essa adolescência que hoje em dia se prolonga até sabe-se lá quando, porque isso é conveniente aos adolescentes. Estou esperando meu filho de 21 e seus amigos de 22, 23, 24, darem algum sinal de que já está chegando a hora. A hora de se sentirem responsáveis por si mesmos, ou pelo menos por alguns setores das suas vidas. Estou esperando tanta coisa, há tanto tempo, mas não vejo mudança alguma, não pressinto nada de diferente pra tão já...
Espero, também, assustada, que o meu outro filho, de 15, comece a dar sinais de adolescentite aguda. Assusto-me demasiado com suas malcriadezas, comparo-o com o maior, fico apavorada ao pensar que talvez, de um dia para o outro, ele perca toda essa mansuetude e docilidade que sempre teve e que sempre me acalmaram e consolaram perante os problemas todos da vida. Sei que isso acontecerá, em maior ou menor grau, e já me defendo, agredindo-o de vez em quando, por já não estar me dando o amor que há até bem pouco tempo era verdadeiramente transbordante. Meu nenezão, de pele muito macia e coração muito grande. O menino que nunca pôde me ver chorar ao assistir qualquer cena de um filme, porque se preocupava demais com o meu sofrimento, mesmo sabendo ser um sofrimento causado por algo fictício. O menino que me enxergava por dentro e percebia que, se eu chorava, era porque, no fundo, havia algo de triste dentro de mim... Estou esperando, assustada, mas já começo a me acostumar com essa idéia. Já estagiei, com o primeiro.
O pior é que gosto. Gosto de meus filhos adolescentes, de seus amigos, do movimento que fazem pela casa, de sua excitação permanente. São tão excitados e excitáveis, que me excito. Quando percebo, já caí na conversa, na bagunça, na fantasia. Rapidamente como chegaram eles se vão e a casa fica vazia. Deveria dizer tranquila, mas acontece que, enquanto estão aqui o movimento é tanto, que quando se vão a sensação que tenho é a de vazio. Respiro fundo, tranco a porta, preencho-me de mim mesma e volto aos meus afazeres e pensamentos de mulher adulta (?). Mas não tem como: eles são totalmente entremeados de idéias imaturas, de expectativas inocentes, de piadas infantis e grosseiras. Até meu senso de humor já mudou. Aos poucos, as enormes grosserias vão se tornando tão familiares, que acabam por contaminar meu espírito feminino. Flagro-me fazendo coro com eles nos comentários mais esdrúxulos a respeito das mulheres. Essa raça que pensam ter nascido para trazê-los ao mundo, alimentá-los, servi-los e satisfazê-los sexualmente, além, é claro, de tentar educá-los, mas que desperta neles, às vezes, tamanha raiva que me assusta. Todos, em casa, hoje em dia, rimos ao escutar o vizinho do andar de baixo chamar a esposa – mãe de seu filho – de piranha, safada e vagabunda. Algo que há algum tempo me punha nervosa a ponto de pensar em chamar a polícia ou qualquer um que pudesse ajudar a safada (!).
Acostumamo-nos com tudo. E vamos nos modificando de acordo com nossa convivência, de acordo com nossa necessidade de sobreviver, de crescer, de ficar mais forte.
Sempre fui de falar um pouco alto. Me colocar, me expressar, me fazer ouvir. Só que hoje, quando saio com amigas, às vezes percebo que estou incisiva demais. Percebo que me imponho demais, que falo alto demais. Interessante que recebi algumas críticas dos meus próprios filhos, e do meu marido também. Ao analisá-las, percebi que tinham fundamento, mas acontece que desenvolvi essa técnica para conseguir ser ouvida dentro da minha própria casa. Você senta numa mesa com três machões sabe-tudo loucos por futebol, e, se não quiser virar um nada, às vezes tem que gritar. Não raro levanto as mãos, faço sinais, “quero ser ouvida!” E, como eles realmente não se importam com as coisas que me importam, sou obrigada a entrar em seu assunto. E acabo familiarizando-me com todo tipo de conversa masculina ou machista, infantil, jovem ou adulta. Entro na deles, porque sei que seria um pouco demais pra cabeça deles pedir-lhes que entrem na minha.

(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)

Poesia - Números

Eu tento falar de coisas tão minhas
e ele pega a calculadora, na gaveta.
Seus dedos digitam números
que parecem resolver tudo.
Números contra a monotonia,
o tédio, a mesmice.
Comento as gracinhas do bebê,
as artes do maiorzinho,
pergunto se a comida está boa,
faço qualquer fofoca à toa...
e ele voa.
Viaja o tempo todo.
São seus planos,
seus ganhos ou não ganhos,
seu tempo, seus negócios...
É o horário,
sua performance,
sua chance.
Dinheiro é o grande lance.
Com ele andaríamos pelo mundo,
nos aventuraríamos...
Sei não...
Não sei se cheios da grana
seríamos mais amigos,
ou iríamos mais pra cama...

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Poesia - Amor Borrado (Alento)

Eu passo tantos cremes no rosto
pra ficar mais bonita pra mim,
mas muito mais pra ele,
e ele não pode me beijar,
porque estou emplastrada.
Ele não me abraça, não me toca,
porque me mumifiquei
pra melhorar pra ele.
Eu fico aqui,
imagem intocável e brilhante,
e ele lá, preocupado em não esbarrar
nessa meleca toda.
De repente, numa noite, numa festa,
eu vestida especialmente,
maquiada demais,
ele me nota, mais do que às outras.
Ele me vê bonita, retocada.
Trocamos olhares, sorrisos,
conversa fiada,
nos damos as mãos,
como dois namorados.
Na volta, ele toca meu rosto desbotado,
meus olhos negros emoldurados
pelo rímel derretido,
minha boca rosada do resto do batom vermelho.
Ele diz me achar bonita.
Me beija, me despenteia,
se esfrega em mim,
agora tão palpável.
Se aperta contra mim, me sente.
Fim de festa.
Ele parece me amar tanto
que até me espanto,
tenho medo.
Demoro pra aproveitar, me soltar.
Minha cara toda borrada,
meu corpo suado, quente.
Foi preciso acabar a festa
pra nossa festa começar.
Eu, indigna de um espelho,
e ele dizendo me amar.

(Ana Lucia Sorrentino em Alento)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Poesia - Noite (Alento - 2007)

Noite

O vento frio penetra
nas aberturas da minha blusa.
Arrepio.
A luz forte, redonda,
pendente no céu,
me faz fechar as pálpebras.
O breu desvenda o meu corpo,
que as estrelas iluminam.
Um ruído ou outro,
animais no cio.
Sorrio.
Afago meus cabelos,
me abro toda.
Que o intocável me penetre.
Faço amor com a noite.

(Ana Lucia Sorrentino, em Alento - 2007)

sábado, 12 de setembro de 2009

Pausa para Poesia - Dia-a-Dia

Dia-a-Dia

Passo o dia na fantasia.
Vem a noite e durmo.
Meu príncipe é só um homem
que chega cansado e com fome.
Eu visto uma camiseta
e esqueço a cinta-liga
que me fez delirar.
Tudo é tão caro e difícil...
Não dá pra inventar.
Ele se encosta às minhas costas
e em vez do beijo na nuca
me mete a mão na bunda.
Me encolho, violada,
mas não digo nada.
Não é uma noite de orgia.
É só meia hora vadia.
Tudo é meio às pressas,
e logo vem o sono.
Amanhã é outro dia.


(Alento, de Ana Lucia Sorrentino)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Poesia - Culpa Tua (Alento)

Culpa Tua

Na rua me elogiam
meus cabelos anelados.
Me olho no espelho
e quero cortá-los,
mudar sua cor.
Invejam minha magreza,
que eu sei ser doentia.
Cansaço puro.
Fico nua na tua frente,
mas jamais consigo.
Teus olhos parecem ficar nas costas,
cegos, inibidos.
Nada adianta...
Meus tratos, meus carinhos,
meus cuidados...
Perto de você sou assexuada,
amiga, irmã de aluguel.
Você dorme do meu lado
e já não se encosta mais,
se isola.
Me machuca e me reprime.
Me peguei sonhando, uma manhã,
com um garoto loiro, da TV.
Eu tinha quinze anos no sonho,
leve, solta, crente.
Ele me deu um beijo
e eu tremi, dormindo.
Não queria acordar.
Quando o revi, no vídeo, corei.
Adolescente total.
Talvez eu tenha quinze anos...
Meus suspiros engolidos
se espalham por aí,
meus desejos se dispersam,
não aceitam mais comando.
A cada ombro largo,
cada sorriso aberto,
a cada olhar maroto,
me derreto toda,
sorvete ao sol tropical.
Eu sou tropical,
mas meu lar é glacial.
Meus ais são por tudo
e tudo me lembra você.
Tudo me queima, me arde,
tudo eu quero.
E você deita do meu lado e dorme.
Eu não te olho de frente,
porque o você dos meus sonhos
é mais excitante, mais quente.
Me agarra, me beija a nuca,
me despe, me faz carinhos,
morre por mim.
É como o você de antigamente.
Eu queria poder dizer que não é nada disso,
mas há uma pressão entre as minhas coxas.
Meus nervos já não dão
pras cenas de amor no cinema.
Agora escolho ficção,
violência.
Alivia a tensão...
Distrai, ao menos.
Eu te queria tanto,
agora eu quero tanto tudo,
o mundo parece que vai acabar amanhã,
não dá mais tempo, não dá...
Você dorme e eu me mexo,
energia pura.
Tentei canalizá-la pra coisas mais nobres,
mas parece que ela se multiplica.
Você me gela e eu fico cada vez mais quente.
Eu tenho me gostado tanto, de repente...
E os quadris...
Ah! Os quadris me deixam louca...
Quadris finos em calças desbotadas.
Quadris jovens, esbeltos, espertos...
Meu Deus, que tarada!
Todos, todos os quadris
me lembram os teus
jogados displicentemente pra frente,
em conversas descontraídas.
Teus quadris em calças justas...
Se me der coragem,
algum dia vou fotografá-los.
Um "close" da cintura ao início das coxas:
jeans justos, surrados,
vestindo quadris debochados.
Quando ficar velhinha, vou olhar pra foto,
no porta-retratos,
e lembrar dos meus desejos
infantis,
adolescentes,
juvenis,
adultos,
sei lá...
Meus desejos exagerados,
porque nunca saciados.
Meus desejos escondidos,
proibidos.
E você dorme do meu lado.
Inocente...
Totalmente culpado.
Da minha ânsia,
da minha aflição,
do meu desagrado.
Às vezes me dá medo,
porque me sobram duas opções:
ou você acorda,
ou me acabo numa combustão espontânea.
Acorda, por favor...

(Alento - 2007)

Beeeijos!!!

Analú :)

terça-feira, 28 de julho de 2009

Abrindo Meu Diário III - reflexões para Desromance

Vou tentar entender.
Quando as mulheres ergueram a bandeira do feminismo, queimaram sutiãs (para mais tarde voltar a usá-los, em versões incrivelmente mais sofisticadas e sufocantes), e se lançaram no mercado de trabalho, creio que estavam à procura de respeito. Não estou me referindo àquelas que, muito antes, tiveram que trabalhar para ajudar no orçamento doméstico, ou para sobreviver. Falo das feministas mesmo. Em algum momento – clic! – haviam percebido que não eram respeitadas. Ou, talvez, por toda a história da humanidade, elas soubessem que não eram respeitadas, mas não tinham força para lutar contra isso. Bem, então, em algum momento elas perceberam que podiam, de alguma forma, reagir. No modelo vigente, o homem era respeitado porque era o “provedor”. Engraçado que sempre achei que devíamos ser respeitados por sermos seres humanos, mas... Bem, o homem saía para o mundo para ganhar dinheiro e pagar as contas da família, e isso lhe dava o direito de mandar na mulher, que ficava em casa cuidando dos filhos, da alimentação, da limpeza, enfim: fornecendo subsídios para que o homem pudesse sair sossegado para trabalhar e, ao voltar, gozasse de um total bem-estar. (Ela não teria direito a 50% do salário dele?)
Peraí... de que época estou falando? Da pré-história, da Idade Média, do século XVIII, XIX, XX, XXI ou exatamente de hoje? Ai ai ai ai ai...
Bem, de qualquer forma, estou montando esse raciocínio sem grande embasamento científico, portanto, tanto faz.
Voltando ao assunto: elas chegaram à conclusão de que para merecer respeito, precisavam ter seu próprio dinheiro. E para ter dinheiro, precisavam trabalhar, igualzinho aos homens! Aquele trabalho todo que faziam em casa já passou para segundo plano, porque, sabe como é, não era remunerado. Invertendo o raciocínio, fica assim: se não era remunerado, não era importante! (Num mundo em que Deus é o dinheiro isso é natural).
Não sei como é que foi, mas acreditaram piamente nisso e passaram a fazer apologia dessa estranha idéia!
Agora, eu me pergunto: se o trabalho não era importante porque não era remunerado, por que não exigir uma remuneração por ele? Quanto maior a remuneração, mais importante seria!:) E uma greve no setor doméstico com certeza causaria verdadeira comoção!
Mas, deixando de me perder em elucubrações, as mulheres, que a princípio, deveriam ser respeitadas simplesmente por serem seres humanos, se acharam na obrigação de conquistar o mercado de trabalho para obter esse direito. E essa jornada começou a levá-las por um caminho que, pra dizer a verdade, não sei onde vai dar. Estou cansada de me deparar com mulheres exaustas que deixam filhos nas mãos de qualquer um (não adianta tentar me convencer de que são profissionais, porque eu já soube de muita coisa triste) para trabalhar o dia todo nas mesmas funções que os homens, apenas ganhando menos. E, ao chegar em casa, à noite, depois de atravessarem a cidade num trânsito horroroso, onde se defrontam com inúmeros dedos do meio e xingamentos machistas, encontram todas as tarefas caseiras esperando por elas, para que as realizem. E, mais tarde, quando talvez ainda sejam procuradas por seus maridos para dar uma transadinha, estão totalmente sem forças, sem ânimo e sem vontade. O que, com o passar do tempo, vai aumentando as chances de se tornarem cornas. Sim, porque os homens, com certeza, estão sempre mais descansados e, quando insatisfeitos, devido à liberdade intrínseca a essa espécie, têm muito menos dor na consciência se praticam o adultério. Que, na linguagem deles, seria só “uma escapadinha”.
Quando resolveram sair para trabalhar “fora”, as mulheres esqueceram de treinar os homens para trabalhar “dentro”! Aliás, também esqueceram de lhes perguntar se eles queriam isso! E é claro que a maioria deles está se fazendo de desentendida até hoje.
Por que ter que se igualar a seres tão estruturalmente diferentes, se a riqueza está justamente na diferença? Onde é que erramos, para que o convívio entre homens e mulheres se tornasse essa luta diária por direitos iguais, quando, na verdade, poderia ser uma agradável convivência em que se ajudassem mutuamente, cada um atuando na área sobre a qual tivesse maior domínio, tornando, assim, sua vida e a vida do outro mais agradável, seu fardo mais leve?
E o mais triste: depois de tanta luta, já estamos chegando à conclusão de que respeito não está atrelado à independência financeira, não. Independência financeira pode trazer maior liberdade, mas não necessariamente respeito. Impor respeito parece ser algo intrínseco da pessoa. Há seres humanos que impõem respeito, e há outros que simplesmente não conseguem. E vou mais longe: em relação à liberdade é a mesma coisa: há pessoas que se sentem livres e há pessoas que jamais se sentirão, mesmo que paguem todas as contas!
O fato é que estou triste com essa situação, porque vejo que as mulheres estão se distanciando cada vez mais da sua essência, estou no meio disso sentindo toda a pressão contrária, mas sei, intuitivamente, que seria imensamente feliz se simplesmente assumisse a mulher de verdade, absurdamente rica, que existe dentro de mim, e conseguisse relaxar. Ao menos de vez em quando...

(2007)

Beeeijos!!!

Analú :)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Poesia - Olhares (Alento)














Eu quero que todos os seus olhares
recaiam sobre meus seios impúberes
enquanto conversa comigo nesse tom tão familiar
sobre trabalho, desemprego, crianças, feriados.
Eu quero que o vinho me suba à cabeça,
me desça aos pés,
me leve pra longe,
me faça gargalhar...
Me toque de leve, me esbarre, se esfregue,
sem que ninguém perceba.
Não... Não deixe ninguém notar.
Eu quero que a noite não passe,
que o sono não venha, eu quero gozar...
Amanhã você me liga e a gente não troca uma só palavra.
Nem eu mesma acredito que aconteceu,
ou que possa acontecer de novo...
Não vamos estragar tudo...
Seus olhos em mim, seus olhos em mim,
seus dedos tão leves,
nosso apetite voraz...
Domingo ainda amanheço embriagada.
Segunda tenho que engrenar.
Mas a sensação fica.
Seus olhos em mim,
meus seios meninos,
a pele a roçar.
Crianças chorando,
me pego corando,
já sem respirar.
Me toque de leve, me beije, me pegue,
me faça tremer.
A vida é tão dura...
No meio da dor
me deixe viver...


Ana Lucia Sorrentino, em Alento

sábado, 11 de julho de 2009

Um conto, pra variar: É Sol (primeiro dia do Rafael na escola)

Almoçamos, escovamos os dentes e abri a gaveta. A primeira gaveta do lado direito. É a gaveta do Rafael. Tiro dela um pequeno uniforme. Short vermelho, camiseta e meias brancas. Abro a porta do guarda-roupa e pego o "conguinha".
Rafael espera, meio tenso.
Coloco a roupa nele. Elogio. Elogio muito. Exagero, pra ser sincera. Ele está lindo. Orgulhoso de seu uniforme. Eu me desmancho. Deito-o sobre a cama e beijo, beijo, beijo... Nunca vi uma criança gostar de amasso como esse menino. Ele deixa, deixa, deixa... Meu coração está grande.
Chamo o elevador, toco a campainha da Marilda.
- Ele vai pra escola - exibo-o, mão na mão dele. Ela faz festa, beija, abraça. Um verdadeiro escândalo.
Vamos embora.
Estaciono perto do portão de entrada. A escola fica numa praça, o Largo do Bom Parto. Nos bancos, sentados, brincando, correndo, mil "Rafaelzinhos", de vermelho e branco. Uma parte das crianças já conhece a escola. Pra outra parte, tudo é novidade. Expectativa.
São três e quinze, e ainda temos cinco minutos. Dá tempo de procurar no rosto dos outros um tiquinho de angústia. Dá tempo de apertar a mãozinha dele, tentando passar segurança.
O portão abre, e as mães não podem entrar. Dou um beijo comprido, peço outro, não quero que ele me sinta insegura. Ele entra, acompanhando a turma. A escola é pequena, há uma só sala. Não tem como se perder. Mas ele vacila. Nem sabe pra onde ir. Nem sabe o que esperar... Chora e corre na minha direção. Tio Joaquim o resgata e o leva pra sala. Parece que parou de chorar. Não custa esperar um pouco. As mães vão indo embora, o portão se fecha e tudo está calmo. Silêncio. Não procuro mais o choro dele, porque tenho fé. Vou indo embora. As pernas pesadas, o peito apertado. O carro parece tão longe... Engato a primeira e saio. Vem um vento fresco pela janela. Terei duas horas. Uma sensação de liberdade me possui. Duas horas só pra mim. Estou precisando. Não sei pra quê, não sei o que fazer, mas sei que tenho duas horas pra mim. Duas horas comigo mesma. Há quanto tempo não tenho isso! Vou pra casa. Olho em volta. Há mil coisas por fazer, mas não quero. Ligo o rádio, pra espantar o silêncio. Vou ao banheiro, pego uma revista. Folheio. Tudo igual. Posso telefonar pra quem quiser, dá pra bater um bom papo. Nada disso. Já são quase quatro, logo serão cinco... Talvez chova, e eu não tenho guarda-chuva. Devia comprar um. Esse outono promete chuva. Choveu tanto durante o verão...
Deito no sofá, relaxo, respiro. Rafael tá lá, no meio de um monte de crianças que não conhece. Foi preciso pendurar nele um crachá, com seu nome, pra que o pessoal da escola o identificasse.
Fecho os olhos. Deixo o silêncio entrar em mim. Um zumbido só.
Minha cabeça tá aqui, tentando descansar, mas meu coração está no Largo do Bom Parto. É sempre assim... Cabeça e coração nunca andam juntos...
Tenho medo de adormecer, perder a hora. Levanto, num salto. Já é tarde.
O asfalto está úmido. Cai uma garoa fina, que molha mais que chuva de verdade. O tempo fechou de vez. Tá tudo cinza. Pego o caminho mais longo, só pra fazer hora. Chego cinco minutos antes. Os pais e mães já estão todos lá, do lado de fora do portão vermelho. Todos, todos ansiosos e preocupados. O portão se abre e eu entro, empurrada. Rapidamente se forma uma fila. Fico no meio, esperando a minha vez. Olho pelo vidro da porta, avisto-o lá dentro, sentadinho, quieto. Reconheço-o pela cabeça. Tão redondinha, tão perfeita... Ele estica o olhar pra fora e me vê. Seu rosto se ilumina, num sorriso lindo. Está feliz.
A tia me pergunta o nome, e eu digo "Rafael". Ele levanta, disciplinado, e vem ao meu encontro. Um beijo, um abraço. Dou a mão pra ele e saímos, na garoa.
Pra mim é sol de novo.

Este conto faz parte da coletânea Acasos - 2007

Beeeijos!

Analú :)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Poesia - Frustração

Cada homem que não amo,
cada conto que não escrevo,
cada desejo que engulo em seco,
encurtam meu caminho
a um final desatento.
Amargo o que não posso,
ou mesmo podendo não faço,
porque me fica a vontade.
Eu, pessoa incompleta e perdida,
não querendo machucar ninguém,
machucando minha própria vida.
Eu, dando adeusinhos ao tempo,
me equivoco inteira.
Não queria que meu final
fossem poucas recordações
e muito arrependimento.

Ana Lucia Sorrentino, em Alento

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Abrindo meu Diário II - “Inter-atividade” (2007)

Olá pessoal! Lá vai mais um pedacinho das reflexões de Desromance:

Ainda de manhã, as cebolas mais ardidas que nunca, a pressa pro almoço sair na hora, hora que, a bem da verdade, não foi ela que determinou, e na Globo News duas garotas falam sobre seus livros, suas vidas, seus métodos, seus estudos... É pós graduação, mestrado na Alemanha, viagens, coisa e tal... Os olhos lacrimejam, já não enxerga mais nada, mas sabe quem é essa do lado direito... As pessoas aparecem assim, de repente, e de repente estão na primeira página do Caderno Dois. Uma pitada de sal na panela, uma pitada de inveja no corpo inteiro. Mas não é boba, no fundo sabe que ninguém aparece assim tão de repente. Por trás dessas coisas tem sempre um esquema de planejamento, “o que eu quero pra minha vida”, estudo, especialização... isso tudo não “sai” espontaneamente como o que faz, tão da alma...
Agora as pessoas escrevem sobre o ânus e fazem o maior sucesso...Parece que o povo gosta de sofrer. Como se já não bastasse a realidade... Será que devia ter planejado tudo, desde o começo? Será que se tivesse escrito sobre a merda, e não sobre o amor, já teria virado best seller? Foi deixando acontecer, amava e escrevia sobre o que mais fazia, que era amar, ou não amar, e de repente no “Happy Hour” a Astrid mostra que agora as mulheres estão planejando tanto, e priorizam tanto a vida profissional, que às vezes chegam aos trinta e poucos anos e nada aconteceu em sua vida pessoal e aí ficam aflitas porque ainda não constituíram família, ainda não têm filhos, e já quase não dá mais tempo. Então pensam em fazer produção independente, porque logo vem a menopausa e depois da Xuxa tudo é válido... Nunca planejou nada... Deixou rolar. Novinha de tudo se apaixonou perdidamente. Amou. Confiou plenamente. Se entregou de corpo e alma. Encostava o rosto ao peito do marido e se acreditava totalmente segura... O mundo podia acabar... Que saudade... Veio um filho, veio outro... Amava aquilo tudo. Amamentava, ficava abobalhada, era a pessoa mais feliz do mundo... O segundo foi mais avassalador, talvez porque já tivesse perdido o medo, e aprendera a desobedecer as regras impostas por manuais ou pediatras...Deixava dormir na cama dela, deixava mamar à qualquer hora, a maternidade trazia à tona seu instinto totalmente selvagem... Um lado seu que só lhe trouxe alegria... Então, entre uma fralda e outra, entre um ir e vir da escola do maior, entre um carinho e uma briga com o marido, saía uma poesia, um conto, um desabafo...Às vezes quebra o pau com os filhos, e diz que se arrepende de ter ficado em casa cuidando deles, mas é só da boca pra fora. Na hora em que vê as imagens de uma babá batendo num bebê, no SPTV, dá graças a Deus... As mulheres agora não ficam sem trabalhar fora, mas colocam câmeras de vídeo pra filmar qualquer possível atrocidade que as babás façam com seus filhos. Depois, quando a coisa já aconteceu, despedem ou prendem a babá. Fica pensando se guardam o filme para a posteridade. Quando pensa nessas mulheres que conseguem administrar tão bem a vida, que conseguem coordenar bem trabalho dentro e trabalho fora, e cuidar de crianças, o que mais enxerga é que por trás de toda mulher bem sucedida assim há alguma outra que faz o trabalho em seu lugar. Por prazer, ou por necessidade, são as avós que acabam criando os filhos das filhas. Ou as empregadas. Sua mãe nunca pensou em assumir nenhuma responsabilidade da filha... Ficou assim, emoção pura e fora do mercado de trabalho. Pensando bem, nunca foi tão feliz quanto naquele período em que se sabia absolutamente necessária dentro de casa, então não sofria a angústia da dúvida e da auto-cobrança. Não se torturava...
Mas...quando percebe que não tem poder de escolha, que não tem liberdade, que às vezes é obrigada a aceitar coisas que não quer... que seu grito, muitas vezes, chega aos ouvidos de quem deveria escutá-la como um ínfimo sussurro engasgado, se revolta. Em seguida, olha pros filhos e esquece tudo. Ainda tem tempo... Está viva, e a idade não vai prejudicá-la. Para o que ama fazer, quanto mais idade, mais conhecimento, mais sabedoria, mais paciência...
A mesa posta, os pratos quase todos lascados... Anda muito estabanada. Sempre fazendo uma coisa pensando na outra... Como queria ter uma empregada pra poder fazer o que realmente tem vontade!... Não lascaria tanto a louça pra correr pro computador... Se não fosse tão treinada, faria primeiro o que gosta, se dedicaria à sua arte, deixaria o serviço de casa pra mais tarde... Não sabe bem como, porque se na hora do almoço e do jantar não tiver comida na mesa, fica todo mundo com cara de retirante nordestino...
Não deu pra estudar... pelo menos não o tanto que precisava... Mas, será que precisava mesmo, estudar tanto assim, pra exercer algo que acredita que tenha nascido com ela, e que a acompanha sem trégua, e que a faz tão feliz ao fazer? Algo que, se não faz, incomoda, e fica borbulhando na sua cabeça, e quando sai, sai legal, sem rebuscamento, mas cheio de vida?
Liga pro filho, que está trabalhando desde as oito da manhã. Avisa que o almoço está pronto e ele vem voando, senta à mesa tenso, desesperado de fome, parece que nem vai conversar... Dez minutos depois, está rindo, relaxado. Trocaram um monte de idéias... Isso deve lhe fazer bem, dá um descanso pra que a tarde renda melhor... Vai embora que nem cachorro magro, sempre esquece do seu beijo, mas ela fica feliz por vê-lo assim, tão ativo, e realizado com o próprio trabalho. Então o mais novo coa café (às vezes), e ela lhe pede pra inventar alguma sobremesa, e assistem um pedaço da novela juntos, e dão um monte de risadas, porque novela é sempre uma palhaçada, seja drama ou comédia... E descobriram que a grande graça é assistir junto, porque assim ficam falando as maiores barbaridades, que superam as que estão assistindo... se divertem. Está tentando convencê-lo a escrever um roteiro com ela, palhaçada pura, mas ele acha que não é capaz... bobo... Ama tanto esses moleques...
Louça lavada, mais um prato lascado, agora é tirar a roupa do varal. Outro dia viu a Bruna numa revista de celebridades e ficou pensando se ela faz essas coisas. Tem sempre a impressão de que gente tão bonita e tão bem sucedida não faz coisas simples assim. Acabou escrevendo um conto: “Carta pra Bruna”. Falando das facilidades que achava que a vida deu pra ela... E da beleza dela, e se ela tinha idéia de que só por causa daquela beleza toda a vida deve ter sido muitíssimo mais fácil pra ela. Piração mesmo, porque nunca ia mandar a carta, mas talvez alguém publicasse... Leu, num desses pocket books, que certa vez o Mário Quintana foi num programa de rádio, e a Bruna também foi, e pagaram cachê pra Bruna e pro Mário não... Foram fofocar pra ele e ele ainda comentou que era normal, porque ele não tinha as pernas dela! O mundo às vezes lhe parece muito injusto...O Mário era tão lindo! Incrível esse paradoxo: acredita que todo mundo se apaixona pela Bruna, por causa da beleza dela, mas se apaixona pelo Mário Quintana e pelo Drummond, os dois com mais de oitenta anos e falecidos! Só de olhar pras fotos deles, com todas as suas rugas e seus olhares ímpares, lhe dá uma explosão de amor! Nunca lia poesia, só escrevia, intuitivamente. Nunca teve muita paciência pra ler poesia, mesmo que tivesse tentado muito pouco. Aí, um dia, entrou no Memória Viva e ouviu Drummond lendo suas poesias. Dali foi pro Releituras e começou a ler as do Mário Quintana. Aí olhava pras fotos deles e seu coração ardia dentro do peito. Foi paixão pura! Leu uma crônica do Drummond, de um dia em que ele estava meio sem assunto, e escreveu que não ia ter crônica e começou a fazer elucubrações a respeito dessa coisa de escrever, e que os outros viviam enquanto ele escrevia sobre a vida. Sentiu em vários textos dele essa vontade de estar mais na vida, mais perto das pessoas, menos em posição de observador. Acabou de ler a crônica e queria poder abraçá-lo, beijá-lo, chorou até. Porque ele escreveu tudo o que ela sempre sentira, e com uma simplicidade e com uma modéstia... Essas são as pessoas realmente incríveis! – pensou. Isso lhe deu a convicção de que tem que ser o que é, não adianta ficar tentando parecer ser mais... Além disso, há muito já percebera que o barato de escrever é quando as pessoas que lêem se identificam tanto que se emocionam, porque percebem que a vida de todo mundo, no fundo no fundo, é igual. E que as pessoas vivem seus problemas, achando que a sua vida é pequenininha, mas quando lêem um grande autor que fala das mesmas coisas, isso é um enorme consolo... Quando leu A Idade da Razão foi assim. E No Caminho de Swann também. Ficou com muita vontade de falar das coisas corriqueiras, do dia a dia.
Por tanto tempo desejara ir no Jô, divulgar seus trabalhos, mas se perguntava como é que se sairia, porque tinha medo de demonstrar sua enorme ignorância. Agora, mais velha, parece que esse problema deixou de existir, porque demonstraria sua ignorância sem a menor vergonha na cara! E se ele lhe perguntasse qual o seu “método” para escrever diria que não tem método nem disciplina, e que, aliás, isso está acabando com ela, porque escreve quando está inspirada, e isso normalmente acontece de madrugada, aí vai até quatro da manhã e está ficando com umas olheiras crônicas, uma cara de boêmia mesmo. Mas – sorri tristemente - essa história de ir no Jô até já perdeu a graça... Vai tanta gente boba lá... O Quintana foi esnobado na academia e fez um versinho sobre isso – eles passarão, eu passarinho! Ela também passarinha pro Jô!
Sai correndo, o elevador a ignora. Quer emperrar sua vida. Desce a mil pelas escadas. Vai ao banco, à farmácia, ao mercado... segunda é sempre essa correria. O trânsito, em seu bairro, está um inferno. De uma esquina à outra vai um tempão. Também, não sabe o que faz, que não se muda pra um lugar mais calmo... A sobrinha, do interior, paga um décimo do que ela paga pra faxineira. Respira ar mais puro, conversa com todo mundo... Come bem... Por que será que é tão difícil mudar de atitude? O caixa do banco é novato, está perdido. Não tivesse que pagar uma conta vencendo desistiria. O sistema do computador da farmácia cai bem na sua vez. Queria poder sair correndo com as coisas na mão, mas se controla. Não deixariam, de qualquer forma... Há tanta coisa que queria fazer, mas que não deixam... Parece que o mundo sempre tem infinitas mães pra lhe controlar... Mães de olhos enormes, dentro dos quartos, e dos banheiros... Investigando o tempo que fica embaixo do chuveiro, se a TV está ligada sem ninguém pra assistir, se a música está alta demais, se as luzes da casa estão todas acesas, se acordou tarde, se comeu muitos doces... Argh!
Um milhão de coisas pra guardar... E não sobrou nada do almoço. Lá vai cozinhar de novo... Liga a TV, como faz sempre. É uma estratégia: finge que está assistindo TV, e que faz a comida pra se distrair. É muito melhor do que pensar que está fazendo a comida e se distraindo com a TV. Agora é a hora do Gaspa. Já virou seu amigo, só falta piscar pra ela. E diz, como diz tudo o que quer ouvir! Essa história das mães seria um prato cheio pra ele! Com certeza a xingaria de demônio! Porque sabe que essas mães todas estão dentro dela, e ela não consegue exorcizá-las. Não consegue ou não quer? – pode imaginar-se lá, no programa, levando um carão dele em rede nacional.
As costas estão doendo, passou muito tempo em pé, dormiu muito pouco essa noite. Apronta algo simples pro jantar, cada um vem numa hora. O último é o mais novo, que estuda até as onze. Até limpar tudo já passa da meia-noite. Vai fazendo e vendo as novelas. Se lembra o tempo todo de uma piadinha do Frank e Ernest, que leu outro dia. Está como o Frank, “praticando humildade”. As novelas a insultam e humilham, xingando-a de idiota, e ela não faz nada. Continua assistindo. É um treino e tanto... Dez e cinqüenta. Hora de sair de novo. O filho já sai já já, e se ela não chega logo ele fica muito sozinho, o pessoal vai embora rápido, a porta da escola fica vazia. Queria poder confiar, e deixar que ele viesse à pé, mas nessas idas e vindas, tão perto de casa, ele já foi assaltado duas vezes. Sempre que o avista, ao longe, dá graças a Deus. Por mais que queira praticar O Segredo, a possibilidade de acontecer algo com os filhos quando estão na rua é sempre muito presente na mente das mães. Mentes imperfeitas, que se acostumaram a acreditar no mal. Mas é tão difícil acreditar em outra coisa, quando a campanha pró desgraça que a mídia faz é tão maciça... Há uma verdadeira indústria da tristeza e da insegurança! Haja fé...
As crianças, tão homens, já sossegaram. O marido ronca. Com gestos pequeninos ela acende o abajur. Liga o notebook, acessa a conta bancária, verifica seu e-mail. “Você tem 0 mensagens”. Que vida boba... Pensa em Drummond, falando de sua infância difícil. Do medo sempre presente, dos adultos rígidos, do excesso de respeito... Disse ter vomitado tudo isso em suas poesias. Também quer vomitar. Abre o word, um novo arquivo, e pensa no que vai vomitar agora. O ronco do marido ecoa em seu cérebro cansado. Se digitar algo talvez ele acorde, com o barulho das teclas... Precisa trabalhar amanhã. Nunca entendeu porquê pessoas que casam têm que dormir juntas... Suspira. Está cansada demais. Já está quase caindo em cima do teclado. Desliga tudo. Põe o notebook de lado, mal dá tempo de se virar. Fica pra amanhã. Já está sonhando.


Beeeijos!!!

Analú :)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Abrindo meu Diário I - reflexões para o livro Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser! ;)

Olá! :)

Hoje abri uma pasta em meu notebook que há muito não abria. É uma pasta que contém textos que escrevi numa fase em que me trabalhava mais intensamente para me reencontrar comigo mesma. Achei os textos tão interessantes, por serem altamente espontâneos e por terem um conteúdo totalmente voltado ao entendimento de mim mesma e do mundo que me rodeava, que senti vontade de publicá-los aqui, no meu blog, para que sirvam de inspiração para mulheres que queiram se trabalhar. É incrível como sentar-se, pensar um pouco, e escrever sobre nossos pensamentos e sentimentos de forma razoavelmente bem organizada nos ajuda a crescer! :)
Acho que cresci, e bastante, nessa fase! Tanto que me dou ao luxo de estar aqui, tentando ajudar outras pessoas a crescerem... rsrs...
Por isso vou publicar, esporadicamente, esses textos altamente intimistas, considerando-os realmente parte desse workshop de reencontro com nossas almas. Espero que vocês entendam que nem sempre essas idéias são exatamente as que tenho hoje, mas acho super válido expor esse processo de auto-conhecimento através da escrita.

Desromance (2007)
Impressões impressionadas e às vezes impressionantes de uma mulher que nunca consegue se adaptar a normas e convenções e que não se satisfaz com o que parece satisfazer todo mundo.

I - Comprei este caderno há séculos, com a séria intenção de usá-lo para escrever um novo livro. Guardei-o na gaveta do meu criado-mudo, que já estava quase aprendendo a falar pra me lembrar de minha tão bem intencionada intenção.
Mas, antes disso, Quiroga foi mais esperto. Eu, que quase nunca lia meu horóscopo, agora me viciei. Mais do que em meu próprio horóscopo, nas sábias palavras de Quiroga. Aquela primeira frase, em que ele dá a posição dos astros no céu, pouco me importa. O que me fascina mesmo são suas otimistas previsões de um mundo melhor. Quando ele diz “breve” não posso imaginar o que isso signifique, mas o que importa realmente é que “breve” é um tempo que virá. Isso já me consola. “Breve as ilusões materialistas cairão por terra... Breve a humanidade descartará o ódio e as vilezas que tornam sua alma grosseira e obscena... Breve deixaremos para trás as ilusões que nos fazem sofrer e entenderemos que é possível ser feliz na simplicidade...”
Quanta coisa boa... Achei um oásis no meio do jornal. Acabei me viciando. Leio Quiroga, as tiras do Calvin, do Recruta Zero, do Frank e Ernest e faço as cruzadas. Uns instantes de prazer e de consolo que me dou todos os dias.
Geminiana da gema, estou sempre dividida entre tantos interesses, que acabo me perdendo em infinitas possibilidades, que mais me confundem do que outra coisa. Me bifurco, trifurco, quadrifurco, e acabo me diluindo no todo. Na verdade, os dias terminam e não fiz nada. Fiz tudo, mas não fiz nada. Sei que o que fiz, dedicando-me à família, ficará para sempre em cada um de seus membros. Em sua saúde física e mental, em seu desenvolvimento, em sua alegria. Também em seu sarcasmo, sua ironia... Sei que ficará em suas células, em sua memória, sei que fará parte de seus motivos e de suas resoluções. Às vezes, pensando nisso, consigo serenar essa minha alma tão inquieta, tão insatisfeita. Mas são momentos. Quando percebo que o mundo vive em outra, que as pessoas estão preocupadas com as “coisas”, que parece que ninguém me vê por dentro, caio em tentação e acredito que estou errada. Algo, que não sei se interno ou externo, me diz maldosamente que não fiz nada. De repente, a tola e previsível ingratidão de filhos adolescentes ou a malcriadeza de um marido estressado me colocam na lona. Banalizam minhas tarefas mais sagradas. Fazem parecer inúteis as horas e dias e anos que me dediquei ao amor. Não foi em vão. Sei disso. Mas me deixo dominar por esse meu lado fútil e fico me perguntando o que produzi de verdade na vida. E esse “de verdade” vem totalmente carregado de conotação material. Então me pergunto que bens possuo, que vida levo, que legado deixarei... Não, não, não... Nessa hora não adianta ninguém me vir com respostas românticas, me apontando o marido que me ama, os filhos perfeitos, a harmonia familiar... Tudo o que tem valor real acaba virando nada mediante a constatação de que, se amanhã eu estiver sozinha, terei que me virar para suprir minhas necessidades materiais e nada fiz, nos últimos vinte anos, para me especializar em algo que possa me garantir isso. Nada fiz. Sei tudo e não sei nada. Uma simples leitura na seção de empregos dos classificados me põe nervosa. Sinto uma azia, uma aflição, uma vontade de chorar. Estou fora do “mercado”. E o “mercado” é o mundo.
Sorte que tem o Quiroga. Leio e releio suas introduções. E de algumas semanas pra cá ele foi me trazendo pela mão por um caminho que acabou aqui. Neste caderno, que estava esquecido dentro da gaveta do meu criado-mudo. Ele me instigou, pacientemente, a retomar minhas raízes e tentar dizer ao mundo, da forma que melhor sei, a quê vim.
Pergunto agora, às próximas noventa e poucas folhas em branco, no que é que isso vai dar...
(Continua no próximo Abrindo meu Diário rsrs... ;) )

Beeeijos!!!!!!!!!

Analú :)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Poesia - Três Palavras (um pequeno desabafo)




















Três Palavras

O último copo no escorredor,
a pia brilhando,
o sono chegando.

O banho gostoso,
o quente da água
depois de dia tão frio...

Meninos na cama,
silêncio, enfim.

Lençóis trocados,
acolchoado,
o meu teclado.

A tela em branco,
um tempo pra mim.
O sono vai.

Três palavras
e algo escorre
por entre as pernas.
Lento, morno, traiçoeiro.

Foi a calcinha,
a camisola,
o lençol.

Na corrida,
arte abstrata em vermelho vivo
no chão de madeira clara
e no gelo do piso do banheiro.

Mulher é um ser humano
que não sabe o que é ter paz.

2007

Beeeijos!!! :)

Analú

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pausinha para poesia - Meninos

Meninos

Essa barba rala,
essa pouca fala,
esse olhar fugidio...
Meninos são sempre assim: escorregadios.
Meninos são felizes,
tímidos, agitados.
São livres e sempre, sempre, sempre esfomeados.
Meninos são vida em ebulição,
dúvidas, planos, tesão.
Meninos sãos.
Os peitos ainda não definidos,
cabelos muito curtos
ou muito compridos,
respiram num ritmo mais rápido
que o meu.
Têm pressa, curiosidade, medo.
Vivem às avessas do enredo.
Voam nos pensamentos,
invadem meu território,
e com isso me dão prazer.
São tão importantes,
e nem sabem que existo.
Meninos...
Queria entender.
Às vezes tento,
às vezes desisto.
Mas não resisto:
meninos são lindos,
lindos,
lindos de morrer.

Beeeeijos!!! :)

Analú