domingo, 29 de novembro de 2009

Poesia - Agora Alento, 2007



Agora broto, orvalhada.
Eu, que já fui despetalada.
Agora nasço,
revivo,
aprendo.
Agora anseio
e agora creio.
Há algo pra mim.
Agora gosto
e agora quero.
Agora sinto.
Agora sim.

Analú

(Alento - 2007)

Abrindo Meu Diário VI - reflexões para Desromance

Estou aqui e não dá tempo, não dá tempo, não dá tempo... As coisas rotineiras me estrafogam, me estrangulo. Vivo servindo e resolvendo problemas alheios e à noite, ou de madrugada, tento fazer o que não fiz por mim. Não fiz nada...
Quero me achar dentro desse corpo que cumpriu, mas não gozou. Vou lá no fundo procurar o que me agrada, de onde tiro prazer, o que me faz sentir viva.
Transformo-me em notívaga. Zumbi criador, que à luz da lua pensa, sonha, borda, escreve...
De dia, com olheiras e sonada, sou tachada de contrária, cheia de manias, indisciplinada...
Às vezes me sinto cansada demais, então recuo, e tento seguir a ordem normal das coisas. Dormir cedo, acordar cedo... Me deter às obrigações, fazer café da manhã, almoço e jantar... Levar filhos pra lá e pra cá... Sou o esteio – é o que pensam. A responsável pelo bom desempenho de cada um da família. Do pai, que tem seu trabalho, dos filhos, que têm seus estudos... Tenho que dar subsídios para que todos se dêem bem, cada um com seu dom, cada um em sua área...
E então, mais tarde, talvez, padecer da síndrome do ninho vazio. Vivi para eles, esqueci de mim... É o que escuto muito freqüentemente de cinqüentonas que entraram no jogo da família de cabeça.
É duro ter que se enquadrar em regras que não foi você que criou...
Por que o trabalho matutino é mais nobre que o noturno, se a disposição só me vem à noite, bem como a inspiração?
Atrapalho os outros, que também me atrapalham...
Dou mau exemplo a meus filhos, funcionando em horário nobre.
Será mesmo?
O que faço de madrugada não parece, aos outros, ser trabalho. Que raio de critério é esse, que só reconhece o valor do que se faz em horário comercial?
Meu companheiro disse, outro dia, que não adianta, que não tenho jeito, que isso é batalha perdida.
Meu horário é uma batalha que ele perdeu! Ai ai ai ai ai...
De quem é, afinal, essa minha vida?



O que é que prometi? Mais que isso: jurei! Eu sei que jurei, mas era nova demais... Não sabia nada...
Naquela época, minha grande, enorme, profunda e intensa necessidade era de sexo. Estava apaixonadamente apaixonada e queria fazer sexo quando bem entendesse, sem restrições e com a consciência tranquila. Sim, tranquila. Queria não ter que dar satisfação a ninguém. Mãe, pai, avó, irmãos... Minha vida tinha sido, desde o dia em que nasci, permanentemente vigiada por oito pares de olhos. Dezesseis olhos atentos sempre prontos pra me flagrar num tropeço. Num escorregão. Num erro. Numa safadeza. Numa imperfeição de caráter. E eu, que sempre me achei, desde a infância, tão mau caráter... Era normal, agora sei. Mas cresci acreditando nas coisas que me falavam. Vendo só as coisas que podiam ser vistas... Como é que eu poderia ter consciência da safadeza dos outros, se tudo o que se faz de safado se faz escondido?
E eu acreditava. Acreditava piamente que – pelo menos na minha família – o único ser humano capaz de fazer traquinagens era eu. Coitadinha... Que tamanha e inútil dor na consciência...
Aquele juramento diante do padre poderia ter sido diferente: “Eu prometo transar sempre que tivermos vontade. Na cama e no chão, em cima da mesa e no sofá, na cadeira de balanço ou no quarto de televisão... De dia e de noite, com ou sem tesão... só por distração...” Então, não haveria traição. Traição de mim para mim. É assim que se diz? Ou seja: Eu não me trairia. Não faria, todos os dias, coisas que não quero fazer, apenas para cumprir uma promessa vazia.


(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Poesia : Lobo Bom

Dorme, neném,
que um dia o lobo vem.
Quem é esse lobo, afinal,
que não vem, nem me faz nenhum mal?
I'm waiting for you.
I'm always waiting for you.
Em todas as línguas,
todos os cômodos,
todos os tempos.
Te espero.
Te quero.
Deliro.
Meu sonho sempre é melhor.
Gemo, transpiro...
Chapeuzinho Vermelho em plena descoberta,
se perdendo no meio da floresta.
Esquecendo da vovozinha.
Que me perdoe, vovó...
Dei seus bolinhos.
Que me perdoe, mamãe,
me perdi no meio do caminho.
Não... Não foi uma pedra.
Só encontrei com o lobo.
Um lobo bonzinho...
Que me perdoem...

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007)

domingo, 1 de novembro de 2009

Abrindo Meu Diário V - reflexões para Desromance

Ler, ler, ler Jean Paul Sartre e pensar, pensar, pensar... não, não apenas pensar: sentir, sentir, sentir. Mergulhar fundo em mim. É assim mesmo. Por mais estafada de mim que possa estar, por mais insatisfeita, por mais tudo, só eu posso me sentir, só eu me percebo, só a mim cabe me conhecer. E é de mim que sei, de mais ninguém. É comigo que durmo e que acordo, é comigo que passo o dia, é comigo que vivo, que penso, que sinto.
Coisa boa essa, meu Deus, de dizer coisas tão profundas, tão verdadeiras, tão inebriantes! Coisa linda essa de descrever com tanta precisão gestos tão corriqueiros, que poderiam não dizer nada, mas que dizem, dizem, dizem sem parar o que somos, o que fazemos, o que sentimos... Sartre, te amo, meu Deus!
Será que é isso o que almejo? Amor? Será que, no final das contas, só o que importa é isso? Quero ser amada. Quero ser amada. Quero ser amada.
Será que essa gana por querer escrever não é apenas um gesto de exibição? Quero que me conheçam, que me vejam, que me leiam, que me amem, amando o que escrevi.
Talvez me digam: mas você é amada, não há dúvida! Eu sei... Sei que sou. Sou amada por gente de verdade, que vive uma vida de verdade junto a mim. Mas, não sei porquê, só isso não me satisfaz. Quero mais, quero mais, quero mais...
Terminei de ler “A Idade da Razão” e meu peito parece inchado, parece ter mais ar do que pode agüentar. Será que era isso o que Sartre queria? É isso o que quero. Amargar essa frustração é algo que me mata. Tenho que escrever, quero viver, preciso agir! Sei que talvez essa plenitude venha apenas quando estiver madura o suficiente pra não ficar tão deslumbrada. Tudo, tudo na vida parece ser assim. Se não está na hora, não está na hora e fim! À vida, afinal!



Às vezes tenho arroubos de sentimentos exagerados e, em seguida, questiono tudo. Ser amada não faz uma mulher mais feliz, amar sim. O que senti ao ler Sartre, possivelmente ele não sentiu ao escrever. E quando escrevo, na verdade, nunca estou preocupada com quem vai ler. Poderia escrever e guardar os textos para sempre numa gaveta trancada, que o meu sentimento de alegria por ter escrito algo bom não mudaria em nada. Porque o grande prazer é na hora em que escrevo, enquanto sinto o deslizar da caneta no papel, ou curto o barulhinho característico do teclado. O grande prazer é conseguir ordenar os pensamentos e sentimentos, porque o texto é apenas um facilitador dessa auto-compreensão. O grande prazer é tentar entender esse mundo e eu mesma. Ou será um grande sofrimento?

(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)