Ao abrir mão do
discurso, agente revelador da nossa humanidade, e tentar calar à força o
opositor, os panelaços perdem o teor de ação política.
Dias atrás, depois de um desses
panelaços que têm acontecido quando há pronunciamentos do PT, li um comentário de
alguém que dizia reconhecer o direito de protestar, mas sentia haver algo de
miserável nessa prática. Impressionou-me a precisão do adjetivo. Os panelaços
expõem exatamente uma miséria política imensa. Longe de mim negar o direito ao
protesto, mas há protestos e protestos.
As pessoas querem ser ouvidas e é o
que se espera em uma democracia. Entretanto, "ser ouvido" pressupõe "ouvir".
E o panelaço tem a característica de não querer ouvir o opositor e - pior - não
permitir que outros o ouçam, o que é próprio de ditaduras.
Todas as vezes que há panelaço
lembro-me de Hanna Arendt. No capítulo "Ação" de A Condição Humana, a autora defende a tese de que é na ação acompanhada do discurso que mostramos quem somos e a que viemos. Arendt diz
que é o discurso que revela nossa humanidade, pois animais irracionais e robôs
podem agir, mas o que nos torna humanos é exatamente elaborar nossos pensamentos
com palavras e explicitá-los.
Essa afirmação de Arendt me
reportou, quando a li pela primeira vez, a um caso de agressão que acontecera em
uma escola, amplamente divulgado. Inconformada com a beleza de uma outra aluna e,
provavelmente, sem condições para elaborar isso intelectualmente, uma estudante
espancou a colega de classe. Nem podemos julgá-la e condená-la por isso, pois
não sabemos o quanto essa garota foi privada do mínimo necessário para
conseguir realizar essa elaboração. Arendt me fez compreender que quando não há
condições internas para elaborarmos as situações que vivemos, podemos cair na barbárie.
Agora o panelaço me reporta ao texto
da pensadora. Uma parte da população o adotou como "ação política". Expressa
sua revolta difusa através de barulho e sem discurso. Sabemos que quer
manifestar insatisfação. Mas o fato de essa insatisfação ser canalizada apenas
para um ou dois personagens do nosso lamentável cenário político é coerente com
esse modus operandi: é simplista. Assim
como a garota bateu na colega por não conseguir elaborar seus sentimentos, os
batedores de panelas provavelmente não conseguem elaborar o contexto
extremamente problemático que vivemos nesse momento. Fazem uma leitura muito
superficial do que ouvem na grande mídia, que não tem qualquer intenção de
aprofundamento das questões noticiadas, e cuja linguagem simplifica tudo. O
ouvinte, metralhado diariamente com um discurso catastrófico e superficial, sente
uma imensa insatisfação e cai na radicalização. Em lugar de organizar
manifestações democráticas, de ocupar ruas com cartazes e de manifestar humanamente o que lhe desagrada, o que
deseja, que caminhos gostaria de seguir, bate panelas. E panelas não dialogam.
Assim como não podemos julgar a
garota que bateu na colega de classe por ser bela, talvez também não possamos
julgar quem se coloca à janela a bater panelas... porque não sabemos exatamente
do que lhes privaram para chegarem a isso. Provavelmente foram privados de uma
boa educação, familiar e escolar, e muito provavelmente estão sendo privados de
informação heterogênea e de boa qualidade. Há quem diga que simplesmente estão
revoltados com a ascensão de uma parte da população que habitualmente lhes
servia sem grandes reivindicações. Mas, se assim for, voltamos ao ponto:
faltou-lhes educação e informação de boa qualidade.
É preocupante o fato de essa miséria
política andar se manifestando por aí com tanta frequência, não só em
panelaços, mas através de todos aqueles que se julgam no direito de agredir,
xingar ou constranger os que pensam de forma diversa da sua. Enquanto não priorizarmos
a educação e enquanto não democratizarmos a mídia, creio que estaremos cada vez
mais sujeitos à barbárie.
Ana
Lucia Sorrentino
Imagem: Google