quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

"Provocação" - Esse Deus, o Dinheiro

Nasci numa família que sempre valorizou muito a educação, a honestidade e a cultura. Apesar de passarmos, como todo mundo, por períodos de dificuldades financeiras, quase nunca se falava abertamente nisso em nossa casa. Em épocas melhores, curtíamos as regalias que podíamos ter. Em tempos de vacas magras, economizávamos.
São momentos memoráveis de nossas vidas, a chegada, em nossa casa, da Enciclopédia Barsa, para nós, um sonho de consumo, sim, mas por ser, na época, o supra-sumo do acesso ao conhecimento; e da coleção completa do Monteiro Lobato, que li e reli e me encantou a tal ponto que fez com que eu desejasse ser uma escritora, sonho que jamais me abandonou. Éramos seis filhos, e não lembro de ver nenhum de meus irmãos mais velhos desesperado para ter um carro, ou para comprar roupas de grife. Mas quando podiam, se davam ao luxo de comprar clássicos da literatura em encadernações especiais, que folheávamos com o cuidado de quem lida com uma verdadeira preciosidade.
Foi esse o legado que minha família me deixou: além da hombridade, o gosto pela cultura. Atributos que, independentemente da minha situação financeira momentânea, me acompanham sempre, muitas vezes fazem com que eu me destaque, e me ajudam a jamais me sentir infeliz ou inadequada.
Mas, é claro, sempre soube que nem todo mundo pensa da mesma forma. Parece-me que quanto mais o mundo evolui, mais distante fica esse tempo até romântico de amor ao conhecimento e a sólidos valores morais.
Casei, tive meus filhos, e a primeira vez que fiquei seriamente preocupada com a qualidade da relação que eles teriam com o dinheiro e com as mulheres foi quando participei de uma conversa entre pré-adolescentes encantados com a Feiticeira e com a Tiazinha, na época em que elas foram lançadas pelo Luciano Huck. Flagrando meia dúzia de garotos, empolgados com a extrema beleza das duas personagens, compartilharem, euforicamente, da mesma idéia de que era preciso ganhar muito dinheiro, porque sem dinheiro seriam rejeitados pelas mulheres, tentei argumentar, perguntando-lhes se eles realmente desejavam sair com uma mulher que estivesse interessada mais em seu dinheiro do que neles. A minha pergunta parecia nem tocá-los, tão obstinados estavam nessa idéia de que um homem vale o dinheiro que tem.
A partir daí, passei a observar mais atentamente essa supervalorização do dinheiro, extremamente recorrente em nossa sociedade capitalista. E a cada dia fico mais impressionada ao perceber o quanto é difícil lutar contra isso.
Encontro diariamente pessoas que têm o dinheiro como referência para tudo. Ao se referirem a alguém, citam quanto dinheiro a pessoa tem. – “O cara tem uma grana!” – é uma expressão que sempre escuto, e a que esperam que eu atribua o significado de “ele é mais do que os outros”. Não importa se o cara é trabalhador ou apenas um herdeiro sortudo. Se é honesto ou vigarista. Se usa bem o dinheiro que tem, melhorando o mundo ao seu redor, ou se é um egoísta que pensa apenas em aumentar sua fortuna, e para isso usa os métodos mais espúrios, sem o menor escrúpulo. Ele é “algo mais” porque “tem uma grana”!
Valores morais, honestidade, cultura, inteligência, sensibilidade, caráter, parecem ter perdido feio para esse Deus Dinheiro, que tudo determina e sentencia.
Um jovem que nem sabe o que é trabalho completa dezoito anos e imediatamente ganha um carro potente, que, em sua cabeça, lhe agrega um valor inestimável. Sai pelas ruas ultrapassando carrinhos mais humildes, que sofrem em subidas íngremes, sorri zombeteiramente, e acredita piamente que “é” mais do que o motorista que ficou pra trás. Como se ele fosse a potência do seu carro! Aliás, é sabido que grande parte dos homens tem uma relação tão forte com seu automóvel que pensa nele como uma extensão de si mesmo.
São infinitas as situações em que o dinheiro assume importância tão grande, que tudo o mais parece não ter valor algum. Quantas e quantas vezes já ouvi alguém dizer, argumentando contra a fidelidade a uma bela amizade, que “seu melhor amigo estava ali, no seu bolso”? Quantos relacionamentos já vi se deteriorarem pelo fato de que quem detém o poder financeiro se considera dono de todas as resoluções familiares? O que sente uma mulher que faz de tudo para que a família inteira fique bem, mas, no momento das decisões cruciais, escuta do marido que é ele que paga as contas, e por isso é ele que decide?
Há poucos dias, eu e minha família vimos uma cena, depois de um jogo de futebol, em que uma linda fã até chorava, implorando um beijo a um dos jogadores. Os homens da minha casa deram risada, porque o jogador não tinha nada de galã, e eles só conseguiam explicar o comportamento da garota como amor ao dinheiro. Realmente, o assédio das Maria-Chuteiras a jogadores é algo há muito conhecido por todos. Sempre com alguma esperança de ainda poder acreditar nas mulheres, fiquei ponderando que talvez não tivesse a ver com o dinheiro, mas com o talento. Todos os homens riram da minha cara. E me garantiram que o foco era o dinheiro mesmo, e que se uma daquelas garotas cruzar com o mesmo jogador em qualquer rua da cidade, sem saber quem ele é nem quanto ganha, jamais vai olhar com interesse pra ele. O dinheiro faz o homem ficar bonito – era o consenso geral, entre os homens. Mas eu ainda não havia me convencido de todo.
Coincidentemente, dois dias depois, liguei a TV e naquele exato momento, num programa que nem sei qual era, duas belas mulheres davam o seguinte depoimento a uma jornalista: “Você vê dois homens, um muito bonito e outro muito feio. O muito bonito chega pra você e te convida pra tomar alguma coisa num bar qualquer, à pé. Instantaneamente, ele fica meio feio. O muito feio vem e te convida pra ir no jatinho dele pegar um sol numa praia paradisíaca, onde ele tem uma mansão. No mesmo momento, você já começa a achá-lo bonito, e logo ele parecerá um príncipe!” – Me senti tolamente ingênua, porque, elas não só pensavam realmente dessa forma, como declaravam isso publicamente, sem o menor constrangimento!
Mas a coisa vai mais longe: quando o Papa veio ao Brasil, fiquei impressionada com a comoção do povo, porque eu achava que as pessoas reagiam à sua presença como se ele fosse um santo, e eu não entendia bem essa situação, porque, para mim, o Papa é o representante da Igreja Católica, mas não é um santo. Comentei com um conhecido meu sobre essa emoção, exagerada, a meu ver, e ele me saiu com essa: - “É, mas ele tem uma grana...” - referindo-se à riqueza da Igreja Católica! Caraaaaaca! Será que Deus “tem uma Grana”, e é por isso que é tão popular?
E o aquecimento global? Quando a mídia começou a falar mais seriamente sobre o assunto, e pudemos perceber a verdadeira gravidade do problema, logo ficou evidente, pra quem pensa um pouco, que as providências teriam que ser urgentíssimas. Mas, infelizmente, quem tem interesses financeiros, não pode perceber a enorme urgência dessa situação. Governantes do mundo todo negociam pequeníssimas porcentagens de diminuição de emissão de gases de efeito estufa a longuíssimos prazos, e os que mais poluem se dão o direito de nem ao menos assinar o Protocolo de Kyoto, porque pretendem crescer muito, e poluir mais ainda! Enquanto as catástrofes crescem no mundo todo, os antídotos são extremamente lerdos, para não abalar a economia mundial. A tal da grana vai comendo tudo: injetam nossa preciosa água no lugar do petróleo que poluirá a Terra, investem na indústria bélica em vez de promover a paz, investigam outros planetas, quando não sabem nem ao menos lidar com o nosso... E não se empenham, nem ao seu dinheiro, em baratear tecnologia para a produção de energia limpa. Nós, leigos, escutamos falar em tantas possibilidades, que a impressão que temos é de que tudo pode virar energia. Mas os homens ainda se comovem profundamente cheirando uma rocha impregnada de petróleo, porque esse é o cheiro do dinheiro! Quando comento com as pessoas que as providências tinham que ser muito mais ágeis, que o mundo deveria estipular um prazo não muito longínquo para substituir totalmente a energia suja pela limpa, elas me dizem : - Você é louca! E a economia? E os prejuízos? – Talvez ainda não tenham percebido que numa Terra completamente assolada por catástrofes os lucros não resolverão grande coisa...
Há pouco tempo assisti no teatro a peça O Avarento, de Molière, com o maravilhoso Paulo Autran. Seu personagem passa a história inteira tendo o dinheiro como referência para tudo. Tudo, absolutamente tudo o que faz é em função do dinheiro. O amor não importa, os sentimentos não importam, ele poderia comer muito bem, mas come mal, se veste como um mendigo, e vive atormentado com a idéia de que lhe roubem o dinheiro, que mantém enterrado dentro de um baú, no jardim. No final da peça, todos os seus familiares vão para uma festa, e ele fica sentado, sozinho, num pequeno banco, abraçando seu baú de dinheiro. Feliz da vida!
A impressão que tenho, às vezes, é a de que vamos acabar assim: doentes e sedentos, sentados em cima de uma imensa uva-passa super-aquecida, abraçados a um baú de dinheiro e talvez assistindo pela TV uma legião de perfeitíssimas mulheres que jamais serão de ninguém, porque o dinheiro já é seu dono, se balançando incansavelmente, como as meninas do Pânico. Espero, sinceramente, estar errada.



Beijo!

Analú

domingo, 2 de dezembro de 2007

XIV - Mais Uma Forma de Fazer Contato Com Sua Alma - "O Capote Expiatório"

Ao longo de “Mulheres que correm...”, por inúmeras vezes, Clarissa insiste em
que usemos a arte para entrar em contato com nossa alma, para manifestarmos o que temos de melhor em nós. São verdadeiras “chamadas” que nos despertam instantaneamente uma enorme vontade de nos dedicarmos à arte com que mais nos identificamos. Você gosta de escrever? – ela pergunta. E encoraja: - pegue lápis e papel, e escreva! O que você gosta de fazer? Faça! Vá desenhar, pintar, esculpir, bordar, tocar, cantar, mas vá! Crie, transforme essa maravilhosa energia criadora que você tem dentro de você em algo que possa ser lido, visto, ouvido, apreciado, criticado! É sempre altamente gratificante! A sensação que temos depois de criar algo de que gostamos nos preenche de tal forma, que, por algum tempo, parece que não precisamos de mais nada. Estamos ancoradas em nós mesmas. Se o que sentimos em relação ao que criamos é positivo, a crítica alheia não importa. “Dane-se”- é o que penso quase sempre quando sinto que escrevi algo muito bom, mas alguém insiste em achar defeitos. Esse sentimento é o exato oposto daquele que já citei, que nos acomete depois de passarmos um dia inteiro à la zumbi, servindo aos outros e nos deixando de lado. Aquele imenso vazio transforma-se numa maravilhosa plenitude.

Além disso, o trabalho artesanal, como já comentei na primeira parte desse post, faz com que você se interiorize, e se o tema do trabalho for a sua própria vida, então você estará, como La Loba, percorrendo estradas e leitos secos de rios, e aposto que voltará com um bom feixe de ossos sobre os ombros!

Como estávamos conversando sobre as formas de recolher ossos, considero que caiba aqui subverter novamente a ordem dos textos do livro, para sugerir mais uma, baseada num relato que Clarissa dá no décimo terceiro capítulo - Marcas de Combate: A participação no Clã das Cicatrizes.

Em seu relato, Clarissa conta que, às vezes, ensina as mulheres com quem está trabalhando a fazerem um capote expiatório, de tecido ou de algum outro material. Ela explica: “Um capote expiatório é um casaco que descreve em detalhes, pintados ou escritos, e com todo tipo de coisas costuradas ou pregadas nele, os insultos que a mulher sofreu na sua vida - todas as ofensas, calúnias, traumas, feridas, cicatrizes. É a sua afirmação da experiência da mulher de ser transformada em bode expiatório. Ele é de extrema utilidade para a descrição de todas as mágoas, baques e golpes da vida da mulher.”

A princípio, Clarissa fez um capote para si mesma. Diz que ficou pesadíssimo, tantas as coisas que fixou nele. E que sua intenção inicial era incinerá-lo, quando estivesse pronto, para que, com ele, sua antiga fragilidade também fosse incinerada. No entanto, ela pendurou o casaco no teto do corredor e, ao passar por ele, em vez de se sentir mal, sentia-se extremamente bem, porque havia sobrevivido a tudo aquilo, e era admirável o fato de estar “andando inabalável, cantando, criando e abanando o rabo”. O mesmo acontecia com suas pacientes. Elas nunca queriam destruir seus capotes expiatórios, ou mantos de combate, depois de prontos, porque eles eram a prova de sua resistência, derrotas e vitórias. Clarissa compara esses capotes aos hieróglifos que o povo lakota pintava em peles de animais para registrar os acontecimentos do inverno e aos códices de registro dos grandes eventos das tribos dos povos náuatle, maia e egípcio. Se pergunta o que as netas e bisnetas das donas desses capotes pensarão, ao ver as vidas dessas mulheres assim registradas, e fica desejando que lhes expliquem, porque ali estão suas mais difíceis opções. O capote expiatório e a intenção inicial de Clarissa, de queimá-lo, me lembrou alguns rituais japoneses em que escrevemos num papel tudo aquilo de que queremos nos livrar, como mágoas ou remorsos, e depois o queimamos, orando.

Minha sugestão, baseada nesse relato de Clarissa, é de que você não fique só pensando. Faça seu capote expiatório, usando a arte que tenha mais a ver com você. Adapte-o ao seu bel-prazer. Sei que quando a coisa começa a ficar meio complicada, a tendência é “deixar prá lá”, então, vamos pelo caminho mais fácil. Se você não é muito afeita a costurar, ou lidar com tecidos, mas gosta de desenhar, desenhe! Pegue uma folha de cartolina, algumas canetas hidrocor, ou o material de que goste mais, desenhe o capote, limpo, e então comece a lembrar dos momentos cruciais da sua vida. Na minha opinião, já que você já sabe que a intenção não é necessariamente queimá-lo, mas orgulhar-se dele, acho que podemos ir mais longe: faça um verdadeiro mapeamento de todos os momentos importantes da sua vida, não apenas daqueles em que sofreu ou foi sacrificada, mas também daqueles em que foi muito feliz, em que se sentiu realmente viva. Você pode descrever cada momento desses num pequeno post-it e grudá-lo ao desenho do capote. Se gosta de escrever, escreva! Essa catarse você terá de fazer da forma que achar melhor. No meu caso, ao recolher tudo o que já havia escrito, percebi que passara toda a minha vida fazendo a minha. Em ordem cronológica, ali estava tudo. E eu, pessoalmente, também jamais tive vontade de queimar meus textos, mas sempre me orgulhei deles e, relendo-os, sinto-me realmente, forte, porque vejo que sobrevivi, exatamente como Clarissa descreve.

Mas, nessa atividade, há algo que considero tão ou mais importante do que simplesmente lembrar e registrar. Não faça isso com pressa. Não se imponha um prazo para terminá-la. A própria Clarissa diz que pode-se demorar um dia ou meses para terminar um trabalho desses. Acredito que seja extremamente importante, a cada registro que você fizer, você realmente lembrar porquê aquilo, naquela ocasião, te causou tanto desgosto ou alegria. E como você vivenciou isso, como curtiu essa alegria ou como livrou-se da dor. Que crenças você tinha, que fizeram com que o acontecimento fosse tão traumático? De onde você tirou forças para reagir? Que estratégia usou para superar a situação? E, depois de superá-la, como se sentiu? Hoje, quando se recorda, o que pensa disso? Se a situação se repetisse, no seu contexto atual, reagiria diferente? Não sofreria tanto? Sairia dela da mesma forma? Ou ela já representaria uma “bobagem”, com a cabeça que você tem hoje? Se você achar interessante, registre num caderno, ou num arquivo, todas essas impressões. Você estará escrevendo a história da sua vida; mais do que isso, estará compreendendo essa história. E, através dessa compreensão, acredito que poderá escrever uma história mais feliz daqui pra frente.

Outra coisa tremendamente importante: você conseguirá captar se realmente tudo em sua vida foi resolvido. Ou se você pulou algumas etapas, escondeu sujeiras sob o tapete, “fingiu” ter engolido coisas que, na verdade, apenas está mascando, como um chiclete velho que já causa engulhos, mas que você não sabe onde jogar.

Essa é a hora pra você começar a resolver tudo isso. Resgate as etapas perdidas, viva o que não foi vivido, levante o tapete, encare essa sujeira e varra-a para o lixo, cuspa esse chiclete, você não precisa engolir isso! Faça uma limpeza na sua vida. Chore rios de lágrimas, se for preciso, mas, como diz Clarissa, essas lágrimas vão desencalhar do meio das pedras o barco que carrega a vida da sua alma, e vão carregá-lo para um lugar novo, um lugar melhor. Tenha essa coragem. Isso é imprescindível. Bom trabalho!

Beijo!

Analú

domingo, 11 de novembro de 2007

XIII - Um Pequeno Conto - "Vida Nova" - Você já viveu algo parecido?

Sei que havia prometido que o próximo post seria sobre o “Capote Expiatório”, mas andei relendo alguns textos dos meus livros, e um deles tem tanto a ver com essa questão do “voltar pra casa”, do interiorizar-se, que achei que caberia muito bem aqui para exemplificar a imensa necessidade que uma mulher tem de ter alguns momentos consigo mesma, principalmente nas fases em que o mundo objetivo está tirando demais dela. Nesse pequeno conto, que faz parte da minha coletânea “Acasos”, a protagonista elabora uma “manobra” dentro do seu dia-a-dia super agitado, para ter alguns momentos de paz.
Leia, e veja se você se identifica com esse tipo de situação. Se puder nos contar quais são suas próprias "estratégias", tenho certeza de que seu depoimento poderá ajudar muita gente!

Vida Nova

O espelho reflete uma silhueta pálida, cansada. Um corpo imóvel, relaxado, branco. Longos cabelos negros, chegando à cintura, parecem pesar demais para o pescoço tão fino. Os seios fartos, de bicos muito grandes, cheios de leite. O ventre ainda inchado. Ela se olha, quase sem se ver. Não a agrada a própria aparência. Suspira. Liga o chuveiro, rapidamente. Entra no banho. A água lhe alivia o cansaço. Fecha os olhos, sente os pingos nos lábios. Serão vinte minutos. Vinte minutos pra si mesma. Nem pode crer. Ainda não relaxou de todo, esperando qualquer chamado. Habituou-se... Esses minutos devem ser aproveitados, curtidos. Muito xampu, condicionador, sabonete perfumado. Vai fingir que não escuta o marido chamar, o filho maior batendo à porta, o bebê chorando. Que se virem. Ao menos por vinte minutos num dia... Abre totalmente a torneira, sentindo no peito o jato frio. Arrepia-se. Fecha, e sai pingando pelo banheiro. Enrola os cabelos numa toalha, joga outra atrás do pescoço. Sente o hidratante umedecendo o corpo todo. Está com a barriga flácida, a pele ainda ressentida da gravidez. Ficou imensa... Ouve o choro do pequeno, ao longe. Quase hora de mamar... Podiam pegá-lo, ao menos. A panela de pressão faz um barulho enorme... Será que ninguém sabe que é preciso abaixar o fogo? Passa o largo pente de madeira pelos fios negros, ensopados. O espelho agora reflete uma palidez limpa, e isso a agrada mais. Já tem a expressão mais descansada, ensaia sorrir de prazer. Está fresca. De um frescor que durará apenas alguns minutos, mas tudo bem. Passa um brilho rosado nos lábios, e faz biquinho, flertando consigo mesma. A TV está ligada no volume máximo. Será que são surdos? É o programa de esportes. O telefone toca insistentemente. O marido grita ao filho que atenda. - É pra mãe! - Assim fica impossível se alienar... Está pronta, e passaram-se apenas quinze dos vinte minutos com que se presenteia todo dia. Que fazer dos outros cinco? Não deve desperdiçá-los. Olha em volta, não há livro algum pra ler. Senta sobre a tampa do vaso sanitário, encosta a cabeça no azulejo frio. Fecha os olhos. Conta até sessenta. Mais uma vez. E mais uma. Faltam só dois minutos. Cochila. Acorda, sobressaltada. Batem à porta.
- Tem roupa pro tintureiro?
Ergue-se, assustada.
- Não!
Seus vinte minutos se foram. É o limite. Mais que isso, seria luxo excessivo. Nem tem tempo de abrir a porta, porque o marido já o fez. Tem o hábito de abri-la por fora, com a chave do carro. Tão respeitador... O filho despenca banheiro adentro, desesperado pra fazer xixi. O bebê chora. Ela corre, pra lhe pegar. Se veste rapidamente. Dispensa o tintureiro. Desliga o fogo. Tira o fone do gancho. Senta-se em frente à TV, e coloca o bebê no peito. E tenta ainda se manter um pouco alienada, enquanto o bebê mama e o marido, inconsolável, lhe pergunta - "Por quê?, meu Deus! Por quê tem que demorar tanto no banho?"
Não vai lhe responder...


Beijo!

Analú

terça-feira, 6 de novembro de 2007

XII - Como Recolher Ossos? (Ou: Algumas Formas de Fazer Contato Com Sua Alma)

A princípio, só o fato de ler as histórias e pensar um pouco sobre elas já é recolher ossos. Naturalmente elas vão te reportar a situações que você viveu, às saídas que você achou para os seus problemas, a sentimentos que você nem ao menos compreendeu, a emoções que você sepultou. Lendo as histórias e pensando sobre elas você vai se “reconstruindo”, e tem a chance de relembrar do que te faz sentir-se viva. E de aprender a reagir de forma diferente em situações que te machucam, não se machucando mais ainda. Mais do que isso, tem a chance de identificar quais são essas situações, porque, muitas vezes, varamos nossos dias tão envolvidas em tarefas rotineiras obrigatórias, que “passamos por cima” de nossos próprios sentimentos. Seguimos, como máquinas, “à la zumbi”, como diz Clarissa, atendendo às necessidades de todos e negligenciando as nossas, e nem temos tempo de avaliar, ou de sentir profundamente o que estamos sentindo. Talvez seja por isso que, muitas vezes, repentinamente, uma palavra torta, um olhar enviesado, uma tola malcriadeza de filhos adolescentes tem um efeito bombástico, detonando em nós crises de choro que surpreendem a todos que estejam nos observando. “Afinal, não era motivo pra tanto...”
É claro que mesmo um observador desatento pode perceber, nesses momentos, que você está se rebelando por tudo o que tem passado, não apenas pelo que aconteceu naquele instante.
Lembro-me de uma situação que vivi em que ficou mais do que evidente que minha reação exagerada a uma bobagem momentânea na verdade foi uma explosão de sentimentos represados, que se aproveitou de um pequeno detonador para poder acontecer.
Meus dois filhos estavam numa idade difícil e eu vinha encontrando dificuldade para que me escutassem. Meu relacionamento com meu marido sempre foi complicado. Eu me abandonara, cuidando de tudo e de todos, e tinha pouquíssimos momentos de prazer. Não ficava comigo mesma nunca. Os meninos tinham mania de brincar com uma mini bola de futebol muito leve e macia em minha sala, que não é nada grande. Aquilo me irritava profundamente, mas eles eram surdos aos meus pedidos de que parassem. Certo dia, eu estava atravessando a sala, e, do corredor lateral, que dá acesso à cozinha, a pequena bola veio com toda velocidade e bateu bem no meio da minha testa. Claro que por ser inofensiva, não me machucou, mas me pareceu uma agressão tão grande, por ser a gota que faltava para que o copo transbordasse, que me pus a chorar como se estivesse gravemente ferida. Os meninos ficaram, a princípio, apavorados, mas quando perceberam que nada real havia acontecido, acabaram rindo de mim, sem compreender o exagero da minha reação. Mais tarde contaram ao pai o escândalo que eu havia feito por algo tão tolo!
Uma crise de choro detonada por qualquer motivo sempre traz junto as lembranças de nossas frustrações, de nossos desejos não realizados, de nossos sentimentos de auto-piedade, e de tudo aquilo que engavetamos para prosseguir em nosso dia-a-dia sem maiores abalos ou rupturas.
Durante minha infância e adolescência, enquanto morei na casa de meus pais, lembro-me que minha mãe sempre interpretava minhas crises de choro como um sinal de que “eu não estava normal”, e isso me magoava profundamente, porque eu sentia que estava apenas extravasando sentimentos que não pudera manifestar de outra forma, o que me ajudava a me conhecer. Mas isso sempre era motivo de críticas.
Depois de adulta, descobri que conseguir expressar os sentimentos é altamente saudável, funcionando, inclusive, como um preventivo contra a depressão. Uma tristeza vivida não se transforma em depressão. Cumpre seu ciclo, e se vai. E percebi com tanta clareza o grande serviço que essas crises de choro me prestavam, trazendo à tona sentimentos profundos, que aprendi até mesmo a manipulá-las, usando algum detonador que eu sabia que surtiria efeito. Muitas vezes, querendo me livrar de alguma angústia que a mim mesma não estava clara, fui até uma locadora de vídeos e procurei algum filme que sabia que mexeria com meus sentimentos. Assisti sozinha, à vontade. Era fatal. O filme retratava situações que me reportavam à minha própria vida, alguma cena mais emocionante me trazia lágrimas aos olhos e, quando percebia, já estava fazendo uma verdadeira catarse da minha angústia. Junto com o choro vinha tudo, e eu aproveitava a oportunidade para encarar minhas frustrações de frente e tentar descobrir formas de saná-las. Momentos em que choro são momentos em que posso dizer que converso com minha alma. Ou que recolho ossos, para depois tentar encontrar que música cantarei para reanimar meu esqueleto já montado.
Outra forma de recolher ossos é criar, dedicar-se ao que mais gosta, produzir arte, seja ela qual for. No meu caso, sei que escrever é a chave. Você tem que descobrir o seu próprio caminho. Dedicar-se a algo de todo coração, entregar-se à tarefa de corpo e alma, é um ato de introspecção que, com certeza, te colocará em contato com você mesma.
Mulheres sabem disso intuitivamente. Desde muito pequenas há atividades que despertam nossa curiosidade, nos atraem e nos encantam, sem que fiquemos racionalizando muito a esse respeito. Por um longo período, quando eu ainda era uma criança, um de meus irmãos montou uma fábrica de bolsas e cintos de couro no salão de nossa casa. Eu e minhas irmãs simplesmente enlouquecíamos olhando os materiais, catando sobras e inventando nossos próprios acessórios! A sensação de ter criado com nossas próprias mãos peças que depois até fariam sucesso entre nossas amigas era algo nem de longe comparável a comprar um acessório pronto, em qualquer loja! Muitas mulheres que conheço usam, intuitivamente, o artesanato como uma forma de terapia, mesmo que com isso não ganhem qualquer dinheiro. Estar totalmente absorvida numa atividade de que gostamos muito é uma das formas de “voltar pra casa”, reencontrar-se consigo mesma.
Há pouco tempo vi uma entrevista de Maria Rita, a filha de Elis Regina, no programa do Serginho Groissman, onde ela relatou, com muita simplicidade, que, desde que engravidou de seu filho, há três anos, faz e desfaz um pequeno pedaço de crochê, sem o objetivo de terminar o trabalho, apenas por fazer. Interessante que ao falar sobre isso ela parecia não saber expressar exatamente o porquê da coisa, e talvez ela mesma achasse “esquisita” tal dedicação a algo que nunca se transformaria em nada. Acredito que toda mulher saiba o que é isso. Quem aprendeu, desde cedo, a tricotar ou crochetar, sabe o quanto é prazeroso enquanto estamos totalmente envolvidas com nossas agulhas e linhas, vendo o movimento de nossas mãos fazer aquele pequeno pedaço de arte crescer! Tão prazeroso, que, muitas vezes, pouco importa se o resultado final será bom ou não! Ao assistir essa entrevista lembrei das inúmeras blusas de lã que comecei a tricotar no começo do inverno, para, com a chegada do verão, acabar dando aquele pedaço de blusa para alguém que quisesse terminá-la! E de um pedaço de tricô que fiquei tricotando e desmanchando enquanto ficava ao lado do meu pai, em seu último mês de vida, dentro de um hospital. E da enorme quantidade de caixinhas de madeira que comprei e decorei com o intuito de vender, sem nunca conseguir, o que acabava não me frustrando, porque, no fundo, sabia que estava preservando a saúde da minha psique, fazendo algo de que gostava. E tantas coisas mais...
Aquilo de que você gosta a ponto se envolver e esquecer-se de tudo o mais por algum tempo; aquilo que te faz se interiorizar, ficar totalmente absorvida e que você percebe que te “reabastece” para enfrentar novamente suas atividades rotineiras, merece sua total atenção.
Clarissa diz que “voltar pra casa” é fundamental para sua saúde física e mental. E que deve ser algo disciplinado, cuja freqüência será determinada pelo seu ritmo de vida. Você deve sentir quantas vezes por semana, ou por dia, deve parar para se reabastecer. E esse deve ser um momento respeitado por todos. Você precisa poder pegar suas coisas, ir para o seu canto, dizer “tchau, estou indo”, e as pessoas precisam saber o que isso significa. Que você quer estar consigo mesma e quer que a respeitem. Logo todos notarão que você volta de lá bem melhor, e ficarão felizes com isso.
No próximo post vou falar sobre “O Capote Expiatório”, um relato de Clarissa que me inspirou a sugerir a você uma outra forma de “remontar seu esqueleto”.

Beijão!

Analú

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

XI - Mais um estímulo pra você - Poesia - "Mentira"

Sempre gostei de escrever. Ao longo da minha vida, mesmo nos períodos em que me convencia de que esse sonho já estava "enterrado", ou de que "não valia a pena", porque, com isso, provavelmente não conseguiria ganhar dinheiro (o que é fatal na sociedade em que vivemos), quando sentia que minha alma precisava transbordar, procurava papel e caneta. Tenho absoluta certeza de que minha "Mulher Selvagem" é escritora. Quando li pela primeira vez "Mulheres que correm...", o primeiro passo que dei em direção à minha alma foi buscar, nos meus guardados, tudo o que já havia escrito. Reli tudo. Organizei por datas. Me emocionei. Percebi que em meus textos estava minha biografia. Todas as fases cruciais da minha vida estão registradas neles. O mais incrível é que, conforme ia desvendando as histórias do livro, ia percebendo que havia uma ligação direta entre as situações que Clarissa descreve e as que haviam me angustiado,na minha própria vida, resultando num conto ou poesia. Assim, é natural que, ao falar sobre o trabalho de Clarissa, muitas vezes, suas análises me remetam aos meus próprios textos. Quando eu considerar que um texto de minha autoria será enriquecedor para o nosso workshop, não terei pudor em usá-lo. É o que faço aqui, agora, usando minha poesia "Mentira" como um estímulo a mais pra você. Espero que você goste, e que aproveite a mensagem!

Mentira

Você já desistiu de algo?
Fica um fio, fica um rabo.
Se quis do fundo do coração,
se pediu numa oração,
se sentiu um expandir do peito,
não tem jeito,
não tem jeito.
Se quis, quer e está feito.
Se foi com alma,
se foi sem calma,
se foi bem cedo,
se foi sem medo,
se tinha como,
era real.
Se era bom,
faria bem,
se tinha com,
se tinha quem,
não tem “desisto”,
não tem “give up”.
Se adormeceu,
ou cochilou,
se esqueceu
ou só guardou,
não matou,
não morreu de fato.
Naquela porta que mal fechou,
naquela fresta que sobrou,
olha a pontinha,
olha a pontinha...
É só puxar.
Vai encontrar
todo o novelo,
toda a novela,
todo o vazio.
E na lembrança
do que não fez,
que frio...


Beijo! Analú

terça-feira, 30 de outubro de 2007

X - Você está se boicotando?

Quando comento entre mulheres o fantástico efeito das histórias de “Mulheres Que Correm Com os Lobos”, a reação sempre é de interesse. Sempre há alguma, ou algumas, que se dizem portadoras da “síndrome da falta de alma”, e mesmo que outras não se enquadrem totalmente nos sintomas, sempre há algo no assunto que as impressiona. Se conto, mesmo resumidamente, uma das histórias, logo percebem que com a leitura do livro têm muito a ganhar. Algumas anotam o nome do livro e da escritora, e acredito que tenham a séria intenção de lê-lo.
Mas... da intenção à ação há uma looonga distância. Acabou-se a conversa, cada uma vai pra sua casa, enfrenta seus problemas da forma como sempre tem feito, sente-se “adaptada” à própria realidade, conclui que está “segura” e que um simples livro não será a “chave para a felicidade”.
“Afinal, que grandes mudanças poderiam ocorrer a esta altura da sua vida?” E eu respondo, agora: TODAS AS QUE FOREM NECESSÁRIAS PARA VOCÊ VIVER MAIS PLENAMENTE E SER MAIS FELIZ. E quando digo TODAS não estou me referindo ao seu mundo objetivo, material. Não estou dizendo que você vá abandonar seus relacionamentos, seu trabalho, ou que vá virar seu mundo de cabeça pra baixo. Estou dizendo que as verdadeiras mudanças que vão fazer realmente a diferença na sua vida vão ocorrer dentro de você. Se, a partir daí, mais forte, você concluir que deve mudar algo na sua vida objetiva, com certeza você o fará, e certamente a mudança será para melhor.
Mas... a esta altura, você já se convenceu de que não vai conseguir tempo pra ler um livro complicado, de mais de seiscentas páginas. E eu argumento: acompanhe esse workshop virtual, que com alguns minutos de leitura de cada vez, um pouquinho por dia, e nem precisa ser todos os dias, você vai fazer esse trabalho sem nem perceber. Aliás, vai perceber e muito, nos seus efeitos! A leitura, aqui, está facilitada, porque estou extraindo do livro as questões principais, estou traduzindo a linguagem, às vezes acadêmica, da escritora, para uma linguagem simples, de fácil compreensão. E estou exemplificando com situações rotineiras, com as quais você deve se identificar o tempo todo.
Mas... entrar na internet, acessar o blog, ler dez minutos... Você não tem tempo pra isso? Mas, se o seu filho, ou sua filha, chegar da rua, de um trabalho ou um estudo que é puro investimento em seu próprio crescimento (sim, eles têm direito de crescer e se melhorar!), e disser que está com fome e lhe pedir um misto quente, você vai fazer, não vai? “Você vai deixar seu filho ou filha com fome???” (a voz que fez essa pergunta é a daquela parte da sua psique que te boicota, que não tem interesse no seu crescimento) Você a escuta e ignora o fato de que seu filho já é um adulto e, mesmo que não fosse, teria plena capacidade para fazer algo tão simples como um misto quente, o que, como adicional, ainda lhe daria uma agradável sensação de independência. “Mas, ele chegou da rua agora, coitadinho...” (ela de novo!!!) E você? Chegou de onde? Da lavanderia? Ou da beira do fogão? Ou do ferro de passar? Ou do banco? Ou do mercado?
Vou poupar-lhe aqui de ler uma lista interminável de coisas que, provavelmente, você faz em benefício de outras pessoas, quando elas mesmas poderiam se fazer, porque você já deve saber isso de cor e salteado. Então, a questão não é falta de tempo. A questão é que VOCÊ NÃO É A SUA PRIORIDADE.
Você sabe o que acontece quando você não é a sua prioridade? Provavelmente, todos os que estão à sua volta vão crescer, vão evoluir, vão se tornar independentes (mesmo que você faça a maior força pra que isso não aconteça), e quando você perceber que você ficou estagnada, ou desinteressante, até pra você mesma, você vai se magoar. Aí vai ser culpa da vida, de Deus, do marido, de todo mundo, e não sua... Mulheres magoadas costumam adoecer.
Que tal começar a mudar esse futuro sombrio agora?
Bem, você pode ter em sua mente as inúmeras vezes que pensou exatamente isso e tentou fazer algo diferente, pra se sentir bem consigo mesma, e não deu certo. Cursos começados e não acabados, projetos que não saíram do papel, investimentos que não vingaram, trabalhos que não foram adiante por falta de tempo... Tanta ilusão! E as críticas que lhe faziam por “pular de galho em galho”? Cada tentativa frustrada e cada crítica recebida eram como um pequeno choque elétrico, cuja lembrança, agora, faz com que você se pergunte se vale a pena. Nesse ponto tenho a obrigação de te lembrar que mesmo que você não tente mais nada, sempre vão te criticar, porque isso é normal.
O que você tem que se perguntar é: todas as vezes que tentei fazer algo, onde busquei inspiração? Foi dentro de mim? Ou segui uma onda, um modismo, um conselho? “Algo” daria dinheiro, ou estava na moda, ou seria a profissão do futuro... Porque é só seguindo a sua inspiração que você vai conseguir prosseguir seja lá no que for. Se o seu problema é realização pessoal ou profissional, ou independência financeira, você vai atingir isso quando escutar a sua alma.

Tenho que citar aqui uma frase que Gasparetto sempre diz:
“Com alma você tem tudo. Sem alma você não tem nada”
Acredito piamente nisso. E espero que, daqui em diante, você faça bons contatos com a mulher selvagem que está dentro de você, para que essa intuição comece a fluir sem dificuldades e você consiga escutá-la sempre que for necessário. Você estará escutando a sua alma.
Agora, se você ainda se sente desvitalizada, com preguiça, ou sem ânimo para começar a se dedicar a esse workshop, se você sente que desistiu de lutar por aquilo em que acredita, se você não quer mais “fugir” de uma vida que está te magoando, o que me ocorre é que você está como o cão da experiência científica que vou transcrever agora, exatamente como está no “Mulheres que correm...”:

No início da década de 1960, alguns cientistas realizaram experiências com animais para tentar determinar algo a respeito do "instinto de fuga" nos seres humanos. Numa das experiências, eles fizeram uma instalação elétrica na metade direita de uma grande jaula, de modo que um cão preso nela recebesse um choque cada vez que pisasse no lado direito. O cão aprendeu rapidamente a permanecer no lado esquerdo da jaula. Em seguida, o lado esquerdo da jaula recebeu o mesmo tipo de instalação, que foi desligada no lado direito. O cão logo se reorientou, aprendendo a ficar no lado direito da jaula. Então, todo o piso da gaiola foi preparado para dar choques aleatórios, de tal modo que, onde quer que o cão estivesse parado ou deitado, ele acabaria levando um choque. Ele a princípio aparentou estar confuso e depois entrou em pânico. Finalmente, o cão desistiu e se deitou, aceitando os choques à medida que surgissem, sem tentar fugir deles ou descobrir de onde viriam. No entanto, a experiência não estava encerrada. No próximo passo, a jaula foi aberta. Os cientistas esperavam que o cão saísse dali correndo, mas ele não fugiu. Muito embora pudesse abandonar a jaula quando bem entendesse, ele ficou ali deitado recebendo os choques aleatórios. A partir dessa experiência, os cientistas levantaram a hipótese de que, quando um animal é exposto à violência, ele apresentará a tendência a se adaptar a essa perturbação, de tal forma que, quando a violência pára ou ele tem acesso à liberdade, o instinto saudável de fugir é extremamente reduzido, e em vez de escapar o animal fica paralisado. Em termos da natureza selvagem das mulheres, é essa trivialização da violência, assim como o que os cientistas subseqüentemente denominaram "aprendizado da impotência", que não só influencia as mulheres a ficar com parceiros alcoólatras, patrões exploradores e grupos que se aproveitam delas e as importunam, mas também faz com que elas se sintam incapazes de se erguer para apoiar aquilo em que acreditam profundamente: sua arte, seu amor, seu estilo de vida, sua preferência política.

Pergunto: Você acha que perdeu seu poder de lutar pelos elementos da alma e da vida que mais valoriza?

Quero te dizer que há uma porta aberta, e se você der alguns passos e sair dessa jaula, descobrirá que existe um mundo onde você consegue reagir, se defender, defender o que ama. Onde você vive plenamente, e pode ser feliz. Esse mundo é a sua alma, você só precisa deixá-la se manifestar.

Se eu estivesse presente na experiência com o cão e visse sua impotência, dentro da jaula, claro que eu iria até ele e, se fosse preciso, o carregaria no colo até o lado de fora. E o apoiaria, até que ele percebesse que ali não levaria choques.

É o que estou tentando fazer com você, da forma que sei. Mas não vai dar pra te carregar no colo! Você é uma mulher, cheia de vida e de inteligência. Espero que faça algo por você mesma.

Beijo!

Analú

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

“Provocação” - O Poder Libertador do Dedo do Meio ( ou Aprendendo a Ser Malcriada)

Se você dirige, já deve ter vivido alguma situação assim: você está na direita, devagar, avista uma vaga, dá seta, e começa a encostar. O motorista do carro de trás cola na sua traseira e começa a ficar impaciente porque você não sai da frente. Você está com a luz de ré acesa e a seta ligada, mas ele acha impossível que você esteja querendo estacionar. Não é possível que isso tenha acontecido bem na frente dele!!! Há pouco tempo, numa situação idêntica a essa, enquanto eu tentava fazer o motorista atrás de mim perceber que eu estava estacionando, ele gesticulava loucamente, numa mímica de “toca pra frente”, como se desconhecesse o “fenômeno ré”! Isso tem duas formas de acabar: ou você se cansa daquela pessoa que nunca vai perceber que você tem direito de estacionar, e vai dar uma volta no quarteirão, pra ver se dá sorte de voltar ao mesmo lugar e ainda encontrar a vaga, ou você dá uma de marrudo e começa a dar ré em cima do cara, que desiste de te atrapalhar e, numa manobra estabanada, sai te mostrando o dedo do meio, quando não te xingando aos berros.
Passei anos suportando esse tipo de situação e outras tantas situações absurdas de trânsito sem me manifestar. Claro que, por dentro, ficava nervosa, mas, tendo recebido uma educação tradicional, o máximo que me permitia, por ter uma veia italiana, era dizer, em voz moderada: cáspita! Imagine! Era motivo de zombaria dos meus filhos, que achavam o cúmulo da boa educação essa expressão tão mixuruca de revolta! E o pior é que isso realmente não me aliviava em nada, eu continuava me sentindo lesada.
Mas, outro dia tive uma experiência interessantíssima. Para mim, é claro, que sou inocente e ainda não tinha me tocado disso.
Estava voltando da minha mãe, pela Avenida Salim Farah Maluf, no meio de um trânsito infernal e de um barulho mais infernal ainda, quando, chegando perto da minha casa, num certo trecho em que tenho que ficar à direita, para pegar uma marginalzinha que vai dar na minha rua, um motorista estressado começou a buzinar na minha traseira. Fiquei atenta, e olhei para todos os lados, pra ver o que o cara podia estar querendo me avisar, ou se eu estava atrapalhando a passagem dele, ou sei lá o quê. Pra buzinar insistentemente daquela forma, devia haver algum motivo muito grande. Mas eu não encontrava o motivo, e comecei a ficar abismada. Olhei pra um lado, olhei pro outro, e tinha carro em todos os lugares possíveis. Achei que ele estava querendo passagem, mas não tinha como, porque o trânsito estava quase parado, a avenida cheia e, na minha frente havia dois caminhões enormes, que não iam “sumir” só porque ele estava com pressa. Se eu conseguisse realizar a façanha de lhe dar passagem, o máximo que ele conseguiria, com aquele stress todo, seria entrar na traseira de um dos caminhões. Então, cheguei ao ponto em que entraria à direita, para subir a minha rua. Sinalizei, o trânsito andou um pouco mais rapidamente, os caminhões começaram a se afastar, mas o camarada continuava buzinando! Talvez eu tivesse, em algum momento, feito algo errado, sem perceber, mas acho que não seria motivo pra me queimar em praça pública, ou qualquer coisa assim. Não tive dúvida: coloquei a mão pra fora, ergui meu dedo do meio com todo o orgulho possível, e segui meu caminho, sorrindo. Que gostoso! O estressadinho acelerou como um louco, desviou de mim, se arriscando para me ultrapassar no meio do trânsito carregado, e gritou, com toda a força do seu pulmão:
S U A V A A A A A C A !!! Deu pra ver a expressão de ódio em seu rosto, e acho que ele também viu que eu ria da neurose dele! Nunca curti tanto uma baixaria! Numa situação em que, normalmente, quem ficaria descompensada seria eu, inverti o jogo, deixei o cara ir embora nervoso, e fui pra casa rindo! O nervoso que ele estava me fazendo passar se diluiu e virou risada! Foi libertador! Eu não sabia que funcionava assim! Se soubesse, já teria adquirido o hábito de mostrar o dedo do meio há muito tempo! E o mais engraçado é que essa situação está me fazendo rir até agora, porque cada vez que eu lembro do imenso ódio do cidadão por ter recebido um bem mostrado dedo do meio, acho incrível! Só de pensar em quantos xingamentos e buzinadas descabidas levei quietinha, sem revidar, indo pra casa nervosa! Nunca mais! Pra mulheres muito certinhas que passam muito nervoso no trânsito, recomendo esse remédio: mostrem o dedo do meio e saiam rindo! Contanto que tenham por onde escapar, pra se mandar rapidinho, é lógico! Não vá fazer isso com o trânsito parado, que é bem provável levar uma surra!
Mas, como não poderia deixar de ser, cabe aqui uma reflexão. A gente cresce com os pais nos “domesticando”, pra que nunca façamos malcriadezas, pra que sejamos boazinhas, pra que respeitemos todo mundo, e blá blá blá blá blá. Nem sempre o melhor a fazer é ser boazinha! Tem hora pra tudo! E às vezes é muito mais divertido ser malcriada!
Isso me fez lembrar de uma coisa que o Gasparetto sempre diz: "ou você é boazinha, ou é feliz"! Acho que vale a pena pensar nisso! O que você acha?

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

IX - La Loba

A Ressurreição da Mulher Selvagem – Um estudo sobre “La Loba”, a Mulher-Lobo
Antes de começar a narrativa, vou dar algumas dicas que podem servir como “chaves” para a compreensão das histórias. Provavelmente, com essas informações, sua mente já começará a se abrir para captar o que nelas a reporta à sua mulher selvagem. Porque essa condição – a de estar aberta para receber o conhecimento, de estar receptiva, de sentir-se dentro da história e não como simples observadora é condição essencial para o bom resultado desse trabalho. Vou me dar o direito de contar as minhas próprias histórias e experiências, pra ilustrar mais ainda as situações. Leia as histórias com sua alma, pois elas são as “escavações ‘psíquico-arqueológicas’ nas ruínas do seu mundo subterrâneo”. Elas podem restaurar sua vitalidade perdida. Elas podem te trazer uma vida muito mais plena e feliz.

Clarissa compara a mulher moderna a um “borrão de atividade”, que sofre pressões para ser tudo para todos, e não consegue mais manifestar a velha sabedoria.
Você sofre essas pressões? Você se sente cobrada, você assume responsabilidades que na verdade não são suas, você acumula funções, você passa o dia inteiro trabalhando e no final, sente que não realizou nada? E então, perante algum problema, perante a necessidade de tomar uma atitude, de fazer uma escolha, de aconselhar a si mesma, você simplesmente fica sem ação? E, em nome de quê você enveredou por esse caminho? Comece a se perguntar.

Ao longo da História, os que não compreendem as mulheres agem como verdadeiros predadores da sua alma, perseguindo, acossando, acusando-as de serem trapaceiras e vorazes, excessivamente agressivas e de terem menos valor que eles. Para se proteger de seus predadores, há muito, muito tempo, mulheres passam a vida disfarçadas. Quando você se disfarça por muito tempo, começa a esquecer do que você realmente é.

Vou listar abaixo as características psíquicas que Clarissa considera comuns em lobos e mulheres saudáveis (nossas características selvagens), para que, identificando-as, você comece o trabalho de se desfazer de seus disfarces:

- percepção aguçada;
- espírito brincalhão;
- elevada capacidade para a devoção;
- natureza gregária (gostam de companhia, são sociáveis);
- curiosidade;
- grande resistência e força;
- intuição;
- têm grande preocupação com seus filhos, seu parceiro e sua família;
- têm experiência em adaptar-se a circunstâncias em constante mutação;
- determinação feroz e extrema coragem.

Seria interessante que você se perguntasse, nesse momento, e daqui pra frente, quais dessas características você reconhece em você. O quanto algumas estão fortes e claras, e o quanto outras simplesmente parecem ter desaparecido, tão distantes estão. A partir de que momento algumas se afastaram, e porquê. Claro que você não vai ter todas as respostas imediatamente, mas perguntar-se é um começo. Essa questão vai aflorar em algumas situações e, enquanto lê as histórias você vai perceber, vai questionar, vai “desencavar”, bem lá no fundo do seu ser.

Durante todo o livro Clarissa fala, inúmeras vezes, sobre a “descida”. Todas as vezes que você ler isso, saiba que estamos falando da descida ao mundo subterrâneo feminino, ou do seu aprofundamento em sua alma.

Outra expressão que ela vai usar muito, referindo-se ao seu encontro com sua alma, é a expressão "voltar para casa". Quando você "volta para casa" está em contato direto com sua alma.

A autora diz que há algumas situações que normalmente são “iluminadoras”, fazendo-nos sentir a presença da mulher selvagem, o que provoca em nós uma vontade louca de senti-la mais e mais. Vou transcrevê-las aqui:

- a gravidez;
- a amamentação;
- perante o milagre das mudanças que surgem quando se educa um filho;
- quando vivemos um relacionamento amoroso;
- através da visão de algo que nos desperta os instintos;
- através dos sons mais variados – uma música, o som de um tambor, um assobio, um grito;
- através das palavras – um verso, um poema, uma frase perfeita.

Simplesmente lendo a lista acima fui reportada aos melhores momentos da minha vida. A simples lembrança dos períodos em que amamentei já me traz felicidade. Sempre que reflito a respeito disso chego à conclusão de que essa sensação de plenitude vinha, além da própria maternidade, pelo fato de que me sentia absolutamente necessária para meus filhos, então deixava de me atormentar com questões menores, deixava de querer ser melhor do que eu era e permitia que o amor fluísse, na sua forma mais pura, dedicando-me de todo coração. Eram momentos em que estava em puro estado selvagem. Daí a paz interior. Daí a felicidade.

A música é outra coisa que me coloca em contato direto com minha alma. Seu poder é tão natural e maravilhoso, que sei que posso usá-la como recurso real quando quero sair de um estado de tristeza, ou entrar num estado de romantismo, ou quando quero me sentir mais forte. Desanimada, coloco o CD infantil da Adriana Calcanhoto e instantaneamente, aos primeiros acordes, já saio cantando, pulando e rodopiando, a ponto de provocar riso em quem me vê. Esqueço de tudo, alma pura. Quando estou muito cética escuto John Mayer e sou capaz de sentir o romantismo se apossando de mim, uma docilidade agradável, uma disposição instantânea para a paixão. Se me sinto fraca, apelo pra Cássia Eller e na terceira música já estou forte, cantando tão rebelde quanto ela. Sei que a música é ligação direta para minha alma.

Há uma experiência sonora interessante, que não tem a ver com música, que foi bem viva pra mim. Sou a última de seis irmãos. Quando nasci, minha irmã mais nova já tinha cinco anos. Ao chegar aos oito, eu era a única criança da casa. Para mim, meus irmãos eram todos adultos. Eu sentia um grande distanciamento deles, o que me dava uma certa sensação de solidão. Hoje percebo que naquela época provavelmente eu já começara a me “disfarçar”, para não desagradar demais minha família de adultos. A grande sorte que tive foi que nunca me incomodei muito em desagradar, talvez por já ter uma alma bem presente, o que me deu fama de rebelde.
Durante um bom período da minha infância e adolescência, sempre que as férias chegavam minha melhor amiga me convidava para passá-las em seu apartamento, em Santos. Era uma verdadeira farra! Estava com alguém da minha idade, num lugar agradável, íamos à praia, dormíamos tarde, falávamos muito e comíamos as maravilhosas iguarias que sua cozinheira nos fazia! Verdadeira receita de felicidade! Eram momentos muito bons, nos quais eu não me importava com nada, a não ser em me divertir como bem entendesse, e ser eu mesma.
Vez ou outra, quando estávamos na sala, jogando cartas ou assistindo TV, escutávamos uma voz ao longe gritando: “Olha o pão de cará! Pão de cará fresquinho...” Pulávamos de onde estivéssemos e íamos em busca de dinheiro para comprar o maravilhoso pãozinho! Quando subíamos, a cozinheira de minha amiga, uma negra que me fazia viver o sonho de estar no Sítio do Pica-pau Amarelo com Tia Anastácia, já colocara a mesa, já fizera o café e já fervera o leite. Passávamos a manteiga nos pães e os comíamos, alegres, e o prazer do paladar misturava-se ao prazer de estarmos juntas, de férias e despreocupadas, numa sensação que, na época, talvez eu não imaginasse que seria inesquecível.
A vida nos levou pra rumos diferentes, nunca mais vi minha “melhor amiga”, mas aquela sensação ficou guardada em algum compartimento da minha alma, para que nalgum dia, alguma “chave” o abrisse e a libertasse.
Poucos anos atrás, eu já com mais de quarenta anos, estava numa viagem de férias numa praia do Litoral Norte de São Paulo, com toda a minha família, e me balançava levemente numa rede, num fim de tarde, quando escuto ao longe: “Olha o pão de cará! Pão de cará fresquinho...” Aquilo foi como um retorno à minha infância, e veio com tanta força, que pulei da rede e saí correndo em busca de dinheiro para alcançar o vendedor antes que fosse embora! Coei café, fervi leite, pus a mesa, e comi aquele pãozinho de cará sentindo a mesma alegria em minha alma que sentia nas minhas férias em Santos! O vendedor de pães passava todas as tardes, e todas as tardes, até voltarmos pra São Paulo, eu comprei pães de cará e os comi como se estivesse resgatando um pedaço alegre da minha natureza. E aquela sensação específica de alegria aflorava no momento em que eu ouvia, longe, o chamado do vendedor. Voltei pra casa mais gorda, é claro! Foi a percepção mais forte que tive do poder de nossa memória auditiva, e de como um simples som pode abrir uma porta para a alma. E foi fantástico!

E as palavras... Quantas vezes, lendo um livro, senti que uma forma de dizer, que uma frase certeira, haviam me atingido em cheio, desvendando tudo o que existia dentro de mim... E quantas vezes, sentindo-me longe, sem ao menos saber exatamente o que desejava, peguei um papel e uma caneta e deixei as palavras saírem, à toa, sem planejamento, sem pretensão, sem objetivo, apenas com a certeza de que aquilo me traria de volta. E trazia. Umas poucas palavras, às vezes alguma rima, muito sentimento, e lá estava eu de novo! E que alegria vinha junto! Que sensação de plenitude!

Sei, agora, que quando ouço meus CDs, quando danço e canto, quando côo meu sagrado café da tarde, quando leio, quando escrevo, quando crio, estou correndo atrás da minha mulher selvagem. Através dessas atividades, encontro-me com ela e a vivencio prazerosamente. É muito, muito bom!

Essa inspiração fugaz que se apossa de nós nesses momentos, e que nos faz perceber que ainda estamos vivas é a motivação para que “viremos a mesa”, porque não vamos mais prosseguir sem ela. Essa mulher intuitiva, esse oráculo, essa inspiradora, essa criadora, vai passar a sustentar a nossa vida, que será mais natural, mais vibrante.

Eu gostaria agora que você pensasse a esse respeito, e tentasse encontrar em sua memória suas próprias experiências, suas próprias histórias.

Um alerta: você deve estar preparada para o seguinte: no início da restauração do seu relacionamento com a mulher selvagem ela pode se dissolver em fumaça a qualquer instante. Se lhe damos um nome estamos criando um espaço de pensamento e sentimento para ela dentro de nós. Ela virá, e se a valorizarmos, permanecerá. Espero sinceramente, que você a chame, que a nomeie (pode ser “mulher selvagem” mesmo, ou qualquer outro nome que queira lhe dar, mas que você saiba que é ela), que tenha um pouco de paciência para esperar que ela se manifeste, que a receba bem, e que permita que fique.

Conhecer a mulher selvagem é um processo permanente, que deve durar a vida inteira. As histórias que a autora escolheu para “Mulheres que correm com os lobos” abrirão a porta para esse conhecimento, mas essa não é a única porta. Não devemos nos contentar somente com essas histórias. É por esse motivo que peço a você que enriqueça ainda mais o conteúdo desse blog contando-nos as suas. Pequenas histórias que você ouviu em qualquer fase da sua vida e que vibraram no fundo da sua alma podem nos ajudar muito. Histórias pessoais de enfrentamento de problemas, de superação de dificuldades, de crescimento, de auto-conhecimento, de aproximação com a própria alma, e o que mais lhe vier à mente. Cada uma será um pequeno ossinho do seu esqueleto já tão fragmentado, e você poderá colocá-lo de volta em seu lugar. Se você se libertar de qualquer amarra e as relatar aqui nesse espaço, que foi feito pra isso, será maravilhoso para todas nós!

Agora, finalmente, vamos à história!

La Loba

Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos-de-fadas da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.
Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.
Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o monte Alban, num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-Lobo.
O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia de ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos.
Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montañas e os arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar. Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.
La Loba canta mais e a criatura-lobo começa a respirar.
E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo – algo da alma.


Algumas elucidações que Clarissa nos fornece, para a compreensão da história:

- La Loba indica o que devemos procurar – os ossos, que representam a indestrutível força da vida.

- A ressurreição da Mulher Selvagem se dá quando La Loba canta sobre os ossos que reuniu. “Cantar” significa usar a voz da alma, soprar alma sobre aquilo que está doente ou precisando de restauração.

- Reencontrar-nos com nossa própria alma é um mergulho profundo em nosso amor e em nossos sentimentos, e é um trabalho solitário, realizado no deserto da psique (alma).

- La Loba, a velha, Aquela Que Sabe, está dentro de nós.

- A casa de La Loba é o lugar onde o espírito das mulheres e o dos lobos se encontram, onde a mente e os instintos se misturam, onde a vida profunda da mulher embasa sua vida rotineira, onde as mulheres correm com os lobos.

- Deve-se ter alguma preparação antes de mergulhar nesse espaço psíquico tão rico, para que ele não se transforme numa armadilha de êxtase , de onde não se queira mais voltar, por ser muitíssimo agradável, mas seja como um mergulho numa água revitalizante.

- Toda mulher pode chegar lá. Os caminhos são os mais variados: a meditação profunda, a dança, a arte de escrever, de pintar, de rezar, de cantar, de tamborilar, de imaginar, o caminho das artes, e também através da solidão intencional.

A seguir, vou transcrever mais uma história, “Os Quatro Rabinos”, que ilustra bem o cuidado com que se deve penetrar nesse estado psíquico:


Os Quatro Rabinos

Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.
Em algum ponto da descida do Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. “Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade.” O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor.


Para mim, a história acima sugere que, quando entramos em contato com nossa essência, com o Divino”, e nos sentimos preenchidos com uma sensação de amplitude e grandeza, o melhor a fazer é criar.

Clarissa faz uma comparação entre muitas mulheres que conheceu e o deserto. Ela diz que o deserto tem uma vida ínfima na superfície, mas imensa por baixo, e que a vida de muitas mulheres também é assim. Diz que muitas mulheres que analisou chegavam em seu consultório queixando-se de não se sentir mal, mas também não se sentir bem. E diz que faltava, em suas raízes, esterco. E sugere como cura La Loba. Porque é ela que cuida do que já morreu e do que está morrendo nas mulheres.

Acredito que nossa tarefa seja ir fundo em nossas recordações, buscar o que, em alguma época da nossa vida, nos satisfazia plenamente, o que nos deixava felizes, o que nos preenchia a ponto de parecer que não precisávamos de mais nada na vida, analisar em que momento perdemos isso, deixamos de fazer, deixamos de sentir, abrimos mão por algum motivo banal, por falta de tempo, por sermos tiranizadas pela sociedade, ou por não priorizarmos nosso próprio prazer. Ou sabe-se lá que outros motivos todas possamos ter. Mas nossa obrigação é adubar essas recordações, fazê-las renascerem, pouco-a-pouco deixá-las florescerem, e embelezar o mundo que nos rodeia com elas.
Sempre tive dentro de mim que o ato de criar é divino. Analise se aquilo que você vem criando vem da sua alma. Se você o faz porque quer do fundo do seu coração ou se está apenas cumprindo tarefas automaticamente, mal prestando atenção. Busque dentro de você aquilo que, quando realiza, se sente em paz com a vida. Claro que não podemos imaginar que faremos o que amamos (lembre dos rabinos), mas quando nos damos chance de fazer o que amamos, ficamos melhor em tudo, e até nossas obrigações rotineiras acabam sendo mais prazerosas.
Sugiro que você releia “La Loba” e encontre suas próprias interpretações. Eu, de minha parte, expus, resumidamente, as diretrizes que Clarissa nos dá e tentei chegar à minha própria interpretação. Mas você não deve se contentar com ela. Não me cansarei de dizer que vale a pena ler o livro na íntegra, pois é riquíssimo! Cada frase cala fundo dentro de nós. É só clicar no link, na primeira página do blog, bem abaixo do arquivo do blog. E ler o livro também não significa deixar de participar desse workshop virtual. Ao contrário: você terá mais elementos para pensar, discutir, para lembrar de suas próprias histórias e nos contar. Conto com você!
Pra finalizar, como não poderia deixar de ser, vou transcrever aqui a última frase do capítulo que estamos estudando, exatamente como Clarissa coloca:

“Está querendo ajuda psicanalítica?
Vá recolher ossos.”

Beijão!

Ana Lucia

sábado, 13 de outubro de 2007

Meus mestres


Eu havia prometido que o próximo post seria sobre “La Loba”, mas o Gustavo Gitti, do não2não1 (ele é terrível!) propôs um tema que ficou rodopiando na minha cabeça e acabou tomando a frente. Achei que talvez tenha vindo a calhar, porque tem tudo a ver com crescimento, que é minha proposta aqui. Afinal, se meus mestres me ajudaram tanto, muito provavelmente ajudarão outras pessoas.
Portanto, com sua licença, esse post será sobre “Meus Mestres”.

Resolvi não fazer uma divisão rígida (meu mestre de música, meu mestre de relacionamentos, etc), porque, no final das contas, acabei considerando que todos são mestres de vida, e seus ensinamentos se entrelaçam de tal forma, que acabam se completando nas mais variadas situações.
Como posso exemplificar isso? Meu mestre intelectual pode me ensinar a ser extremamente aberta a tudo, de tal forma que me transforme numa pessoa totalmente eclética em relação à música. Meu mestre espiritual pode me ensinar a ser compassiva, o que melhora extremamente meu relacionamento amoroso, refletindo diretamente na cama. No caminho inverso, meu mestre de cama pode me propor situações que me façam pensar profundamente na vida. Meu mestre musical pode me passar idéias que vão muito além da música, como a alegria, o que reflete diretamente no meu dia-a-dia. E assim vai...
Portanto, vou falar de todos como meus mestres de vida!

Frederico Navas Demétrio
Frederico é psiquiatra, atua no Ambulatório de doenças afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da Universidade de São Paulo e é autor do livro “Entendendo a Síndrome do Pânico” (Ediouro).
Tive a sorte de conhecê-lo num momento em que, após ter vivido uma vida inteira com síndrome do pânico, estava em tratamento com um médico que se dizia “expert” no assunto. Bem, o expert me medicara de forma errada, além de insistir na idéia de que eu não precisava fazer análise. Com o tratamento errado, entrei em depressão profunda. Frederico literalmente salvou a minha vida. Além de me medicar corretamente, me ensinou a pensar, com a análise cognitiva e, nisso, foi um mestre e tanto. Foi com ele que aprendi a duvidar de meus pensamentos negativos. E, como conseqüência, aprendi a questionar tudo. Aprendi a domar minhas “cascatas de pensamento”, e ir fundo na busca das origens de minhas crenças, muitas vezes eliminando da minha vida crenças errôneas, que impediam meu crescimento. Com ele entendi que se olharmos a vida realisticamente veremos que ela se dá em nuances de cinza, não no branco total nem no preto absoluto. E aprendi, com isso, a me manter mais estável, a não sair voando por aí pra não cair em buracos muito profundos. E aprendi a buscar o meu prazer. Num dos momentos que considero mais importantes, mais iluminadores do meu tratamento, ele simplesmente me disse: vá atrás do que lhe dá prazer. Na ocasião, a única coisa que me ocorreu foi deitar-me ao sol. E isso foi um germe de felicidade que penetrou em mim, e se revelou extremamente fértil! Passou a ser uma filosofia de vida. É um ensinamento que passo a todos que queiram aprender: o prazer te mantém vivo e faz com que você realize coisas maravilhosas! A partir dele é que vem o sucesso pessoal e profissional.
Quero deixar aqui meu agradecimento a esse médico maravilhoso: obrigada, Frederico!

Allan Kardec
Na mesma fase em que comecei a análise, também conheci a doutrina espírita. Foi através de estudos sobre os textos de Allan Kardec que tive meu primeiro contato com isso que hoje alardeiam por aí dizendo ser metafísica, ou física quântica, ou o “segredo”, em livros que se tornam best-sellers e movimentam quantias inimagináveis de dinheiro. No Espiritismo conheci os ensinamentos de Cristo e percebi a necessidade de ser caridoso, de emanar o bem para receber o bem, de orar a favor dos que nos perturbam, e tantas coisas mais... (não vou colocar Jesus como meu mestre, porque o considero hor concour)
Lendo “A Gênese”, de Allan Kardec, adquiri o que a Igreja Católica nunca me proporcionara: a fé. Porque percebi a perfeição do Universo, com suas leis imutáveis trabalhando sempre a favor do crescimento do próprio Universo. E percebi que tal perfeição é muito maior do que nós, com nossas pequenas mesquinharias. E passei a crer que Deus, ou o Universo, quer o meu bem, o meu desenvolvimento, e, se eu não atrapalhar, ele sempre conspirará a meu favor.

Dalai Lama
Esse monge tibetano e doutor em filosofia budista me fez compreender o infinito poder da compaixão. Compreendi que a prática da compaixão minimiza tudo o que acreditamos que possa ser ruim. Dalai Lama consegue nos mostrar que em qualquer situação, se tivermos compaixão, perceberemos que nossos inimigos não são tão maus assim, muitas vezes nem são nossos inimigos de fato. Ele me reporta o tempo todo a uma frase de Jesus – “O homem é mais fraco do que mau”. Acredito piamente que, a partir do momento em que conseguimos sentir o quanto as pessoas são fracas, e conseguimos sentir compaixão por elas, o amor que emana de nós modifica sua energia, amenizando qualquer sentimento ruim.
Os textos do Dalai Lama vieram ratificar o que já havia aprendido no espiritismo: que tudo tem dois lados, que não podemos ver as coisas só pela nossa ótica, precisamos nos colocar no lugar do outro, tentar entender o que ele está pensando e sentindo.
Também foi através dele que percebi o quanto todos os seres humanos são iguais, o que me deu uma imensa tranqüilidade para me expôr mais, a mim e a minhas fraquezas, o que, no final das contas, me fez mais forte e diluiu em muito qualquer sensação de solidão. Nesse mundo, passei a me sentir num lugar seguro.
Outro ensinamento desse mestre que passou a fazer parte da minha vida foi o de que simplesmente fazer algo prestando muita atenção já vale como uma meditação. Quando estou envolvida em uma tarefa, procuro estar sempre “inteira”, entregue, e raramente o que faço nesse estado me provoca cansaço.
Finalmente, aprendi com ele que felicidade é uma condição interna, independe do contexto externo. Que se a mente estiver confusa e agitada, bens materiais não podem nos proporcionar felicidade. Que felicidade é paz de espírito, e é possível.
Seu livro “A Arte da Felicidade: Um Manual para a Vida”, é realmente um manual, que vale a pena ler, reler, praticar, e ter sempre por perto, pra relembrar.


Gasparetto
Ele não quer ser rotulado de nada, porque quer ter liberdade total. Já foi espírita, agora não quer estar vinculado a nenhuma religião, porque acredita que a religião cria divisões, mas é espiritualista. Já foi psicólogo, mas cancelou seu registro. Diz que um de seus prazeres é “mudar a toda hora”. Tem vários livros de auto-ajuda, faz palestras e workshops e tem um programa diário na Rede TV, o “Encontro Marcado”, às 19hs.
Há um bom tempo acompanho seu programa e já assisti algumas palestras suas. E considero-o, verdadeiramente, um mestre.
Gasparetto tem me dado “chaves” para me desenvolver nesse mundo real, cheio de imperfeições. É realista, cru, verdadeiro. Com ele aprendi que o mundo me trata como eu me trato. Que não adianta ser “boazinha”, mais vale ser autêntica. Que a raiva enrustida acaba se transformando em doenças, portanto, melhor expressá-la, com naturalidade. Que é preciso “soltar a franga”, expressão que usa para dizer que precisamos deixar nossa alma se manifestar, da forma que é, sem medo do julgamento alheio. Que quando me gosto, os outros também gostam de mim.
Com a ajuda do Gasparetto consegui me desvencilhar de relacionamentos que me prejudicavam, e consegui entender que minha felicidade só depende de mim, e que não posso esperar que todos que estão à minha volta sejam felizes para me sentir com direito à felicidade. Que cada um é responsável por si mesmo. Que agimos em “parceria” com Deus, e não devemos esperar dele uma atitude paternalista.
E foi assistindo os programas do Gasparetto que percebi essa verdadeira síndrome de falta de alma que ataca tantas mulheres, e acabei chegando à Clarissa Pinkola Estés, minha mais recente mestra.

Clarissa Pinkola Estés
Ela é psicóloga junguiana, contadora de histórias e autora de vários livros, entre eles “Mulheres que correm com os lobos”, o motivo da existência desse blog. Nessa obra, a autora faz verdadeiras “escavações psíquico-arqueológicas nas ruínas do mundo subterrâneo feminino”, reaproximando as mulheres de sua essência selvagem e restaurando sua vitalidade esvaída. Quem quiser saber mais sobre a autora e sua obra pode se aprofundar no conteúdo desse blog, cujo objetivo principal é realizar um “worshop virtual” com os textos do “Mulheres que correm...”.

Gustavo Gitti
Filósofo, pedagogo e blogueiro (entre várias outras coisas), foi lendo seu blog que percebi que um blog pode ser um instrumento maravilhoso, quando bem usado. A idéia de divulgar a obra de Clarissa estava borbulhando na minha cabeça, mas eu não sabia exatamente como, e queria algo que tivesse uma dinâmica, que fosse “vivo”. Quando me deparei com o trabalho do Gustavo e percebi que as pessoas comentavam seus textos e que outras pessoas comentavam os comentários, achei perfeito! É realmente, um verdadeiro workshop virtual. Até então eu tinha uma idéia meio primitiva do que seria um blog. Diariamente entro no seu blog, admiro seu trabalho, e penso em como poderia melhorar o meu, que mal começou a engatinhar. Ou seja: Gustavo tem sido uma inspiração constante, portanto, já o considero como um mestre!

Meus filhos
Até ter filhos, considero que fui uma pessoa muito séria, ensimesmada. Os filhos vieram, e veio junto a alegria. Eles me ensinaram a amar a forma mais pura e desinteressada de amor. E me ensinaram a não levar a vida tão à sério, não ser tão cheia de culpas, e curtir mais.
Todos os dias me ensinam a ser mais leve, mais alegre, menos rígida em meus julgamentos. E tudo isso sem nenhuma didática avançada, apenas sendo quem eles são, dois caras maravilhosos! Obrigada, Lucas e Rafael!

A Vida
Quando tudo o mais falha, ela vem e se impõe e o aí aprendizado é pra sempre! Por isso, acima de tudo e de todos, ela é a verdadeira grande mestra! Meu muito obrigada à vida!

Analú

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

VIII - "Mulheres..." - Presentão! - "Mulheres Que Correm Com os Lobos" na íntegra!


Recebi um e-mail do Gustavo Gitti, do nao2nao1.com.br (um site sobre relacionamentos lúcidos) com uma agradabilíssima surpresa, um presente e tanto: o link para o texto do "Mulheres que correm com os lobos", na íntegra! É só clicar:
http://www.scribd.com/doc/29957/CLARISSA-PINKOLA-ESTES-MULHERES-QUE-CORREM-COM-OS-LOBOS - e aproveitar!
Gustavo, o cara mais intelectualizado que já conheci, é esse garotão aqui:


Obrigada, Gustavo!


E essa é a capa do livro:


Beijão, e Boa leitura!

Analú

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

* Provocação - Esses Românticos Almoços de Domingo... (fragmento do meu próximo livro, "Desromance")

Há pouco tempo assisti uma peça teatral, que se chamava “Não sou feliz, mas tenho marido”, com a Zezé Polessa (maravilhosa!). Na verdade, um monólogo, baseado no livro de mesmo nome de Viviana Gómez Thorpe. A escritora, com muito humor e inteligência, fala sobre as inúmeras situações bizarras em que nos envolvemos quando entramos de cabeça num casamento de formato tradicional. Mas, não vou agora comentar o livro, ou a peça, que são ótimos (gostei mais da peça que do livro, porque esse traz um rancor mais carregado, que me incomodou um pouco). Quero fazer alusão a algo que a escritora diz logo no início do livro: que romanticamente apostara tudo na instituição menos romântica do mundo: o casamento.

Hoje quero comentar aqui uma das pegadinhas familiares que vem junto com o “pacote” dessa instituição: o “almoço de domingo”.
Minha mãe, hoje com 79 anos, quando mais nova foi uma dessas heroínas domésticas que nunca se desesperou (ou nunca demonstrou isso) por ter que cozinhar incansavelmente para uma família de nove pessoas. Aos domingos, fazia verdadeiros banquetes, e o almoço era um evento. A impressão que eu tinha era de que a família toda reunida à mesa significava “algo mais” para ela. Talvez ela acreditasse estar promovendo uma especial comunhão entre nós.
Eu não sabia ao certo que comunhão era aquela, porque o que percebia era que, enquanto minha mãe até suava para agradar a todos, meu pai comia calado, quase sempre de cabeça baixa, e meus irmãos estavam sempre de mau-humor, prontos pra dar a maior bronca nas três irmãs, que comiam tensas, devido ao clima não muito alegre. Ao final da refeição, eram as mulheres que iam para a pia, enquanto os homens faziam a sesta.

Casei, nos moldes tradicionais, e, como não podia deixar de ser, segui a tradição. Não exatamente por vontade própria, mas porque meu marido me convenceu, por um bom tempo, que também achava importante esse ritual gastronômico familiar. Mas, como tenho uma tendência a me rebelar quando a coisa não me agrada muito, logo fui percebendo que pra mim, o almoço de domingo só representava muito trabalho.
Meu marido se dava o direito de exigir menus especiais, sempre dizendo que tudo era “muito fácil”. Meus filhos, como acontece sempre entre irmãos, gostavam de coisas diferentes. A mesa era colocada na sala, o que fazia com que, ao final da refeição, eu fizesse uma dúzia de viagens entre a sala e a cozinha para recolher tudo. A louça ficava pra mim. E, se eu pedisse a ajuda do meu marido, ele imediatamente “repassava” isso para os meus filhos, o que acabava em bate-bocas desgastantes. Quando eu olhava pela janela, o sol havia ido embora, e o domingo junto.
Com o passar dos anos, fui tentando me livrar disso. Sempre que conseguia convencer a família, íamos ao restaurante. Mas, minha casa é uma casa de homens. Meu marido e meus dois filhos queixavam-se de ter que sair, num dia em que queriam ficar só “brisando”, pra compensar a semana de trabalho. E eu me perguntava se eles pensavam que durante a semana eu estivera hibernando, ou internada num spa. Porque afinal de contas, durante a semana toda, eles haviam almoçado e jantado almoços e jantares que eu fizera! E eu, ia descansar quando?

De alguns anos pra cá, sair para almoçar no domingo ficou praticamente impossível, porque o jogo de futebol dominical adquiriu importância tão grande que passou a ser a referência para tudo. Se fôssemos ao restaurante, não conseguiríamos voltar a tempo para que eles vissem o jogo do começo. Então – eles concluíam – era melhor que eu cozinhasse.
Aos poucos, o romantismo que eu herdara de minha mãe sumiu de vez e percebi que o que os homens querem mesmo é encher a barriga, de preferência antes que o jogo comece. E passei a ser mais simples, fazendo almoços práticos e comendo na cozinha mesmo.

Me separei, meu marido foi morar em outro andar e às vezes compra algum campeonato que a TV aberta não vai transmitir. Nesses domingos, tenho que ajeitar qualquer coisa para comermos mais cedo, porque os meninos vão pra casa do pai, atrás do futebol, e me deixam sozinha à mesa.
Outro dia, comentando com minha mãe essa situação tão pouco romântica, ela me disse que eu é que acabara com o romantismo!

Domingo passado meu ex-marido, cheio de boas intenções, pediu à mãe que viesse à sua casa fazer uma bela lasanha e convidou, a mim e aos meninos, para almoçar lá. Minha sogra se esmerou e, como não podia deixar de ser, se atrasou! Quando o almoço saiu, o jogo já havia começado. Servimos a comida, sentamos à mesa, e colocamos a TV numa posição em que os homens pudessem apreciar o jogo. O almoço foi a coisa mais romântica que já vi! Na falta de palavras para descrevê-lo melhor, vou fazer uma ilustração:





Eu sei que essa é a minha situação, não quero aqui esculachar com os almoços de domingo de forma generalizada. Mesmo eu, às vezes, quando quero, faço uns ameaços de banquetes bem gostosos, com todo o carinho do mundo. Mas, peço aqui, se alguém discordar do que escrevi, que, por favor, me envie seu comentário, de preferência descrevendo suas motivações, pra que eu e quem pensa como eu, possamos repensar e, quem sabe, ficar um pouco mais românticas...

Obrigada, e um abraço!

Ana Lucia

domingo, 30 de setembro de 2007

VII – "Mulheres..." - Um adendo para a História sem nome – Pequena história sobre Mahatma Gandhi

Essa pequena história que vou contar não está no "Mulheres..." É uma história que conheço e que acho que pode estimular um pouco mais nosso questionamento em relação à ditadura da moda (mundo objetivo) e também às ditaduras comportamentais (mundo subjetivo).

Mahatma Gandhi costumava usar apenas uma tanga a fim de se identificar com as massas simples da Índia. Certa vez chegou assim vestido numa festa dada pelo governador inglês.Os criados não o deixaram entrar. Voltou para casa e enviou um pacote ao governador, por um mensageiro. Continha um terno. O governador ligou para a casa dele e lhe perguntou o significado do embrulho.Gandhi respondeu: - Fui convidado para a sua festa, mas não me permitiram entrar por causa da minha roupa. Se é a roupa que vale, eu lhe enviei o meu terno...

Claro que não quero pregar aqui o relaxo generalizado. É bom ser bonita, mas...
O que é "ser bonita?" Você acredita que alguém sem "conteúdo" possa ser realmente bonito? Você se preocupa o tempo todo em estar "adequada", e se percebe que não está "de acordo" com a situação social, fica arrasada? Em que valores você está se baseando? O que mais essa história lhe sugere? Pense nisso, e, se possível, compartilhe com a gente!

VI – "Mulheres..." - Aprendendo a analisar as histórias do ponto-de-vista do mundo objetivo e subjetivo

Tenho certeza de que você entendeu que esse “conforto” a que me referi no texto anterior não é só o conforto do mundo objetivo (suas roupas, seus sapatos, etc.). É também o seu conforto subjetivo (como você se sente nas diferentes situações que vive diariamente, com você mesma, com sua família, em seu trabalho, no seu lazer, etc.).
Essa percepção será extremamente importante sempre que você pensar nas histórias que vou propôr nesse blog. Porque as situações abordadas nas histórias retratam tanto o mundo objetivo quanto o subjetivo. Explico: no mundo objetivo (material) você está cercada de pessoas que, muitas vezes, têm certo papel na sua vida. Por exemplo: você tem um irmão que critica tudo o que você faz, e que sempre te induz a desistir de seus projetos. No mundo subjetivo (sua psique, ou sua alma) você também tem vários personagens que exercem influências sobre você. Assim, da mesma forma que seu irmão objetivo boicota seus projetos, há, dentro da sua psique, uma parte dela que também os boicota, boicotando você. Pode ter certeza: dentro de você há um sem número de “você mesma” que age das mais diversas formas, te ajudando a crescer ou bloqueando o seu crescimento. Te ajudando a se realizar ou te transformando numa frustração ambulante. Te ajudando a ser feliz ou te transformando numa eterna insatisfeita. E assim por diante...
O seu trabalho, através das histórias, será identificar e conhecer cada vez melhor todas essas mulheres que existem dentro de você. A partir daí, afastar ou minimizar a importância daquelas que te fazem mal e aproximar-se cada vez mais e fazer crescer aquelas que te fazem bem. Parece difícil? Nem tanto. É uma questão de treino.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

V - "Mulheres que Correm com os Lobos" - História sem nome

Vou me dar aqui o direito de não apresentar as histórias na ordem exata que elas estão no livro de Clarissa. Explico porquê: Há uma história, meio perdida no meio do livro, que nem ao menos nome tem, mas que, a meu ver, é a que melhor e de forma mais simples explica a "perda da essência" em função da sociedade. É através desse mecanismo, do "querer agradar", querer "adequar-se", que começamos, em tenra idade, a nos distanciar de nós mesmas, a nos mutilar.

Antes de começar a ler, relaxe. Respire fundo. Solte devagar. Nesse momento, você está perfeitamente à vontade? Você está de sapatos? Que tal fechar os olhos por alguns segundos, e sentir seus pés, seus dedos... O quanto dá pra você movimentar seus dedos dentro do seu sapato? O seu sapato é macio ou duro? É bico fino, salto agulha? Perceba se você está confortável da forma como está agora. Que tal tirar os sapatos? Estique os pés, mexa os dedos, relaxe. Encoste a sola dos pés no chão. Sinta a textura e a temperatura do piso. Foi gostoso? Seria bom se fosse sempre assim? Seus pés ficaram contentes? E a sua roupa? Está confortável? Solte-se. Fique assim, e leia a primeira história:


Um homem foi a um alfaiate, para experimentar um terno. Parado diante do espelho, ele percebeu que o colete estava um pouco irregular na parte inferior.
- Ora – disse o alfaiate – Não se preocupe com isso. Basta você puxar a ponta mais curta para baixo com a mão esquerda, que ninguém jamais vai perceber nada.
Enquanto o cliente fazia exatamente isso, ele notou que a lapela do paletó estava com uma ponta enrolada em vez de estar rente.
- Isso? – Perguntou o alfaiate. – Isso não é nada. É só você virar a cabeça um pouquinho e segurar a lapela no lugar com o queixo.
O freguês obedeceu e, quando o fez, observou que a costura de entrepernas estava meio curta e que o zíper lhe parecia um pouco apertado demais.
- Ora, nem pense nisso. Puxe o zíper para baixo com a mão direita, e tudo vai ficar perfeito. – O freguês concordou e comprou o terno.
No dia seguinte, o homem estreou o terno com todas as alterações de queixo e mãos. Enquanto ia mancando pelo parque, com o queixo segurando a lapela no lugar, uma das mãos puxando o colete, e a outra mão agarrada ao zíper, dois velhos pararam de jogar damas para vê-lo passando com dificuldade.
- Meu Deus! – disse o primeiro velho. – Veja aquele pobre aleijado!
O segundo homem refletiu por um instante antes de sussurrar:
- É, ele é bem aleijado mesmo, mas sabe o que eu queria saber... onde será que ele comprou um terno tão elegante?



O que eu quero que você perceba é o seguinte: da mesma forma que você parou para sentir o quanto seus sapatos e suas roupas estavam confortáveis ou não, você pode se perguntar por que você estava usando algo que não era confortável, assim como o personagem da história. Raciocine sobre isso. Então, você pode usar essa imagem, essa situação, para perceber o quanto você está confortável com tudo na vida. E se perguntar em nome de quê você está passando por esse desconforto.

Essa paradinha que você deu para observar e sentir como é que seus dedos estavam dentro do sapato, esse tempinho, você pode passar a se dar em vários momentos, na sua rotina, para detectar o quanto você está confortável em relação a tudo.

É claro, falar em “estar confortável na sua vida" parece ser tão abrangente, que você pode pensar que isso vá ser muito complicado. Mas não. Eu peço, simplesmente, que você comece a se perguntar. Aos poucos, você vai adquirindo maior consciência do quanto você está confortável ou não em pequenas situações. E tenho certeza de que isso vai levá-la a perceber o quanto você está confortável dentro da sua própria vida.

A partir de agora, na medida em que você for detectando seus confortos ou desconfortos, você pode começar a pensar: como eu poderia melhorar isso? O que é que a minha alma quer de mim nesse momento? Como a minha alma ficaria feliz e confortável agora?

Não é pra chutar o pau da barraca! Vamos com calma, sentindo e tentando, devagar, melhorar essa situação. Ok?

O mais importante é você começar a se relacionar com a sua alma. Se você achar que não está tendo resposta, num primeiro momento, não desista, porque, aos poucos, ela vai surgir, e eu tenho certeza de que você vai gostar. Ela é sua melhor amiga.

Posso acreditar que você vai reviver essa experiência no seu dia-a-dia?

Se você achar interessante, pode anotar as impressões que terá durante essa próxima semana. Faça uma espécie de diário e anote em que situação se sentiu mais ou menos confortável, talvez o que poderia fazer para melhorar isso.

E se você puder comentar essas experiências nesse blog, com certeza, estará enriquecendo esse conteúdo e ajudando muitas outras mulheres!

IV - "Mulheres que Correm com os Lobos" - O que é a "Mulher Selvagem" - desfazendo qualquer mal-entendido

Antes de começar a contar as histórias do livro, quero fazer um último comentário, para que se desfaça qualquer mal-entendido.
Ao me ouvir falar sobre o “arquétipo da Mulher Selvagem”, num primeiro momento, é possível que você se assuste com essa imagem, de "mulher selvagem". Você pode imaginar que essa mulher seja rebelde, ou feminista radical, ou promíscua, ou sei lá o quê, cada um deve imaginar algo. Então eu quero deixar bem claro, pra que ninguém fique pensando em desistir dessa busca, que a Mulher Selvagem é o que existe de melhor em nós e ela só pode nos ajudar e só pode melhorar a nossa vida. Ok? É nossa essência, nossa alma, nossa mulher intuitiva. Pra ilustrar isso, novamente vou transcrever um trecho do livro. São palavras da autora:

"Aproximar-se da natureza instintiva não significa desestruturar-se, mudar tudo da esquerda para a direita, do preto para o branco, passar o oeste para o leste, agir como louca ou descontrolada. Não significa perder as socializações básicas ou tornar-se menos humana. Significa exatamente o oposto. A natureza selvagem possui uma vasta integridade.
Ela implica delimitar territórios, encontrar nossa matilha, ocupar nosso corpo com segurança e orgulho independentemente dos dons e das limitações desse corpo, falar e agir em defesa própria, estar consciente, alerta, recorrer aos poderes da intuição e do pressentimento inatos às mulheres, adequar-se aos próprios ciclos, descobrir aquilo a que pertencemos, despertar com dignidade e manter o máximo de consciência possível. "

E ela diz mais: "a mulher selvagem é totalmente essencial à saúde mental e espiritual da mulher."

Então, vamos abrir a porta dessa jaula? É só continuar a ler, e se propôr a pensar!