Na noite deste sábado, manifestantes israelenses protestaram em Tel Aviv pelo fim do conflito Foto: THOMAS COEX / AFP
Acabei de ler um artigo* de Mauro Santayana respondendo
à pra lá de infeliz afirmação do porta-voz da Chancelaria israelense, Yigal Palmor, de que o Brasil é um
anão diplomático. Antes dele nosso assessor especial da Presidência para
assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, já havia se manifestado.
Apesar de ter achado
ótimas as respostas de Santayana e de Marco Aurélio, fiquei com a sensação de
que responder a essa enorme bobagem é dar voz a um
Estado que não deveria mais ter voz, tal o nível de barbárie que está
promovendo. Barbárie, aliás, só imaginável na época do Holocausto, quando o que
se praticava contra os judeus em campos de concentração não chegava ao
conhecimento de todos. Hoje o mundo assiste em tempo real o que está
acontecendo. E mesmo assim, incrivelmente, está acontecendo. Porque a linguagem
dos interesses comerciais fala mais alto do que tudo. Porque há quem forneça armamentos,
munição e tecnologia para que isso seja possível. Porque a mídia se refere a
uma guerra totalmente desigual como "conflito" e usa todos os
eufemismos possíveis e incabíveis para a situação. Fico absolutamente
estupefata ao escutar frases como "é preciso 'minimizar' as mortes de
civis" vindo daqueles que têm interesse nessa guerra (EUA, falando
claramente). Ou afirmações de que Israel tem que “ser mais moderado" na
resposta ao Hamas. Essa institucionalização do assassinato me causa horror.
Todos os dias estamos vendo fotos e
vídeos do que está acontecendo com os palestinos. São civis, doentes, idosos e crianças
explodidas, morrendo, perdendo pernas, braços e qualquer ilusão de que a vida
valha a pena. E a mídia comenta com a maior naturalidade, raramente enfatizando
o despropósito que é Israel ter quarenta e poucos mortos enquanto os mortos palestinos
já passam de mil. Fico tentando imaginar como é viver em um lugar do qual não
podemos fugir porque nosso algoz nos mantém presos para poder nos exterminar. E
como é estar dentro de nossa casa e receber um “pequeno aviso”, através de uma “bombinha”
de que em três minutos virá uma bomba de verdade, que acabará com a nossa vida.
Nada diferente das câmaras de gás de Hitler.
Quando Bin Laden explodiu as Torres
Gêmeas fiquei profundamente decepcionada, porque, quando mais jovem, jamais
imaginara que entraríamos no terceiro milênio ainda enfrentando esse tipo de
terror. Acreditava, como Hegel, por ingenuidade, é claro, que a humanidade
evoluiria e que aprenderia a negociar diplomaticamente. Que, talvez, por
experiências anteriores, os governantes compreenderiam que o caminho para um
mundo melhor para todos seria a colaboração mútua. Que por algum milagre a
inteligência prevaleceria, e que ser inteligente era atuar para o bem de todos.
Que menina tola, não?
Entendi hoje algo que os mais experientes
me diziam e que eu me negava a entender: a inteligência não é necessariamente
algo positivo. Ela pode atuar para o bem, mas também para o mal. O que, para
mim, constitui desinteligência. A mesma história sobre a qual tão bem escreveram
os filósofos da Escola de Frankfurt: a racionalidade pode, sim, produzir
irracionalidade.
Como se não bastasse o desgosto da
própria guerra, ainda somos obrigados a cruzar, vez ou outra, com quem a
defenda. No começo desse ano, discutindo com um professor sobre Auschwitz,
comentei que, para mim, observando a realidade atual, um novo Holocausto era
sempre uma iminência. Jamais pensei que estaria tão certa, e que essa iminência
estava tão iminente... Tenho medo de gente que defende isso. Tenho medo de uma
facção de brasileiros que critica sistematicamente o nosso governo tendo em
mente apenas seus próprios e miseráveis interesses. Tenho medo dessa gente que
não se importa com os mais humildes, que segrega, que esperneia ao perder
privilégios, que lamenta não ter mais a quem escravizar. Tenho medo dessa gente
sem caráter que adultera fotos e vídeos para criar factoides contra o nosso
governo, sem a menor preocupação moral, apenas porque se sente incomodada com a
promoção da igualdade. Porque é esse tipo de gente que, julgando-se melhor do
que os demais, tem em si a semente desse tipo de mal, como foi o Holocausto e como
é hoje o genocídio dos palestinos.
O mundo poderia abrigar a todos,
fossem todos realmente bem intencionados. Se em vez de guerras tivéssemos cada
vez mais alianças, haveria, sim, e ninguém me convencerá do contrário, espaço
para todos em um mundo sem fome e pacífico. Mas sempre haverá quem, talvez por
uma natureza má, e por má fé, critique as alianças e promova a discórdia.
E eu continuarei, até velhinha, como
a menina “tola” que fui, a afirmar o que sempre afirmei: se a inteligência não
promove o bem e a paz, a inteligência não é inteligência, é burrice. E é isso o
que Israel está fazendo. Fundamentando-se em uma fábula bíblica para, sob o
comando de Netanyahu, com a colaboração dos EUA e a conivência dos que se
calam, praticar uma gigantesca burrice. Eu não concordo em absoluto que o
Brasil seja um anão diplomático, mas tenho certeza de que Israel está sendo um
gigante em burrice.
Ana Lucia Sorrentino
*http://www.viomundo.com.br/politica/santayana-porta-voz-de-israel-mostra-o-grau-de-cegueira-e-de-ignorancia-que-chegou-telaviv.html