quinta-feira, 7 de junho de 2012

De verdade




Ela nunca leu um livro, nem mesmo pela metade. Nunca leu Nietzsche, Schopenhauer, nem Marx.
Todos os dias faz uma passeata solitária entre o terminal e a casa da patroa.
Sob um sol causticante, abre caminho entre olhares e desejos vãos de trabalhadores cansados.
Nem sabe o que é ateísmo. Leva Deus dentro da bolsa, num DVD evangélico.
Alisa camisas e calças, arrasta móveis, respira desinfetantes e nunca deixa de sorrir.
Depois do banho, à noite, encontra o marido roncando, a cama já desmanchada do esgotamento do dia.
Ela nunca leu um livro, nem mesmo pela metade.
Mas, se a convidarmos a palestrar como doutora em tocar o barco, discorrerá lindamente sobre o poder da fé, que lhe permite operar milagres, sem nunca ter capital.
E falará com maestria, de corpo inteiro talvez, o que é, pra uma mulher de verdade, ter vontade de potência. 

                                                                  Analú