sábado, 9 de julho de 2011

Quando Eu Choro














Quando eu choro,
ele finge que não vê.
Mesmo que esbarre em mim,
mesmo que perceba algo,
me evita, olha por tudo em volta,
e simplesmente não vê.
É como se a água em meus olhos
espelhasse sua enorme culpa.
É como se eu fosse o reflexo
de todo mal que ele pode fazer.
Dói demais nele
enxergar em mim a dor que pode causar.
Então, quando eu choro,
ele finge que não vê.
Talvez nunca lhe tenha ocorrido
que eu possa chorar por mil coisas
que não lhe dizem respeito.
Nunca, ao me ver chorando,
imaginou que eu descascasse cebolas
ou que sentisse dó
de alguém tão mais triste que nós.
Ele nunca conseguiu se excluir de mim.
Crê que todos os meus motivos
se resumem nele.
Crê que só sinto,
se através dele.
Crê, enfim,
que meu mundo é ele.
Quase, confesso.
Mas podia perceber, se quisesse,
que às vezes choro por algo muito bonito,
que às vezes choro por uma história alheia a nós,
que às vezes choro de tanto rir,
que às vezes choro de amor...
Ele podia - eu creio - perceber
que às vezes gostaria de ter meu choro
compartilhado,
mimado, acarinhado.
Ele podia se colocar de lado,
se ausentar de mim,
e ver no meu chorar
uma simples explosão de sentimento,
um extravasamento vulgar.
Mas, não...
Quando eu choro,
ele se vê em mim.
Sofre como eu, talvez até mais,
acreditando que se não fosse ele,
eu estaria rindo.
Como o aborrece profundamente
meu choro sentido, meus olhos inchados!
Quando eu choro,
é como se o estivesse agredindo a pauladas,
querendo matar meu único e cruel motivo.
Tão tolo ele é...
Quando eu choro,
ele finge que não vê.
Sente-se acossado, sabe-se lá o quê...
E eu já não choro como antes.
Aquele chorar encharcado,
que traz uma canseira tão gostosa,
um vazio tão calmante,
um sono profundo.
Hoje, eu tento racionalizar.
Eu tento entender.
Eu tento mudar de lugar,
ver as coisas por outra ótica.
Hoje eu tento respirar fundo, relaxar.
Eu tento.
E choro porque me magoa
tentar com tanto afinco esconder o meu chorar,
uma coisa às vezes tão boa...
Eu queria que ele percebesse
com a mesma intensidade
quantas vezes sorrio por sua causa,
quantas vezes acordo só para vê-lo,
quantas vezes cresço para acompanhá-lo.
Eu queria que ele percebesse
que muitas, muitas vezes,
ele é meu bom motivo pra ser alegre.
Eu queria que ele percebesse
quantas vezes meus gestos doces
são agradecimentos.
Parece ser tão difícil...
Eu queria que ele percebesse
que às vezes choro pra ele,
que às vezes meu choro
é o chamado que não consigo fazer com palavras.
E me deitasse em seu colo,
dissesse coisas tolas e leves
e me fizesse saber que está ali.
Eu queria, simplesmente,
que ao pressentir o meu choro,
em lugar de fingir que não vê,
ele me olhasse e dissesse:
- Por quê?

Analú ( Alento, 2007)