domingo, 16 de junho de 2013

Alckmin - tiro no pé


           

 
            “De repente surge um movimento que vem da internet e tem sua dose de irracionalidade e incendeia milhares de jovens.” (Luis Nassif, entrevistando Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, sobre a atual onda de protestos).           

            Dilma estava com a popularidade a mil. Haddad assumiu e em menos de seis meses já deu mostras de enorme competência. De repente, um aumento de tarifa dentro do já previsto, abaixo da inflação, detona uma onda de protestos que se dá de forma desorganizada, constituída tanto por gente que age de forma democrática e racional, quanto por mal intencionados que agem irracionalmente, depredando, bagunçando, provocando tumultos e, pior, que não respondem à abertura que Haddad dá para a conversa, uma vez que nem ao menos uma liderança organizada têm. Gente que se alia a um movimento sem prestar muita atenção a que bandeira estão defendendo ou a exatamente o que estão combatendo. E que acaba se deixando usar por uma direita mal intencionada que, ao abusar do poder que tem, atinge Haddad e Dilma e, enfim, ao governo PT.            

            A ação da polícia nas últimas manifestações foi realmente revoltante, mas temos que nos perguntar o porquê disso. Nada como colocar uma polícia agressiva e repressora nas ruas, calando à força uma juventude que não tem uma cultura de participação política e que tenta um ensaio, para provocar uma revolta geral contra tudo e contra todos. Surgem, de repente, protestos sobre tudo aquilo que está entalado em nossas gargantas. Num contexto em que todos os dias nos envergonhamos por ter que engolir políticos que se mantêm a todo custo no governo, mamando nas tetas do povo, sem ao menos termos a oportunidade de deliberar diretamente sobre isso (vide Renan Calheiros), é natural que a violência policial detone uma verdadeira revolução. O povo quer se fazer ouvir, e deve querer. Mas é preciso se organizar para atuar em causa própria, e não acabar virando joguete na mão de uma direita que não aceita o bom andamento dos dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil. Lula e Dilma são uma pedra no sapato de uma direita conservadora que não engole o fato de um trabalhador ter provocado uma verdadeira revolução no Brasil, ao inserir a classe menos favorecida em um contexto no qual nunca teve espaço. Para aqueles que, como Danuza Leão, sofrem desgraçadamente ao perceber que o porteiro de seu prédio já pode ir a Nova Iorque fazer comprinhas, Lula e Dilma são como uma bala que entalou na garganta e que tem que ser cuspida a todo custo, mesmo que para isso seja necessário usar de golpes baixos.            

            Quem se manifesta precisa estar muito bem organizado e informado para fazer valer seu protesto. Segundo Haddad, manifestantes abordaram motoristas de ônibus exigindo que se aliassem ao movimento, uma vez que não haviam tido aumento de salários. Ao que os motoristas se surpreendiam, pois sabiam que haviam tido, sim, aumento de 22% ao longo dos últimos 3 anos. Os manifestantes também desconsideraram o bilhete único, que, ao ser implantado, fez com que os R$3,20 passassem a representar uma passagem e meia, não apenas uma passagem. Faltou informação, foco e organização.  

            Walter Benjamin, pensador do começo do século XX, em seu texto “Experiência e pobreza”, fala sobre os resultados do inacreditável desenvolvimento tecnológico da época. Diz Benjamin que uma geração que usara bondes puxados por cavalos na primeira fase da vida se viu, na idade adulta, agredida com extrema violência por uma tecnologia que se desenvolvera em ritmo dramático, em função da destruição. A esse desenvolvimento tecnológico que deu ao homem um poder de destruição do próprio homem jamais antes imaginado, Benjamin se referirá como “uma nova forma de miséria”. A experiência das duas guerras mundiais do início do século empobreceu o homem a tal ponto que ele precisou começar novamente do nada. Isso foi resultado do imenso poder da tecnologia. Para Benjamin, a extrema valorização da racionalidade terminou por produzir a irracionalidade. 
 
            De lá para cá, temos convivido com uma tecnologia que se impõe à força através da publicidade de forma tão agressiva, que a maior parte de nós se curva a ela sem muito questionamento. É claro que é fantástico podermos escrever, denunciar, mobilizar. Nunca tivemos tanta chance de gritar e de sermos ouvidos. Mas precisamos ter consciência de que estamos fazendo uso de instrumentos poderosos e de que, se é graças a eles que podemos nos informar, divulgar nossas ideias, formar opiniões e até mesmo organizar movimentos extremamente importantes para que o mundo caminhe para a frente, também é graças a eles que recebemos muita informação confusa, e, se não tomarmos cuidado, podemos encabeçar movimentos fundamentados em informação errônea, nos transformar em massa de manobra e promover o atraso. Isso é racionalidade produzindo irracionalidade.   

            Por fim, quero comentar que, embora seja possível teorizar sobre a forma ideal de se agir politicamente, há na política, como na vida, interessantes reviravoltas que parecem subverter qualquer planejamento e que me dão, às vezes, uma gostosa sensação de que vale a pena esperar pra ver. Um protesto que começou com a revolta por um aumento de R$0,20 nas passagens de ônibus, respondido pelo governo do estado com violência policial – e aqui precisamos lembrar que policiais são trabalhadores como todos nós, que cumprem ordens, mesmo que muitas vezes a contragosto, para continuar tendo o seu ganha-pão (seja isso válido ou não), está se transformando em uma enorme manifestação que pede a saída de Geraldo Alckmin. Tiro no pé. Bem feito. ;)
 

Ana Lucia Sorrentino