sábado, 26 de maio de 2012

Pequeno tratado da Ana Lucia de autopreservação - Uma tentativa de escapar ilesa do mundo da filosofia acadêmica. (Para ler e reler sempre que correr perigo)




1 - Que o prazer de aprender jamais se deixe ofuscar pela obrigação do saber. 

2 - Que o pensar jamais se sobreponha ao sentir.

3 - Que eu nunca esqueça que a vida acontece nos bosques da vida, e não nos labirintos dos pensamentos alheios.

4- Que a filosofia me abra horizontes, ao me apontar infinitas possibilidades, mas jamais me feche os caminhos, impondo-me qualquer uma delas. 

5 - Que a filosofia seja minha servidora, e não eu sua escrava. 

6 - Que, por mais que eu aprenda, jamais me afogue na vaidade oceânica dos que se julgam pensadores, mas continue flutuando com a irreverente leveza dos que se deixam levar pelas marolas das livres ideias.

7 – Que, por mais que eu veja e conheça, eu não perca a capacidade de me admirar, me indignar e me revoltar. E que a postura necessária ao debate filosófico se restrinja a ele e nunca afete minha espontaneidade. 

8 – Que as minhas reflexões sejam sempre repletas de interrogações e que minhas afirmações não sejam surdas às afirmações alheias. 

9 – Que eu jamais seja apenas um recorte de mim e que eu nunca julgue os outros por pequenos recortes deles. 

10 - Que eu nunca me orgulhe demais pelo que sei e nunca me envergonhe demais pelo que não sei. 

11 – Que eu nunca acredite que algo ou alguém é brilhante apenas porque foi aceito como brilhante por uma maioria. 


11.1 - Que eu nunca duvide do brilhantismo de alguém apenas porque esse alguém ainda não foi aceito como brilhante por uma maioria. 

12 – Que eu nunca julgue a minha crença mais digna de respeito do que a crença alheia. 

13 - Que as epígrafes, citações, notas de rodapés e bibliografias não me consumam, roubando o caráter lúdico do filosofar.

14 – Que eu sempre tenha consciência do meu valor, mesmo que ele não seja reconhecido por outros. 

15- Que, embora ame o debate, eu jamais esqueça o quanto é bom um silêncio compartilhado e o quanto os jogos carnais podem, às vezes, ser bem mais interessantes do que as disputas intelectuais.

16 - E que, acima de tudo, eu nunca perca de vista a poeta que sou, por conta da filósofa que ensaio ser. 

17 - Que a minha grande viagem se dê fora do tempo e do espaço, nas estrofes das poesias. Porque, no final das contas, embora ame filosofar, o que eu quero mesmo é poetar... ;)

Obs: este tratado está em permanente construção.

Analú

domingo, 13 de maio de 2012

Fantasia



  
                    Hoje, passeando por aí,
                    linda, linda,
                    toda enfeitada pela tua imaginação,
                    de repente me pus a me perguntar
                    o que já muitas vezes me perguntei: 
                    o que será de mim
                    - se acaso existirei -
                    quando, nalgum dia,
                    deixares de me imaginar. 

                                                                               Analú
 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Carta ao poeta Germano Xavier - Lou Salomé veio me ver




São Paulo, 10 de maio de 2012

Querido Germano:

            Hoje, antes mesmo que eu acordasse, Lou Salomé veio me ver.
            Eu não sei se se apiedou de mim, por conta da difícil semana que tive, mas veio doce e parecia cheia de vida, querendo me dar algum consolo. Estava mesmo com um ar compassivo, como se quisesse me aliviar, mostrando-me que é possível passar por tudo e sobreviver. Sua presença ao meu lado, sentada em minha cama, me dizia isso, veladamente. Trazia os cabelos soltos, e nunca, em nenhuma foto sua seu farto volume me parecera tão belo. A luz própria que eu sempre ouvira dizer que ela tem era ainda mais viva do que nos relatos que eu lera. Estava ofuscante, como se estivesse sob o sol numa pintura impressionista. Linda.  
            Disse ter lido o que postei no blog, e ter se identificado tanto com minha sede de viver, que teve vontade de passar por aqui para me confortar e me dizer que me compreende. E me trouxe algumas palavras, uma pequena poesia, num papel amarelecido. Fiquei tão emocionada, Germano, que guardei o pequeno papel na gaveta da minha mesa-de-cabeceira e agora ele está lá, me esperando, para que eu o leia antes de adormecer. Não tive coragem de ler na presença de Salomé e percebi que ela me entendeu perfeitamente, consentindo, com um sorriso, que eu guardasse seu escrito. Lerei imediatamente antes de fechar os olhos, pra que suas palavras fiquem impressas em minha mente e, quem sabe, ela volte a me aparecer em sonho.
            Quando me percebeu surpresa ao saber que lera o que escrevi, me confessou que já me lê há um bom tempo e que o que a acordou para os meus escritos foi o fato de, por duas vezes, eu ter te enviado aquele lindo poema dela, em que ela nos aconselha a ousar. Percebendo tamanha admiração da minha parte, quis saber quem era essa mulher que tanto a conhecia sem que ela a conhecesse. Curiosa, passeou pelos meus textos, e encontrou neles algo que lhe agrada. Não me disse exatamente o quê, mas me olhou como se já conhecesse minha alma e tivesse por ela grande amizade.
            Disse-me, então, que quis me conhecer de perto, para poder me dizer algumas palavras de estímulo e de coragem. Que sabe das dificuldades que enfrento por não me curvar ao que esperam de mim. Que percebeu que sou um pouco rebelde e muito apaixonada. E que lhe ficou evidente que me movimento muito mais em função de meus estímulos internos do que dos externos, e tudo isso lhe agradou. Notou, em algumas das minhas poesias, questionamentos que sempre se fez em relação ao amor e às regras mesquinhas que a sociedade lhe impõe, apequenando-o infinitamente para que caiba dentro de pequenas saletas sem janelas, onde, talvez, amantes inseguros se sintam mais protegidos do que num mundo tão cheio de paixões. E se riu disso, porque, afinal, são as paixões que colorem a vida, e se os amantes compreendessem que temos uma individualidade e que nem tudo precisa ser revelado, as paixões durariam muito mais.
            Também percebeu o quanto me encantam jovens poetas, e como me relaciono bem com homens, no que se identifica comigo. Também os acha apaixonantes. Rimos, alegres, por percebermos em nós uma compreensão tão grande da outra, que parecia nem ser necessário conversarmos, tudo estava dito. E, nesse instante, percebi que sua casa deve mesmo ser a felicidade e concordei sem ressalva alguma com sua ideia de que a única perfeição é a alegria.
            Germano, ainda com um resto de sorriso nos lábios Salomé voltou a falar de você. Me contou que lhe agradou demais essa nossa amizade, porque percebeu algo de belo no nosso interesse mútuo, que nos faz crescer e produzir. Tenho pra mim que Salomé ama tanto o amor e a criação, que veio para me estimular a prosseguir, porque sabe que preciso ganhar a minha vida e que às vezes fraquejo, porque escrever ainda não me garante a subsistência. Como que me apontando uma saída, me falou dos textos que vez ou outra comercializa para cobrir suas despesas, e me disse viver na simplicidade, mas mostrou-se consciente sobre ser o meu mundo muito diferente do dela.
          Contei-lhe que nos dias de hoje, aqui onde vivo, é preciso se trabalhar muito para se viver com um mínimo de dignidade, mesmo que tenhamos um estilo de vida simples, e que nossos valores morais se sobreponham aos materiais.  Mas não me prolonguei nesse assunto, por achar que Salomé poderia considerá-lo enfadonho, uma vez que é enfadonho de fato.  
            Perguntei-lhe então se também lia seus textos, Germano, e ela me disse que lera apenas uma poesia sua, por estar entre as minhas.  Justamente a poesia que você me dedicou, naquele dia em que eu estava injuriada por ter sido ofendida por um leitor mal-educado. “Não deixe de escrever”.  Obrigada, mais uma vez, Germano. Sua poesia transformou aquele dia que havia começado tão mal num dia feliz. Creio ter sido essa poesia que fez saltar aos olhos de Salomé o quanto de positivo há no nosso relacionamento, poeta.
            Mas, embora tenha lido apenas essa poesia, ela leu a carta que você mandou pro Rilke, porque ele falou sobre você e sobre a carta com tanto carinho e respeito, que a curiosidade a fez pedir-lhe que lhe mostrasse. Leu sua carta ao lado de Rilke, e me disse que os dois se emocionaram. E que a resposta que Rilke lhe deu, na verdade, já pressupunha a sua resposta aos questionamentos que ele lhe fez. Que simplesmente pela beleza de sua carta, Germano, já seria possível, mesmo sem ler qualquer poema seu, concluir que não poderia viver sem escrever. Se Salomé e Rilke se emocionaram juntos ao ler sua carta, quem não se emocionará ao ler suas poesias?
            Por fim, Salomé me passou um recado de Rilke, pedindo-me que o repassasse a você. Na verdade, um pedido. Pediu que continuemos a amar e a criar, porque assim os deuses jamais nos abandonarão. E que não nos percamos buscando grandes propósitos, porque a vida está nas pequenas coisas, como nas grandes. No que é apenas visível e no que é imenso.
            Quero que sinta, daí, a certeza que estou sentindo aqui. E que, como eu, prossiga, sem vacilações, e contando comigo.
            Hoje, meu amigo, não há cético convicto ou sofista talentoso que, mesmo com irretocável retórica, me convença de que o afeto que nutrimos um pelo outro, por se dar nesse mundo virtual, seja irreal. Aliás, você sabe que jamais considerei o virtual irreal. Se não pudéssemos amar quem não podemos tocar eu não poderia amar Proust nem você Drummond. No entanto, bem sabemos o quanto podemos ser intimamente tocados, mesmo sem sermos tocados fisicamente. E o quanto, muitas vezes, quem nos toca fisicamente não chega sequer a resvalar em nossa alma.     
            Essa visita de Salomé me caiu como uma bênção, um endosso a tudo o que tenho feito e um estímulo para prosseguir, confiante. Se Salomé me compreende como nenhuma irmã ou amiga jamais me compreendeu, não preciso mais de compreensão alguma. Que esses mortos-vivos que se arrastam por aí fiquem no mundo dos mortos, por que estou irreversivelmente amasiada com a vida.
            Germano, desculpe-me pela extensão da carta. Mas a presença de Salomé me colocou em tal estado de alegria que mal posso me conter e qualquer mínimo detalhe desse encontro e do que provocou em mim me parece importante demais para ser omitido.
            Vou agora em busca da poesia que Salomé me deixou. E embora saiba ser grande a possibilidade de nada encontrar na pequena gaveta de minha mesa-de-cabeceira, isso é absolutamente irrelevante, porque sua passagem por aqui já me impregnou toda. Estou poesia pura.

Um abraço apertado,

Analú

Links relacionados: 
Para saber um pouco sobre Lou Salomé: http://eternamentelou.blogspot.com.br/

sábado, 5 de maio de 2012

Pequeno diário de uma semana intensa, perambulando entre a morte e a vida – estou viva.


                    
            Sábado. Como nada é garantia de nada, uma estrada tranquila não foi garantia de uma viagem tranquila. Durante mais de seis horas estados internos desfavoráveis se sobrepuseram a condições externas favoráveis e me fizeram imaginar que eu poderia morrer liquidificada entre uma enxaqueca feroz e uma cruel crise de enjoo. E me renderam um domingo submerso em gatorade e solidão. Nada de que me arrependesse, uma vez que a intenção era nobre: estar presente no casamento de alguém muito querido. Celebrar o amor.
            Segunda. Missão cumprida. De tanto que me cuidei fiquei zerada. Fui pra festa feliz da vida. Nunca assisti a casamento tão lindo. O pé dentro da igreja já é garantia de choro sentido. O coral, um escândalo. Eu queria mesmo saber o que é que faz mulheres chorarem tanto em casamentos. Talvez seja a beleza da crença na ilusão, mesmo sabendo-a ilusão. Não sei... Depois do beijo, Beatles colocando a igreja abaixo. Todo mundo cantando “All we need is love” e em mim a convicção de que, se é possível se duvidar de tudo, do poder do amor não duvido.
            Festa! Muita comida, muita bebida, muita gente bonita, muita emoção. Na pista, os jovens se entregavam à dança com despudor total. Me perguntei que diabos fizera com a minha vida compartilhando-a com um homem que nunca me tirara para dançar. Pra todo o resto eu poderia arrumar alguma desculpa, esfarrapada ou bem vestida, mas pra isso não. Como eu pudera não perceber o quanto podia ser lesivo ficar sem dançar por toda uma eternidade de 24 anos? Fiquei mastigando essa pergunta, junto com um pedacinho de bem-casado e com o cafezinho da saída, um pouco amargo.
            Terça. A opção por voltar de avião só encurtou o sofrimento, porque o céu carregado não ajudou em nada... Cheguei a Sampa meio que desmilinguida, mas pronta pra outra.
            Quarta. Eu só não sabia que essa outra viria tão rapidamente, e em sentido tão oposto. Depois da aula, ao ligar o celular, recebo uma mensagem de texto me avisando do velório de uma amiga querida. Saí da faculdade e fui ao encontro dela, mas ela já não estava lá. Só um caixão com um corpo sem vida.
            Percebi então que morrer não é como a quase-morte do enjoo que precede o vômito. Morrer é morrer. É sair de cena de vez. Olhando minha amiga, que já não estava lá, não vi vida alguma ali. Nem um fiapo. A não ser na dor dos que choravam à sua volta. Me vieram à mente as palavras de Epicuro, em sua carta a Meneceu, e tive que concordar com ele. A morte não é problema nosso, porque quando estamos ela não está e quando ela está já não estamos.  A morte é problema dos que ficam, porque eles é que terão que reorganizar suas vidas e superar a dor da saudade.
            Olhei em volta e, vendo o cansaço dos familiares, pensei na tirania da doença e no tanto de vida que essa triste exibicionista consome de todos os que se veem obrigados a conviver com ela. A morte, parece-me, pode ser uma grande amiga. Que imensa sorte é o imenso azar da morte pros que ficam e retomam suas vidas...
            Bateu-me então um enorme desarrependimento por todas as loucuras que fiz, fora de época, lixando-me pras regras e sem qualquer medo de vergonha ou vexame. Soubesse eu, mais jovem, o quanto perdemos de tempo acreditando em bobagens, mais jovem teria me desprendido delas.  
            Quinta. Acordei e chorei. Estudei e chorei. Fui pra prova com pepsamar na bolsa. Fiz o melhor que pude. Tive que escrever sobre Leibniz, e seu Deus criador do melhor dos mundos possíveis. Uma apelação mesmo... Pra mim, pura literatura. Aliás, se fosse literatura, poderia ser bem bonito...  

            Sexta. Ainda toda meio desconjuntada dou graças aos céus por já estar podendo comer melhor. Afinal, mais um casamento, mais uma festa, mais uma celebração de amor.  Me arrumo às pressas, sem me preocupar muito em estar maravilhosa, porque há tempos já deixei de lado a ilusão de ser a mais bonita da festa. Com simplicidade, faço boa figura. Vantagens que a idade traz.  O mais bonito desse casamento, sabe o que foi? Que o noivo abriu mão de casar com separação parcial de bens, o que é meio que uma regra hoje em dia. Nesse mundo tão selvagemente capitalista, tive a honra de assistir a um casamento em que o noivo simplesmente optou por casar com comunhão universal de bens, por estar casando com um amor de adolescência e acreditar que, realmente, estão juntos nessa vida. O cafezinho da saída teve até um gosto mais doce...
            Sábado. Obrigações. Compras. Sol. Música. Venho pela rua cantando “Encontro” junto com Gadú.

Olha só
Como a noite cresce em glória
E a distância traz
Nosso amanhecer
Deixa estar que o que for pra ser vigora
Eu sou tão feliz
Vamos dividir
Os sonhos
Que podem transformar o rumo da história
Vem logo
Que o tempo voa como eu
Quando penso em você...  

            Aumento o som, e venho sorrindo e chorando, toda misturada. Pelo tanto que me sinto viva e pelo tanto que morro sempre que não vivo o que desejo viver.  E me vem uma urgência, uma urgência infinda, uma sede enorme e um enorme pesar pelo sempre tão presente desacontecer.  
            Queria que não me escapasse tanta coisa por esses humanos dedos, tão finos e frágeis... 
            
Analú