terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eu tenho muitamuitamuita vergonha disso tudo. :(

Eu não tenho por hábito escrever sobre política. A vivo em todos os minutos da minha vida, pois tenho consciência do quanto somos, realmente, governados pelos governos. Não se faz nada com liberdade total, e cada passo que damos, tem sempre, por trás dele, um monitoramento. Vivemos sob as consequências da má gestão governamental, em todos os sentidos. São leis mal feitas e mal aplicadas, tributos cobrados e mal administrados, descaso com a natureza e com nossa qualidade de vida. Descaso com nossa saúde e com nossa educação. Pouco caso, desmazelo, desrespeito. Dormimos e acordamos, nos alimentamos e trabalhamos, tentamos nos divertir e ter acesso a um pouco de cultura, tentamos ter uma vida amorosa, tudo isso de acordo com o que nossos governos nos permitem.
Por mais que estejamos momentaneamente bem, não há como estar totalmente bem quando o todo é extremamente problemático. Ou seja: não tem como. Mesmo que não queiramos, somos afetados.
Mas, não costumo falar sobre isso, talvez justamente por ceticismo, e não creio que seja possível defender um ou outro político, porque, ao longo da vida, fui percebendo que mal conseguimos pôr a mão no fogo por nós mesmos, que dirá por outros, e envolvidos em ambiente tão contaminado...
Vejo que as coisas não mudam. Vejo que os mesmos permanecem por infinitos mandatos, em cargos diversos, provavelmente pra que o descaramento não pareça tão descarado. Vejo que as tetas devem ser muito gordas, porque, por menos que alguns façam, o que menos lhes passa pela cabeça é abrir mão da mamata. Vejo que pelos ralos da corrupção escoa nosso suado dinheiro, e que trabalhamos muito mais do que deveríamos pra ter uma vida minimamente decente. E que, quando precisamos apelar para os serviços públicos, melhor rezar, porque a competência passa longe dali.
A péssima qualidade da nossa educação vem criando gerações incapazes de atuar positivamente no meio em que vivem. Incapazes de se revoltar seriamente contra as injustiças. Incapazes de brigar por seus direitos. A ignorância e impotência alimenta o sistema, e onde vamos parar?
Daqui a alguns dias seremos obrigados a votar. Sim, isso é uma democracia, mas somos obrigados a votar. Claro, porque quem, em sã consciência, se mobilizaria voluntariamente para apoiar alguém desse maravilhoso elenco que nos tem sido apresentado todos dias?
Eu não gosto de generalizar, mas nesse balaio de gatos fica muito complicado detectar se há algo que valha a pena.
E quero deixar aqui a minha indignação por sermos submetidos a essa enooorme vergonha.
O horário político me vexa profundamente. Há os que se apresentam como portadores de caráter ilibado, quando sabemos, há muito, que não o são. Há os que se gabam por terem ficha limpa, como se isso fosse virtude e não obrigação. Há os que já prometeram, tiveram inúmeras oportunidades, não cumpriram e continuam prometendo.
Mas, esse ano, há mais alguns que me fizeram sentir muuuita vergonha do que estamos vivendo. Não é possível que um povo tenha que aceitar o fato de que não é preciso se ter feito nada de bom nessa vida pra se merecer ser candidato a qualquer coisa. Não é possível que só o dinheiro determine quem possa estar lá, pleiteando um mandato. Não é possível que aja pessoas que pensem em votar em candidatos que nem ao menos alfabetizados são. E não é possível que eu tenha que ligar a TV e me deparar com gente pedindo voto e se dizendo abestada. Com gente que mal saiba falar e expor suas idéias. Com mulheres que se vestem como prostitutas, invadindo nossas casas e tripudiando sobre nossa inteligência. Com gente que se diz contra a pedofilia, mas demonstra, pela postura, algum tipo de psicopatia.
O que é isso??????????????????????????????
Tenho recebido longos e-mails de gente gabaritada extremamente revoltada com tudo. As pessoas repassam esses e-mails, numa tentativa de espalhar as informações e a indignação. Mas, infelizmente, percebo que longos textos de profundos conhecedores não atingem o povo, que não acessa a Internet, que não tem tempo para ler, e que, ao se defrontar com um texto mais intelectualizado, simplesmente desiste de entender.
Tenho visto alguns adolescentes defendendo a idéia da anulação do voto, numa tentativa de impugnação das eleições e renovação geral. Sinceramente, não acredito que isso fosse algo passível de se realizar.
Mas também, sinceramente, estou pensando seriamente em fazer isso.
E espero que esse meu texto, simples e indignado, atinja ao menos alguma meia dúzia de leitores, pra que eu não me sinta totalmente inútil nesse cenário tão vergonhoso.

Obrigada a quem teve a paciência de ler esse desabafo.

Analú

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Romance - Traições - parte XVIII

Caio apenas cochilava, quando se foram, e Raul achou que o menino poderia andar. Natália deixava o garoto se recostar nela, quase dormindo em pé. Raul abriu a porta do carro e ergueu o encosto. Natália ajudou Caio a se ajeitar no banco traseiro, enquanto Raul chamava o porteiro. O menino queria dormir a todo custo, e não ajudava em nada. Natália ajeitou seus pés, depois sua cabeça, e levou o encosto do banco de volta ao lugar. Então deu de cara com um verdadeiro emaranhado de cabelos loiros. A porta do carro estava aberta e a luz interna, ainda acesa, lhe permitiu ver com total clareza que eram cabelos loiros e longos. Antes de Raul voltar ao carro, conseguiu, atrapalhadamente, pegar os fios e, embolando-os, colocá-los no bolso da calça. Não sabia exatamente o que estava fazendo, nem pra quê. Numa fração de segundo considerou várias possibilidades. Sentiu-se mal por não conseguir ser mais direta e simplesmente perguntar a Raul de quem eram aqueles cabelos. Mas não conseguia raciocinar direito. Não conseguia falar. Não conseguia nem ao menos olhar pra ele, que acabava de entrar no carro. Não sentia nada. Queria chegar em casa e poder ver com clareza aqueles fios. Queria estar certa do que estava vendo. Talvez, então, se sentisse segura para perguntar qualquer coisa para Raul. Mas não queria ser ridícula, demonstrando qualquer desconfiança. Ficou calada. Quase não respirava. Raul também estava quieto. Sabia que a aborrecera, fazendo pouco caso do seu trabalho na frente dos outros. E não estava querendo brigar. Não se trocaram uma só palavra até chegarem em casa. Natália pediu a Raul que carregasse o garoto. Já adormecera. Raul não quis desagradá-la mais uma vez. Entraram, e ele colocou o garoto sobre a cama. Natália teve ímpetos de correr ao banheiro, para verificar o que tinha no bolso, mas se controlou. Não queria demonstrar que havia qualquer coisa errada. Tirou as roupas de Caio, vestiu-lhe um pijama, cobriu-o e deu-lhe um beijo no rosto. Ficou quieta, olhando para o menino. Não queria sair dali. Não queria verificar nada. Arrependera-se por ter guardado os fios. Queria ficar ali, quieta, ao lado do filho.

- Ei! - Raul a despertou - Não vem pra cama?

- Já vou.

Ela se levantou morosamente e se fechou no banheiro. Passou a mão pelo rosto, fechando os olhos. Respirou fundo, tentando pensar melhor. Ficou quieta por alguns instantes, sentindo uma mórbida expectativa. Enfiou os dedos no bolso apertado da calça jeans e procurou os fios. Achou-os com facilidade. Puxou-os, sentindo um certo nojo. Se encostou na pia, aproveitando a luz sobre o espelho, que iluminava melhor. Então puxou um fio. E o fio foi se desenrolando, ficando cada vez mais longo e parecia cada vez mais loiro. Brilhava, muito claro. Sentiu aflição. Puxou um pedaço de papel higiênico, embrulhou muito bem os fios e jogou o embrulho no lixo. Abriu a torneira e começou a lavar as mãos. Lavou, lavou, lavou até se cansar. Então arrancou as roupas e se enfiou novamente no banho. Não queria sair do banheiro. Não queria perguntar nada a Raul, correndo o risco de ouvir qualquer mentira. Desejou que ele adormecesse, pra que pudesse pensar com mais calma. Estava assustada com a própria reação. Jamais duvidara de Raul. Infidelidade, traição, eram palavras que não existiam em seu vocabulário. Sempre fora tão segura de si... Saiu do chuveiro, deu de cara com a própria imagem, no espelho, e se perguntou: - Por quê? Então sentou e sentiu uma agonia enorme. Por quê? - Insistia, pra si mesma. Era uma mulher comum demais... Por anos seguidos priorizara o bem-estar do marido, a educação do filho... Estivera tão preocupada com as dificuldades financeiras, com os problemas caseiros, que esquecera por completo de si mesma... Aprendera, cada vez mais, a ser uma boa dona-de-casa... Mas quem dava valor pra isso?

- Não. - Tentava se manter fria. -Alguns fios de cabelo loiro no carro de Raul não eram prova concreta de nada. Seria mais normal lhe perguntar quem entrara no carro, se dera carona a alguém... Mas Raul jamais dera carona a ninguém. E sempre lhe alertava para que também não desse... Então percebeu que estavam distantes demais. Porque se sentia completamente sem coragem para expressar qualquer sentimento. Teve um medo horrível de que ele lhe dissesse qualquer tolice, ou de que disfarçasse... Ficou um tempo imaginando de que outras formas aqueles cabelos podiam ter chegado lá. Estava sendo idiota. Não havia outras formas. Com certeza uma loura estivera sentada ao lado dele. E se tivesse emprestado o carro a algum amigo? Não. Isso era totalmente improvável. Jamais emprestara o carro a ninguém...

Estava fraca, vulnerável demais. Devia sair dali e sondar Raul. Perguntar-lhe o que fizera durante o dia, onde estivera... Devia dar chance a ele de lhe contar se estivera com alguém, em que circunstância...

Quando deitou ao lado dele, ele já dormia. Ficou olhando seu rosto imóvel. Tinha uma expressão totalmente inocente. Sentiu um certo pavor, pensando na possibilidade de estar enganada. Tinha tanta confiança nele que jamais pensara em nada parecido com aquilo. Ele era seu marido, seu companheiro, o pai de seu filho... Era o homem com quem compartilhava tudo... Era o homem que sabia de seus sentimentos mais íntimos... Se estavam distantes, nos últimos tempos, era devido àquela situação miserável... Era a falta de dinheiro, as dificuldades, o desemprego... Tinham tantos problemas práticos que há muito não falavam dos próprios sentimentos. Ela deixara de questionar o amor dele, deixara de ter dúvidas tolas em relação às coisas do coração... Tentaram unir suas forças pra superar a crise, pra aguentarem viver com tantas dificuldades... Mas ela se sentia tão carente e precisava tanto de outras coisas... Sentia tanta falta da paixão... Sentia tanta falta de namorar, de se sentir amada... Mas o culpava por isso tudo. Será que ele também se sentia assim? Mas, então, por que não a procurava mais, por que não se abria? Não... Não era possível. Seria ingratidão demais, se ele a estivesse traindo. Ou se estivesse pensando em fazer isso... Estavam com problemas há tanto tempo e ela jamais deixara de estar ao lado dele... Mas então percebeu que a recíproca não era verdadeira. Não sentia que ele estivesse sempre ao seu lado... Agora estava ali, dormindo como um anjo... Não sabia o que era uma insônia. Parecia estar sempre cansado, talvez saciado... Pensou em quantas vezes perdia o sono por desejá-lo. E ele dormia. Parecia não ter desejo algum. Sentiu uma vertigem. Fechou os olhos, colocou as mãos sobre o rosto. Estava enjoada. Tinha um peso no estômago. Seu mundo podia estar ruindo sem que ela estivesse percebendo. Não teria mais paz. Sabia que estaria sempre procurando pistas, evidências... Se transformaria nessas mulheres neuróticas que viviam à cata de perfumes, cabelos, marcas de batom... Não! - ordenou mentalmente a si mesma. Não podia cair nessa. Tinha que ser clara com ele. Tinha que lhe perguntar à queima-roupa. Mas... E se não fosse nada disso? Ia ofendê-lo. Poderia criar um péssimo clima entre eles. Estaria demonstrando uma fraqueza que não devia existir. Ele não a levaria a sério. A chamaria de tola. Diria, mais uma vez, que enquanto se preocupava com um emprego e com coisas vitais, lá estava ela com futilidades. Ele considerava "futilidades" seus desejos, suas angústias, suas dúvidas.

Teve dó de si mesma. De seu corpo prostrado, impotente. De sua covardia. De sua ansiedade. De sua fraqueza. Sentia-se fraca, fraca, minada. Ao seu lado estava o homem a quem dedicava todos os seus pensamentos, todas as suas ações, todo o seu tempo. Jamais estivera tão claro em sua mente o quanto se doava, o quanto vivia em função dos outros. Jamais estivera tão claro que tudo, absolutamente tudo o que fazia, era esperando alguma reação dele. Mas também jamais estivera tão claro que ele era um homem. Antes de ser seu marido, antes de ser o pai de Caio, era um homem. E talvez não fosse tão especial como ela sempre desejara que fosse... Talvez fosse um homem comum... Estava na rua, no mundo, se expunha muito mais do que ela... Era possível se apaixonar por alguém. Por que não? Algumas cenas de sua vida lhe passavam pela memória como uma retrospectiva. Como um resumo. Cenas que não compreendera, atitudes que não conseguira justificar... Suas ausências, seus atrasos, seu desinteresse. A falta de paciência com o filho. O nervosismo. A falta de diálogo.

Lembrou-se da semana anterior, quando haviam transado. Fora tudo tão rápido, tão desesperado... E estava sendo sempre assim. Sempre julgava que o desespero se devia à abstinência, porque quase não ficavam juntos. Agora via a coisa por outra ótica. Talvez, pra ele, aquilo fosse uma obrigação que tinha que cumprir de vez em quando. Talvez aquilo que considerava desespero não fosse desespero, mas desafeto...

Quis morrer. A idéia de que ele pudesse fazer amor com ela por pura obrigação, de que ele pudesse nem gostar muito daquilo, lhe doeu como um soco no peito. Se sentiu sufocar. Sentou-se, tentou respirar melhor. Olhou novamente pra ele. Não se mexera. Estava ali, quieto, sem poder imaginar tudo o que a apavorava naquele momento. Confiava nele como se confia numa mãe, num irmão. Será que teria que se considerar uma idiota por ter sido tão crente? Pensou em acordá-lo. Mas ele não conseguiria. Tinha o sono muito pesado. Não acordaria direito, não a levaria a sério... Foi até a cozinha, tomou um copo de água com açúcar. Talvez a ajudasse a dormir. Só precisava dormir bem para ficar com as idéias mais claras. Estava cansada demais. Era como se estivesse vendo tudo através de uma lente de aumento. As coisas estavam se agigantando, e a dominavam... Voltou pra cama, deitou, sem se deixar encostar nele, e procurou dormir. Pediu a Deus que lhe permitisse acordar melhor, no dia seguinte. Fechou os olhos e deixou aquela tristeza toda invadi-la. Dormiu em minutos, enrolada como um caracol.

(Trecho do romance Traições, de Ana Lucia Sorrentino, à venda através do e-mail analugare@yahoo.com.br)

sábado, 11 de setembro de 2010

Confusões Tecnológicas




              A carência vinha batendo tão forte, que qualquer ambiente parecia promissor. Uma amiga havia recebido uma cantada avassaladora na fila do açougue. Por que não? Estar sempre preparada passou a fazer parte de uma estratégia de otimização do aproveitamento de oportunidades. Nunca mais saiu de rasteirinha, cara lavada, cabelo desgrenhado. Chapinha, rímel e salto alto tornaram-se itens imprescindíveis na composição do visual dia a dia. Assim, sempre: montada.
       A internet já provocara um certo desencantamento... O perambular constante pelas várias redes de relacionamento esvaziara a ilusão de que podia haver gente interessante e bem intencionada no espaço virtual. Mais fácil ir pra Marte... :(
        Mas... ainda restara Maurício. A simples lembrança da possível existência de um exemplar masculino singular cheio de qualidades, já a fez esboçar um sorriso no rosto pensativo. Puta cara legal... Interessado, constante, solícito... E de perfil diferenciado. Palestrante, frequentador de Budismo e Yoga, apreciador de bons vinhos. Até de gastronomia entendia. Se a imagem que vendia correspondesse razoavelmente à realidade, esse homem realmente devia valer a pena... 
            Excetuando o fato de que seu Face parecia uma vitrine um pouco elaborada demais, nada mais nele lhe provocava desconfiança. Nunca encontrava nada que chocasse em seu mural. Uma xavequeira ou outra fazendo alguma gracinha na óbvia intenção de tornar público algo que, talvez, em algum momento, tivesse rolado, ou não, era a coisa mais normal do mundo. Ter os recados abertos a quem quisesse ver parecia sinal de transparência... 
           Quem sabe, qualquer hora criaria coragem pra lhe mandar um torpedo? Torpedos quebravam um galhão...  numa ligação normal, uma certa insegurança na voz podia delatar fragilidade, e resultar em fracasso. Um torpedinho inocente e, se tudo desse certo, ele responderia positivamente. Se não respondesse, restaria a dúvida quanto ao recebimento da mensagem. Isso era sempre um consolo. Melhor o benefício da dúvida do que a certeza de um NÃO em alto e bom som. O risco parecia bem menor. Enfim, não morreria se não desse certo.
            Estava assim, nessas divagações, Em Carne Viva e o maravilhoso Mark Ruffalo na mão, numa fila emperrada, dentro da Blockbuster, e um esbarrão estabanado leva DVD, pipoca, chocolate, tudo pro chão. Pra aliviar o desconforto, a inevitável pergunta: 
             - Esse filme é bom? 

            É assim que, numa fila, não de açougue, mas de locadora, descobre um sorriso lindo de um outro... Maurício??? Ela não consegue deixar de rir, surpresa com a louca coincidência. 
            Pensava em um, esbarra em outro... uma troca de opiniões sobre os respectivos filmes, uma semelhança de gostos, e caminham juntos pro estacionamento. Tanta empatia, celulares na mão, por que não? Cria coragem e pede o número dele. E não é que ele dá? :)

            Voltou pra casa pensando. Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. O outro Maurício era todo especial, mas amarrado. Já haviam se falado tantas vezes, o xaveco rolava solto, mas ele não se atrevia a nada. Quem sabe esse, encontrado assim, num susto, fosse mais promissor? Tão simpático...
            De repente, o torpedo tão ensaiado pra um acabaria sendo mandado pro outro. Afinal, gostoso é o que rola tranquilamente, não o suado, como apregoam por aí.
            Em casa, num acesso de solidão e ousadia, pegou o celular. Nova mensagem. Resolveu ser objetiva: - Maurício, vem me ver! :) Não pensou duas vezes. Apertou "enviar", meio apavorada, e já era. Agora era esperar. Surpreendentemente, a resposta veio em menos de um minuto! - Um chopp à noitinha? Arregalou os olhos, desacreditando em tamanha objetividade. Esse cara devia ser descomplicado! Milaaagre! Combinaram, através de torpedos, a hora e o local. Ele a pegaria em casa mesmo, assim já conheceria o território dela.
            A aflição no estômago, o ritual do banho, depilação (nunca se sabe), o perfume, o espelho... a insegurança, a espera, a campainha!!! 
            Abre a porta e dá de cara com um enorme maço de flores, que a desestabiliza. Deusdocéu, que homem é esse? Pega as flores, agradecendo, e enxerga que homem é esse: é Maurício, o ... Maurício!!! O do Face, e não o da locadora!!! Na ânsia por superar a insegurança e ser ousada, quis ser rápida e mandou o torpedo pro Maurício errado! Que coooisa!!!
            Agora era respirar fundo e não deixar o pobre perceber a confusão. Ir em frente, apesar do engano. Bem... se Deus escrevia certo por linhas tortas, quem sabe essa não era mais uma das suas? O jeito era curtir. 
            Choppinho, conversa, sorrisos, insinuações. A firmeza da mão cheia de vontade, ensaiando umas investidas mais ousadas. Um beijo de leve no rosto, um outro no pescoço, um roçar dos lábios na orelha, arrepios, arrepios, arrepios... Finalmente, um beijo invasivo e atrevido como ela tanto gosta. A mão dele se apoiando no joelho dela, escorregando de leve pra caminhos perigosos... e um alarme interno soa, como uma sirene mesmo, barulhenta e assustadora, dentro do cérebro: o que é iiiiisso, menina???? Se recompõe, diz já ser tarde e pede que ele a leve direto pra casa. Fazer-se de difícil é básico pra continuidade de um primeiro contato. Inventa um compromisso no domingo de manhã, difícil de colar, mas útil. Despedidas, um gostinho de quero mais no ar, uma intenção de ficar, mas uma impossibilidade: ela tem filhos, devem chegar jájá, melhor que se vá.
             Esse charminho final anima uma vontade louca de deixarem algo marcado. Mas é mais charmoso ainda deixar a dúvida no ar. Um beijo de verdade, dois ou três dorme com Deus, e ela fecha a porta, atrás de si, ainda meio tonta. 
             No quarto, tenta imaginar por onde andaria o outro Maurício. Se o encontro tivesse sido com ele, teria sido melhor? Difícil... noite interessante aquela. Começara com um erro crasso, seguira com flores, gentilezas, atrevimentos, e a constatação de que, de fato, esse Maurício parecia ser o que aparentava. Agradabilíssimo ele... 
             O gostoso da novidade e alguns flashes dos olhares e toques e sensações a levaram no colo prum soninho adolescente, sem culpa nem dor na consciência. Há tempos não dormia assim, foi o que pensou, já despertando, a lembrança do final da noite vindo forte à mente. 
             No celular, nenhum torpedo. O café da manhã atropelado por uma vontade maluca de ligar o computador pra checar os recados. Ligar o computador antes de tomar café da manhã caracteriza sintoma de loucura. Agora se segurava, mas com muito custo... 
             Enfim, página de recados: nada. Mensagens: uma nova mensagem! :) Friozinho na barriga. Boa essa adrenalina, já tava com saudades... 


"Marina, tudo bem? Você não me conhece, mas eu sou namorada do Maurício, que saiu com você ontem à noite. Estou escrevendo pra te alertar: ele tá me enganando, mas ele tá te enganando também!!! :( "

             Um estremecimento, uma aflição, e... facebookcídio na veia!!! Argh!!! Pelo menos por uns quinze dias... Desliga o computador e resolve sair , ver gente de verdade, pegar um sol na cabeça. Durante a caminhada, aproveita pra deletar Maurício dos contatos do celular. Certifica-se de não fazer confusão. 
             Quem sabe, mais uns dois dias, já recuperada, resiliente que é, não manda um torpedo pro Maurício certo? Será que ele tem Face???



                                                                                              Analú