quinta-feira, 11 de março de 2010

Abrindo meu Diário IX - reflexões para Desromance (2007)

Julho/2007

Estou quase tendo um treco de tanta raiva. Há momentos em que a realidade despenca na minha cabeça de forma tão devastadora, que chorar não basta. Me dá vontade de chutar, xingar, sair gritando pras mulheres não fazerem a merda que fiz, pra não se descuidarem de si mesmas, porque só quem cuida da gente é a gente mesmo!

A vontade de escrever agora anda me acompanhando direto, acho que isso faz parte de voltar pra casa. Acho não, tenho certeza. Assim como tomar longos banhos, me trancar no quarto antes de dormir pra poder ler sossegada, ouvir minhas músicas preferidas cantando e dançando, e outras tantas coisas que tenho redescoberto, e que havia abandonado, por não conseguir conjugá-las ao meu casamento.

Sei que fico, desde a hora em que acordo, paquerando o computador, mas não dá, porque eu não tenho empregada, então me sinto na obrigação de fazer todas as obrigações domésticas antes de sentar pra escrever, que é uma obrigaçãozinha menor, é claro, porque ninguém me ensinou que a minha prioridade deveria ser sempre eu mesma. Estou aprendendo, levando porrada, mas é difícil largar os antigos hábitos sem ligar pra torcida. É claro, porque se eu sentasse para escrever com a casa bagunçada pareceria relaxo e uma boa mãe de família deve saber quais são suas obrigações obrigatórias. Manter a casa limpa e arrumada e o povo todo alimentado é crucial, sob pena de não conseguir mais ter paz na vida! Quando termino de ajeitar a casa e de cuidar das roupas, preciso fazer o almoço. Quando terminamos de comer, preciso limpar a cozinha. Quando termino de limpar a cozinha, muitas vezes tenho que ir ao mercado, ou ao banco, ou à farmácia ou ao raio que me parta. Então cuido do lanche da tarde, e do jantar, e do filho que levo e pego na escola, e sei lá mais do quê. Quando percebo, estou exausta, não consegui nem tomar banho e não sentei no computador nem ao menos pra ler meus e-mails. :(

Mas... Um dia ou outro, entre uma tarefa e outra, consigo uma brecha e sinto vontade de escrever. Quem sabe escrevendo me sentiria menos sufocada, quem sabe nalgum dia eu consiga publicar um livro e finalmente ganhar um dinheiro só meu, quem sabe talvez eu conseguisse ajudar outras mulheres tão ferradas quanto eu... Ufa! Quem sabe? Aí vou lá, no quarto do meu filho e ele está no msn conversando com os amigos. Tenho que pedir licença com muito jeitinho, esperar que ele termine o papo, se despeça, pra então fazer a gentileza de me ceder alguns minutinhos de uso em seu amigo preferido. É claro que ele fica me rodeando, esperando que eu termine logo o que quer que esteja fazendo, pra que ele volte rapidamente ao seu posto. Não consigo escrever uma frase sem ser monitorada.

Hoje não tive brecha. Fiquei pra lá e pra cá com as coisas de casa o dia todo. Levei meu filho pra escola, voltei e meu outro filho ainda não tinha voltado do trabalho onde, diga-se de passagem, fica o dia todinho criando na frente de uma tela de computador. Me vi sozinha em casa, e fiquei animada. Corri pra pegar minhas anotações dos últimos dias, que faço num caderno, antes de dormir. Pensei em organizá-las, quem sabe começar a montar um livro de poesias... Coloquei alguns textos em ordem lógica, e abri um arquivo novo. Pronto! Meu filho chegou do trabalho! Fez pouco caso de uns pãezinhos que eu havia feito com todo o amor do mundo, jogou-se na cama ao meu lado e ligou a TV com o som bem alto, pra curtir uma música agitada na MTV. Fiquei agoniada. Me ajeitei na cadeira. Pedi pra abaixar um pouquinho, com todo jeitinho (de novo!) ... Percebi que ele estava a fim de tirar um cochilo, e sugeri: - você bem que podia ir dormir na minha cama, assim eu podia escrever um pouquinho sossegada... (não estranhe, o tamanho da letra é condizente com a minha delicadeza pra falar com ele).

Ele me respondeu, tremendamente irritado, que era i n a c r e d i t á v e l (essa é a delicadeza dele!) trabalhar o dia todo e chegar em casa e não ter direito de ficar em seu próprio quarto!

– Mas, filhinho...(a tonta) o computador está no seu quarto, e se você quer ver TV, no meu quarto dá pra você ver... Ele não fez o menor movimento para demonstrar que se abalaria de sair de seu espaço pra me dar chance de escrever.

Então, é claro, minhas carótidas começaram a inchar. Parece que as lágrimas sobem por elas (será que minam do coração?) até chegar aos olhos, de onde deveriam sair em enxurrada, mas eu, controlada que sou, faço uma manobra auto-mutiladora e as engulo, na verdade a seco. Aliás, existe uma teoria que denomina essa situação de engolir sapo. Acredito, sim, que essa enxurrada de lágrimas que seca de repente transforma-se num sapo que a gente engole e que, depois de algum tempo aparece nos mais diversos cantinhos do nosso corpo em forma de nódulos. Eu já tive que passar por uma cirurgia pra tirar um. Bem, o fato é que chegaram, em milésimos de segundos, a meu cérebro, um número infinito de informações que tentavam me fazer compreender porquê cheguei a essa situação aviltante.

E a informação que mais gritava na minha cabeça era a de que eu havia me abandonado em nome da família, e que, enquanto eu passara anos trabalhando em prol do bem-estar de todo mundo, enquanto eu criara condições para que todos pudessem crescer, estudar, trabalhar, se desenvolver para virem a se tornar independentes, eu simplesmente esquecera de ter vida própria! Em nosso orçamento familiar, apesar de em muitos períodos estarmos bem tranquilos, nunca havia verba para que a idiota aqui pudesse fazer algum curso para se garantir. Teimosa que sempre fui, dava uma de autodidata e nisso o computador me ajudava incrivelmente. Só que, o computador, que, a princípio era meu, à medida que meus filhos foram crescendo, foi se tornando só deles, a tal ponto que hoje preciso ficar mendigando um espacinho nele pra mim! Eu escrevia, eu desenhava, eu me informava e adorava usá-lo! Eu nunca fui paga pra fazer o serviço de casa, eu nunca tive meu próprio dinheiro nem liberdade pra usar o do meu marido, eu precisava ganhar um computador! Mas ninguém nunca se preocupou com isso, mesmo que eu tivesse demonstrado minha necessidade claramente! BURRA! BURRA BURRA BURRA BURRA! Aaaaaaaargh! :(

Por um golpe de sorte, meu ex havia deixado seu notebook aqui. Agarrei-o, levei para o meu quarto, e o liguei. Logo depois, o dono do precioso bem passou por aqui e, num acesso de caridade, me mostrou que dava até pra usar internet no meu quarto! :) E me emprestou o notebook, porque ele já tem um computador novo em sua casa!!! Ohhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!

E aqui estou eu, desabafada! É muuuuuuuita sorte, não é? ;)

(Ana Lucia Sorrentino em Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser...) ;)