sábado, 17 de outubro de 2009

Abrindo Meu Diário IV - reflexões para Desromance

A frase da música do Los Hermanos se repete infinitamente na minha cabeça. Ah... Faça-me um favor... E essa pergunta que o vocalista entoa de forma tão arrastada e dolorida se arrasta doloridamente através dos meus neurônios, arranhando-os. Como é que eu fui ter um filho assim, tão diferente de mim?
Sei que não é isso. O que me perturba não são diferenças estruturais, genéticas ou sei lá quais. O que me perturba é a adolescência. Essa adolescência que hoje em dia se prolonga até sabe-se lá quando, porque isso é conveniente aos adolescentes. Estou esperando meu filho de 21 e seus amigos de 22, 23, 24, darem algum sinal de que já está chegando a hora. A hora de se sentirem responsáveis por si mesmos, ou pelo menos por alguns setores das suas vidas. Estou esperando tanta coisa, há tanto tempo, mas não vejo mudança alguma, não pressinto nada de diferente pra tão já...
Espero, também, assustada, que o meu outro filho, de 15, comece a dar sinais de adolescentite aguda. Assusto-me demasiado com suas malcriadezas, comparo-o com o maior, fico apavorada ao pensar que talvez, de um dia para o outro, ele perca toda essa mansuetude e docilidade que sempre teve e que sempre me acalmaram e consolaram perante os problemas todos da vida. Sei que isso acontecerá, em maior ou menor grau, e já me defendo, agredindo-o de vez em quando, por já não estar me dando o amor que há até bem pouco tempo era verdadeiramente transbordante. Meu nenezão, de pele muito macia e coração muito grande. O menino que nunca pôde me ver chorar ao assistir qualquer cena de um filme, porque se preocupava demais com o meu sofrimento, mesmo sabendo ser um sofrimento causado por algo fictício. O menino que me enxergava por dentro e percebia que, se eu chorava, era porque, no fundo, havia algo de triste dentro de mim... Estou esperando, assustada, mas já começo a me acostumar com essa idéia. Já estagiei, com o primeiro.
O pior é que gosto. Gosto de meus filhos adolescentes, de seus amigos, do movimento que fazem pela casa, de sua excitação permanente. São tão excitados e excitáveis, que me excito. Quando percebo, já caí na conversa, na bagunça, na fantasia. Rapidamente como chegaram eles se vão e a casa fica vazia. Deveria dizer tranquila, mas acontece que, enquanto estão aqui o movimento é tanto, que quando se vão a sensação que tenho é a de vazio. Respiro fundo, tranco a porta, preencho-me de mim mesma e volto aos meus afazeres e pensamentos de mulher adulta (?). Mas não tem como: eles são totalmente entremeados de idéias imaturas, de expectativas inocentes, de piadas infantis e grosseiras. Até meu senso de humor já mudou. Aos poucos, as enormes grosserias vão se tornando tão familiares, que acabam por contaminar meu espírito feminino. Flagro-me fazendo coro com eles nos comentários mais esdrúxulos a respeito das mulheres. Essa raça que pensam ter nascido para trazê-los ao mundo, alimentá-los, servi-los e satisfazê-los sexualmente, além, é claro, de tentar educá-los, mas que desperta neles, às vezes, tamanha raiva que me assusta. Todos, em casa, hoje em dia, rimos ao escutar o vizinho do andar de baixo chamar a esposa – mãe de seu filho – de piranha, safada e vagabunda. Algo que há algum tempo me punha nervosa a ponto de pensar em chamar a polícia ou qualquer um que pudesse ajudar a safada (!).
Acostumamo-nos com tudo. E vamos nos modificando de acordo com nossa convivência, de acordo com nossa necessidade de sobreviver, de crescer, de ficar mais forte.
Sempre fui de falar um pouco alto. Me colocar, me expressar, me fazer ouvir. Só que hoje, quando saio com amigas, às vezes percebo que estou incisiva demais. Percebo que me imponho demais, que falo alto demais. Interessante que recebi algumas críticas dos meus próprios filhos, e do meu marido também. Ao analisá-las, percebi que tinham fundamento, mas acontece que desenvolvi essa técnica para conseguir ser ouvida dentro da minha própria casa. Você senta numa mesa com três machões sabe-tudo loucos por futebol, e, se não quiser virar um nada, às vezes tem que gritar. Não raro levanto as mãos, faço sinais, “quero ser ouvida!” E, como eles realmente não se importam com as coisas que me importam, sou obrigada a entrar em seu assunto. E acabo familiarizando-me com todo tipo de conversa masculina ou machista, infantil, jovem ou adulta. Entro na deles, porque sei que seria um pouco demais pra cabeça deles pedir-lhes que entrem na minha.

(Fragmento de Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser);)

Poesia - Números

Eu tento falar de coisas tão minhas
e ele pega a calculadora, na gaveta.
Seus dedos digitam números
que parecem resolver tudo.
Números contra a monotonia,
o tédio, a mesmice.
Comento as gracinhas do bebê,
as artes do maiorzinho,
pergunto se a comida está boa,
faço qualquer fofoca à toa...
e ele voa.
Viaja o tempo todo.
São seus planos,
seus ganhos ou não ganhos,
seu tempo, seus negócios...
É o horário,
sua performance,
sua chance.
Dinheiro é o grande lance.
Com ele andaríamos pelo mundo,
nos aventuraríamos...
Sei não...
Não sei se cheios da grana
seríamos mais amigos,
ou iríamos mais pra cama...

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Poesia - Amor Borrado (Alento)

Eu passo tantos cremes no rosto
pra ficar mais bonita pra mim,
mas muito mais pra ele,
e ele não pode me beijar,
porque estou emplastrada.
Ele não me abraça, não me toca,
porque me mumifiquei
pra melhorar pra ele.
Eu fico aqui,
imagem intocável e brilhante,
e ele lá, preocupado em não esbarrar
nessa meleca toda.
De repente, numa noite, numa festa,
eu vestida especialmente,
maquiada demais,
ele me nota, mais do que às outras.
Ele me vê bonita, retocada.
Trocamos olhares, sorrisos,
conversa fiada,
nos damos as mãos,
como dois namorados.
Na volta, ele toca meu rosto desbotado,
meus olhos negros emoldurados
pelo rímel derretido,
minha boca rosada do resto do batom vermelho.
Ele diz me achar bonita.
Me beija, me despenteia,
se esfrega em mim,
agora tão palpável.
Se aperta contra mim, me sente.
Fim de festa.
Ele parece me amar tanto
que até me espanto,
tenho medo.
Demoro pra aproveitar, me soltar.
Minha cara toda borrada,
meu corpo suado, quente.
Foi preciso acabar a festa
pra nossa festa começar.
Eu, indigna de um espelho,
e ele dizendo me amar.

(Ana Lucia Sorrentino em Alento)