quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

POESIA - Reforma (Alento, 2007)

Talvez eu tivesse acreditado
que a samambaia de volta
ao canto da sala de estar
pudesse trazer de volta também
alguma coisa, que agora sei,
não vai voltar.
Trocar o tecido do sofá
talvez fosse uma tentativa de recuperar
os doces sonhos que sonhamos juntos,
as carícias que trocamos
sobre a maciez do cetim.
Há mais gente na casa,
há mais rugas no rosto,
há mais vida intelectual...
Nada, nada vai nos fazer de novo igual
ao que éramos antes –
jovens, belos, fortes, apaixonados...
Tanta coisa aconteceu...
Agora, talvez, troquemos o piso.
Isso, contudo, nada tem a ver
com o resgate do riso,
que nunca perdemos.
O riso de sarcasmo ou ironia,
o riso doce ou amargo,
o riso de bobeira, de folia,
o riso bom, sem embargo.
Acho que somos felizes.
Pra isso luto todo dia.
Lutamos, talvez.
Penso nos quadros
que queria espalhar pelo apartamento
e na vida, na vida,
tanta vida que há aqui dentro.
Penso em tudo e me calo, emocionada.
Tomara que nosso edifício
erguido com amor e arte
não desmorone, como o Palace,
feito de areia e conchas do mar.

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007, à venda através do e-mail analugare@yahoo.com.br)

domingo, 17 de janeiro de 2010

Poesia - Carente (Alento, 2007)

Eu queria um carinho,
um mimo qualquer.
A pele tá aqui
e eu tenho fungado muito.
Escanhoei meus pelos
pra ficar mais macia,
mas minhas próprias mãos
não me bastam.
Chove há dias
e eu umedeço aqui dentro.
Se quem me fala de longe
calasse de perto,
talvez então eu fosse mais feliz.

(Esta poesia faz parte da coletânea Alento - 2007)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Abrindo Meu Diário VII - reflexões para Desromance

Hoje saí com uma amiga. Ontem tive um dia super introspectivo. Me recolhi, dormi fora de hora, curti ficar comigo mesma no quarto fechado, com meus pensamentos meio afetados pela TPM. Agora aceito isso muito melhor, acho que é pra fazer assim mesmo, se recolher. Aceitar essa vontade de ficar sozinha, quieta, comigo mesma. Hoje renasci. Já acordei com vontade de rua. De gente, de conversa.
Bem, o fato é que liguei pra essa minha amiga, e ela estava pra lá de sorumbática. Passara o domingo inteiro sozinha e isso a deixa perturbada. Até muitíssimo pouco tempo atrás, era certo que a família ficaria agregada ao seu redor durante todo o fim-de-semana. As filhas, os namorados das filhas, o pseudo-marido, que quase nunca vai pra casa... Todo mundo sugando-a de canudinho. De repente, as filhas cresceram, “desmamaram”, como não poderia deixar de ser, e cada uma vai vivendo sua vida pro seu lado, do seu próprio jeito. O marido se afundou em mais e mais compromissos, e quase não vai pra casa. E passou a ser normal, para as filhas, deixar a mãe por sua conta e risco. Está certo. Mais do que certo. É saudável. É pra isso que os filhos crescem. Pra descobrirem o mundo, as pessoas, a vida, enfim. E pra andarem com suas próprias pernas. E pra que nós, mães, possamos olhar novamente pra nós mesmas, reencontrar nossa alma e viver nossa vida.
E aí, o que é que acontece? Adivinha! O que era pra ser uma coisa muito legal, o que era pra ser festejado, vira uma síndrome! A síndrome do ninho vazio! Que inferno, não? A mulher vê a casa vazia e as tarefas feitas, e, em vez de se sentir tranquila, entra em depressão. Passou tantos anos cuidando dos outros, que esqueceu totalmente de si mesma. Agora quer se encontrar, mas não sabe onde, não sabe como. E vem a aflição. A casa está vazia e ela está vazia também. Já não sabe mais o que quer, já não sabe direito do que gosta, já não se reconhece mais. Na verdade, essa síndrome não é a síndrome do ninho vazio coisa nenhuma. É a síndrome da mulher vazia. Oca. Sem alma. A mulher que precisa ter companhia e estar atarefada o tempo todo para não perceber o quanto está vazia, pra não sentir o quanto isso dói. Todo mundo já não percebeu que quando as mulheres entram nessa fase, logo arrumam um cachorrinho pra distraí-las? Onde eu moro mesmo tem umas três ou quatro que são obrigadas a sair com seus cachorrinhos várias vezes por dia, pra que eles façam suas necessidades na calçada. (Que beleza, não?) Elas até poderiam ensiná-los a fazer o que têm que fazer na área de serviço, em cima de qualquer folha de jornal. Mas, e aí? Não vão ter a obrigação de levá-los para a rua várias vezes, e o dia vai ficar mais comprido... Essas mulheres são capazes de transformar seus pequeninos cachorros, às vezes doces e inocentes, em verdadeiros elefantes brancos. Mimam, exageram, estragam. E o cãozinho, que se fosse tratado com naturalidade seria uma maravilhosa fonte de carinho, passa a ser um verdadeiro estorvo, não só para suas mães, mas também para toda a vizinhança. Uma outra amiga minha nina o cão como se fosse um bebê recém-nascido com cólica. Se o deixa no chão, fica impossível conversar, porque o bicho late o tempo todo e fica ameaçando morder o infeliz interlocutor da sua dona. Trancá-lo em qualquer lugar é absolutamente impensável. Então ela o pega no colo, e a gente tem que ficar conversando meio mareada, porque aquele vai e vem não acaba nunca. Até que essa minha amiga se irrita e vai embora, quase sempre deixando a conversa pelo meio, como se a conversa não valesse absolutamente nada. E a amiga dela (eu!:o) fica se sentindo uma idiota por achar que vale a pena tentar conversar com uma pessoa assim!:(
Bem, mas eu estava falando sobre a minha outra amiga, a que saiu comigo... a gente foi ao Clube da Comédia Stand-up. Consegui tirá-la de casa, mesmo no meio de uma fossa, e fomos até lá, dar um pouco de risada e comer alguma bobagem.
Só que também me parece que algumas mulheres têm um pouco de dificuldade de relaxar e se divertir, simplesmente. A impressão que tive foi a de que ela ficou se sentindo meio mal o tempo todo, porque não está acostumada a tantos palavrões, e tantas expressões grosseiras... Tá bem, tá bem, eu também achei exagerado. Pra dizer a verdade, eu não sei porquê o humor está sempre tão associado a banheiros, privadas, fezes e outras porcarias. Mas, se estávamos lá, e o povo todo ria, e os comediantes eram realmente engraçados, por que não relaxar e gozar, como diria nossa respeitável ministra do turismo? Então, a minha amiga parece que ficou meio constrangida durante todo o show, sem falar que teve que atender o celular todas as vezes que ele tocou. E olha que não foram poucas!
Bem, viemos embora e ela, talvez percebendo que eu tinha vontade de conversar, sugeriu que fôssemos a algum café. Topei na hora, como sempre. Mas a ilusão durou muito pouco. No caminho, o celular dela começou a tocar sem parar. Era a filha que estava em casa pedindo que pegasse um filme na Blockbuster, a filha que ainda nem tinha chegado em casa perguntando o que tomar pra dor-de-barriga e a filha que eu nem sei onde estava discutindo com a mãe porque queria dormir na casa do namorado. Uma atrás da outra. E a minha amiga não deixou de atender esse celular uma vez sequer e acabou desistindo de ir ao café! E me despejou, frustrada, na porta de casa, para ir correndo atender sua prole.
Caraca! Quando eu a chamei ela estava totalmente arrasada porque a família se esquecera dela! Agora a família estala os dedos e ela vai correndo, como se o mundo fosse acabar se não fosse! E me deixa no vazio! Aquela conversa legal que íamos ter, saboreando um delicioso cafezinho, foi pras cucuias!
Bom...com certeza, pra ela, também seria uma conversa totalmente inútil, como as que tenho com a amiga que nina o cachorro...

(Ana Lucia Sorrentino em Desromance, a ser publicado nalgum dia, se Deus quiser...)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Crônica - Amor Casual


Havia fantasiado aquela situação por tanto tempo, e agora ia rolar. E como sempre, as coisas rolavam quando deixava de planejar... quando desencanava. Estava tão cheia de homens enrolados, se desgastara tanto com pretensos garanhões que na hora "h" saltavam fora, que o que viesse era lucro. Um homem que não tivesse medo de ir com ela pra cama já seria um herói. Todas as vezes que questionara isso claramente, as respostas haviam sido sempre evasivas. Medo? Medo de quê? - eles perguntavam, se fazendo de bobos. Tinham medo, sim, isso era inegável. Medo de não saber o que fazer, medo de não agradar, medo de não gostar, medo da própria performance deixar a desejar... O medo se sobrepujava a tudo: ao amor, ao tesão, à curiosidade... Só queria um pouco de carinho, será que isso era tão complicado? A cena de Um Lugar Chamado Notting Hill, em que Julia Roberts pedia a Hugh Grant que não esquecesse de que ela era apenas uma garota querendo ser amada voltava com frequência a sua mente. Estava uma perfeita Julia Roberts: uma garota querendo amor.

Agora conhecera alguém que aparentava não ter medo de nada. Espontaneidade a toda prova. A questão da possível brochada parecia simplesmente não existir. Um primeiro contato e uma inegável química detonara um processo irreversível de "querotecomercomamaiorurgênciapossívelpeloamordedeus". Um telefonema atrás do outro. Pressa. Torpedos em profusão. Ansiedade, arrepios, expectativa... Mal dera tempo de raciocinar, e já sentira tudo. Talvez assim fosse melhor... nada de pensar, só sentir. Ia viver o agora, como vinha preconizando há um bom tempo... E o tão afamado sexo casual, que até então só parecia ser vivido pelas protagonistas do Sex and the City deixaria de ser tabu. Por que não? Era o que vinha se perguntando há tanto tempo a respeito disso, e de muitas outras coisas. Não tinha nada a perder... Se bem que, depois dessas reticências sempre havia um pequeno ponto de interrogação... Mas, se nunca fizesse, nunca saberia. Daria a cara a tapa, mas havia de quebrar esse encantamento.

Por uma questão de urgência mesclada à falta de tempo hábil, o primeiro encontro se deu, atabalhoadamente, dentro do carro dele, o que só foi possível graças a um insulfilm absurdamente fora dos padrões seguros. Com certeza, quando fossem pra algum lugar melhor, seria mais prudente ir com seu próprio carro... Se policiou pra não começar a raciocinar demais, e não pôr tudo a perder.

Depois de alguns longos segundos em que ele parecia ter sido acometido por alguma espécie de paralisia, olhando-a, com um sorriso de encantamento, ela o estimulou a beijá-la, perguntando-lhe se não era isso o que dissera, repetidas vezes, por celular, estar louco pra fazer. Ele avançou nela como um desidratado numa jarra d' água. Não só beijou. Beijou, lambeu, mordeu, chupou, apalpou... Deus do céu... foi o que ela pensou, imaginando que ele devia estar enfrentando uma seca pior do que a dela, talvez há mais tempo... coitadinho... Deixou, deixou sem reservas, em total abnegação.

Nos intervalos entre um abraço e uma futura mancha roxa, teve oportunidade de fazer algumas perguntas-chave. Quantos anos você tem? A constatação de que ele era quinze anos mais novo que ela a transformou, numa fração de segundo, em pedófila. De onde você é? A origem nordestina projetou, instantaneamente, em sua imaginação fértil, o quadro de uma vida de sofrimento. Pôde vê-lo, retirante, chegando a Sampa com a cara e a coragem, e, provavelmente, mal alimentado. Perninhas finas e bambas... E finalmente: você ainda tem mãe viva? Nooossa... saber que ficara órfão de mãe aos dois anos de idade foi o golpe fatal. Chegava a ser covardia... se pudesse, o adotaria ali, naquele exato instante. O levaria pra casa, lhe daria um pratinho de sopa quente, e o colocaria numa cama quentinha... Coitadinho...

Saiu do carro amarrotada, se recompôs rapidamente, ajeitou os cabelos desgrenhados e foi pra casa pensando. Pensando não. Sentindo. A pele dele era macia, a boca gostosa, o desespero estimulante. Até que isso podia ser bom...

O segundo encontro começou estapafúrdio. Ele vinha de dois plantões de doze horas, seguidos. Tivera apenas uma hora para descansar. O constrangimento dele por ser ela dirigindo não cabia dentro do carro. O lugar que ela escolhera, a dedo, pra que tudo desse certo, foi rejeitado por ele, cuja ansiedade parecia não permitir que se fosse a algum lugar além da esquina. Quando ela sugeriu à recepcionista que lhes oferecesse alguma cortesia, a aflição dele fez com que se arrependesse imediatamente, pois, a seus olhos, ela devia ter extrapolado todos os limites da ousadia.

Depois de uma inspeção prévia em todos os cantos do quarto, ela pediu uns minutos e entrou no banheiro. Tudo parecia meio fora de lugar e não tão limpo quanto deveria. Resolveu passar por cima e curtir o momento. Não era pra isso que estava ali?

Saiu do banheiro, já enrolada numa toalha, e o encontrou mais do que pronto. E, no primeiro abraço, já querendo mergulhar nela, ele soltou uma frase que de tão proibida para a ocasião lhe pareceu quase pornográfica: eu tô morreeendo de medo de gostar demais de você e você só me querer pra sexo.

Ela se liquidificou. Seu estado passou de sólido pra gasoso e seu corpo se transformou num instrumento de caridade. Faça, faça o que quiser... Ele devia ter uma vida tão dura, bem que merecia possuir uma mulher sem restrições, sem muita frescura... Era tão jovem, provavelmente nem devia ter muita experiência naquilo que estava fazendo... Tão viril e forte, tão desesperado e agressivo... Ela previu que estaria quebrada no dia seguinte.

Ele dormiu profundamente. Ela o abraçou e, embora não tivesse sono, acabou cochilando, embalada pela respiração forte provocada pela exaustão dele. Pela janela se percebia a tarde cair e uma chuva gostosa serviu de trilha sonora praquele momento tão diferente de tudo o que previra em suas malucas fantasias de mulher em abstinência. Olhou o corpo jovem dele, e viu que, ainda ressonando, ele estava de novo pronto. Sorriu. Brincou com ele. Ele reagiu de imediato, como se estivesse acordado o tempo todo. Era um garoto... Que a usasse, como bem quisesse... Havia pouco tempo agora. Logo ele teria que ir pra outro turno de seu trabalho tão sacrificado. Coitadinho...

Na volta, estavam calados e ele se preocupou em lhe perguntar se estava tudo bem. Ela assentiu, com um sorriso. Despediram-se com beijinhos na boca, como se fossem namorados. E ela o deixou, penalizada por não poder estar mais um pouco ao lado dele, talvez adoçando um pouquinho sua vida, que parecia ser tão dura...

De repente, percebeu que esquecera por completo de si mesma. Nem lembrara de seu próprio prazer, de suas carências, de seus desejos há tanto macerados... Ele não fora nada generoso com ela na cama... mas estava se sentindo agradecida. Ele lhe dera, de pronto, a experiência de que tanto precisava para conhecer um pouco mais sobre si mesma. O quê, por exemplo? - se perguntou, sorrindo. Numa primeira análise, que ainda podia ser muito desejada... E que, provavelmente, nunca saberia fazer sexo casual. Aliás, estava tendo a sensação de que acabara de inventar uma nova modalidade, da qual nunca ouvira falar: o amor casual. Casual, sim. Mas não sexo. Amor.

Analú ;)