“De repente surge um movimento que
vem da internet e tem sua dose de irracionalidade e incendeia milhares de
jovens.” (Luis Nassif, entrevistando Fernando Haddad, prefeito de São
Paulo, sobre a atual onda de protestos).
Dilma estava com a popularidade a
mil. Haddad assumiu e em menos de seis meses já deu mostras de enorme
competência. De repente, um aumento de tarifa dentro do já previsto, abaixo da
inflação, detona uma onda de protestos que se dá de forma desorganizada, constituída
tanto por gente que age de forma democrática e racional, quanto por mal
intencionados que agem irracionalmente, depredando, bagunçando, provocando
tumultos e, pior, que não respondem à abertura que Haddad dá para a conversa,
uma vez que nem ao menos uma liderança organizada têm. Gente que se alia a um
movimento sem prestar muita atenção a que bandeira estão defendendo ou a
exatamente o que estão combatendo. E que acaba se deixando usar por uma direita
mal intencionada que, ao abusar do poder que tem, atinge Haddad e Dilma e,
enfim, ao governo PT.
A ação da polícia nas últimas
manifestações foi realmente revoltante, mas temos que nos perguntar o porquê
disso. Nada como colocar uma polícia agressiva e repressora nas ruas, calando à
força uma juventude que não tem uma cultura de participação política e que
tenta um ensaio, para provocar uma revolta geral contra tudo e contra todos.
Surgem, de repente, protestos sobre tudo aquilo que está entalado em nossas
gargantas. Num contexto em que todos os dias nos envergonhamos por ter que
engolir políticos que se mantêm a todo custo no governo, mamando nas tetas do
povo, sem ao menos termos a oportunidade de deliberar diretamente sobre isso (vide Renan
Calheiros), é natural que a violência policial detone uma verdadeira revolução.
O povo quer se fazer ouvir, e deve querer. Mas é preciso se organizar para
atuar em causa própria, e não acabar virando joguete na mão de uma direita que
não aceita o bom andamento dos dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil.
Lula e Dilma são uma pedra no sapato de uma direita conservadora que não engole
o fato de um trabalhador ter provocado uma verdadeira revolução no Brasil, ao
inserir a classe menos favorecida em um contexto no qual nunca teve espaço.
Para aqueles que, como Danuza Leão, sofrem desgraçadamente ao perceber que o
porteiro de seu prédio já pode ir a Nova Iorque fazer comprinhas, Lula e Dilma
são como uma bala que entalou na garganta e que tem que ser cuspida a todo
custo, mesmo que para isso seja necessário usar de golpes baixos.
Quem se manifesta precisa estar
muito bem organizado e informado para fazer valer seu protesto. Segundo Haddad,
manifestantes abordaram motoristas de ônibus exigindo que se aliassem ao
movimento, uma vez que não haviam tido aumento de salários. Ao que os motoristas
se surpreendiam, pois sabiam que haviam tido, sim, aumento de 22% ao longo dos
últimos 3 anos. Os manifestantes também desconsideraram o bilhete único, que,
ao ser implantado, fez com que os R$3,20 passassem a representar uma passagem e
meia, não apenas uma passagem. Faltou informação, foco e organização.
Walter Benjamin, pensador do começo
do século XX, em seu texto “Experiência e pobreza”, fala sobre os resultados do
inacreditável desenvolvimento tecnológico da época. Diz Benjamin que uma
geração que usara bondes puxados por cavalos na primeira fase da vida se viu,
na idade adulta, agredida com extrema violência por uma tecnologia que se desenvolvera
em ritmo dramático, em função da destruição. A esse desenvolvimento tecnológico
que deu ao homem um poder de destruição do próprio homem jamais antes
imaginado, Benjamin se referirá como “uma nova forma de miséria”. A experiência
das duas guerras mundiais do início do século empobreceu o homem a tal ponto
que ele precisou começar novamente do nada. Isso foi resultado do imenso poder
da tecnologia. Para Benjamin, a extrema valorização da racionalidade terminou
por produzir a irracionalidade.
De lá para cá, temos convivido com
uma tecnologia que se impõe à força através da publicidade de forma tão
agressiva, que a maior parte de nós se curva a ela sem muito questionamento. É
claro que é fantástico podermos escrever, denunciar, mobilizar. Nunca tivemos tanta
chance de gritar e de sermos ouvidos. Mas precisamos ter consciência de que
estamos fazendo uso de instrumentos poderosos e de que, se é graças a eles que
podemos nos informar, divulgar nossas ideias, formar opiniões e até mesmo organizar
movimentos extremamente importantes para que o mundo caminhe para a frente, também
é graças a eles que recebemos muita informação confusa, e, se não tomarmos
cuidado, podemos encabeçar movimentos fundamentados em informação errônea, nos
transformar em massa de manobra e promover o atraso. Isso é racionalidade
produzindo irracionalidade.
Por fim, quero comentar que, embora
seja possível teorizar sobre a forma ideal de se agir politicamente, há na
política, como na vida, interessantes reviravoltas que parecem subverter
qualquer planejamento e que me dão, às vezes, uma gostosa sensação de que vale
a pena esperar pra ver. Um protesto que começou com a revolta por um aumento de
R$0,20 nas passagens de ônibus, respondido pelo governo do estado com violência
policial – e aqui precisamos lembrar que policiais são trabalhadores como todos
nós, que cumprem ordens, mesmo que muitas vezes a contragosto, para continuar
tendo o seu ganha-pão (seja isso válido ou não), está se transformando em uma
enorme manifestação que pede a saída de Geraldo Alckmin. Tiro no pé. Bem feito.
;)
Ana
Lucia Sorrentino
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