quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Crônica - Amor Casual


Havia fantasiado aquela situação por tanto tempo, e agora ia rolar. E como sempre, as coisas rolavam quando deixava de planejar... quando desencanava. Estava tão cheia de homens enrolados, se desgastara tanto com pretensos garanhões que na hora "h" saltavam fora, que o que viesse era lucro. Um homem que não tivesse medo de ir com ela pra cama já seria um herói. Todas as vezes que questionara isso claramente, as respostas haviam sido sempre evasivas. Medo? Medo de quê? - eles perguntavam, se fazendo de bobos. Tinham medo, sim, isso era inegável. Medo de não saber o que fazer, medo de não agradar, medo de não gostar, medo da própria performance deixar a desejar... O medo se sobrepujava a tudo: ao amor, ao tesão, à curiosidade... Só queria um pouco de carinho, será que isso era tão complicado? A cena de Um Lugar Chamado Notting Hill, em que Julia Roberts pedia a Hugh Grant que não esquecesse de que ela era apenas uma garota querendo ser amada voltava com frequência a sua mente. Estava uma perfeita Julia Roberts: uma garota querendo amor.

Agora conhecera alguém que aparentava não ter medo de nada. Espontaneidade a toda prova. A questão da possível brochada parecia simplesmente não existir. Um primeiro contato e uma inegável química detonara um processo irreversível de "querotecomercomamaiorurgênciapossívelpeloamordedeus". Um telefonema atrás do outro. Pressa. Torpedos em profusão. Ansiedade, arrepios, expectativa... Mal dera tempo de raciocinar, e já sentira tudo. Talvez assim fosse melhor... nada de pensar, só sentir. Ia viver o agora, como vinha preconizando há um bom tempo... E o tão afamado sexo casual, que até então só parecia ser vivido pelas protagonistas do Sex and the City deixaria de ser tabu. Por que não? Era o que vinha se perguntando há tanto tempo a respeito disso, e de muitas outras coisas. Não tinha nada a perder... Se bem que, depois dessas reticências sempre havia um pequeno ponto de interrogação... Mas, se nunca fizesse, nunca saberia. Daria a cara a tapa, mas havia de quebrar esse encantamento.

Por uma questão de urgência mesclada à falta de tempo hábil, o primeiro encontro se deu, atabalhoadamente, dentro do carro dele, o que só foi possível graças a um insulfilm absurdamente fora dos padrões seguros. Com certeza, quando fossem pra algum lugar melhor, seria mais prudente ir com seu próprio carro... Se policiou pra não começar a raciocinar demais, e não pôr tudo a perder.

Depois de alguns longos segundos em que ele parecia ter sido acometido por alguma espécie de paralisia, olhando-a, com um sorriso de encantamento, ela o estimulou a beijá-la, perguntando-lhe se não era isso o que dissera, repetidas vezes, por celular, estar louco pra fazer. Ele avançou nela como um desidratado numa jarra d' água. Não só beijou. Beijou, lambeu, mordeu, chupou, apalpou... Deus do céu... foi o que ela pensou, imaginando que ele devia estar enfrentando uma seca pior do que a dela, talvez há mais tempo... coitadinho... Deixou, deixou sem reservas, em total abnegação.

Nos intervalos entre um abraço e uma futura mancha roxa, teve oportunidade de fazer algumas perguntas-chave. Quantos anos você tem? A constatação de que ele era quinze anos mais novo que ela a transformou, numa fração de segundo, em pedófila. De onde você é? A origem nordestina projetou, instantaneamente, em sua imaginação fértil, o quadro de uma vida de sofrimento. Pôde vê-lo, retirante, chegando a Sampa com a cara e a coragem, e, provavelmente, mal alimentado. Perninhas finas e bambas... E finalmente: você ainda tem mãe viva? Nooossa... saber que ficara órfão de mãe aos dois anos de idade foi o golpe fatal. Chegava a ser covardia... se pudesse, o adotaria ali, naquele exato instante. O levaria pra casa, lhe daria um pratinho de sopa quente, e o colocaria numa cama quentinha... Coitadinho...

Saiu do carro amarrotada, se recompôs rapidamente, ajeitou os cabelos desgrenhados e foi pra casa pensando. Pensando não. Sentindo. A pele dele era macia, a boca gostosa, o desespero estimulante. Até que isso podia ser bom...

O segundo encontro começou estapafúrdio. Ele vinha de dois plantões de doze horas, seguidos. Tivera apenas uma hora para descansar. O constrangimento dele por ser ela dirigindo não cabia dentro do carro. O lugar que ela escolhera, a dedo, pra que tudo desse certo, foi rejeitado por ele, cuja ansiedade parecia não permitir que se fosse a algum lugar além da esquina. Quando ela sugeriu à recepcionista que lhes oferecesse alguma cortesia, a aflição dele fez com que se arrependesse imediatamente, pois, a seus olhos, ela devia ter extrapolado todos os limites da ousadia.

Depois de uma inspeção prévia em todos os cantos do quarto, ela pediu uns minutos e entrou no banheiro. Tudo parecia meio fora de lugar e não tão limpo quanto deveria. Resolveu passar por cima e curtir o momento. Não era pra isso que estava ali?

Saiu do banheiro, já enrolada numa toalha, e o encontrou mais do que pronto. E, no primeiro abraço, já querendo mergulhar nela, ele soltou uma frase que de tão proibida para a ocasião lhe pareceu quase pornográfica: eu tô morreeendo de medo de gostar demais de você e você só me querer pra sexo.

Ela se liquidificou. Seu estado passou de sólido pra gasoso e seu corpo se transformou num instrumento de caridade. Faça, faça o que quiser... Ele devia ter uma vida tão dura, bem que merecia possuir uma mulher sem restrições, sem muita frescura... Era tão jovem, provavelmente nem devia ter muita experiência naquilo que estava fazendo... Tão viril e forte, tão desesperado e agressivo... Ela previu que estaria quebrada no dia seguinte.

Ele dormiu profundamente. Ela o abraçou e, embora não tivesse sono, acabou cochilando, embalada pela respiração forte provocada pela exaustão dele. Pela janela se percebia a tarde cair e uma chuva gostosa serviu de trilha sonora praquele momento tão diferente de tudo o que previra em suas malucas fantasias de mulher em abstinência. Olhou o corpo jovem dele, e viu que, ainda ressonando, ele estava de novo pronto. Sorriu. Brincou com ele. Ele reagiu de imediato, como se estivesse acordado o tempo todo. Era um garoto... Que a usasse, como bem quisesse... Havia pouco tempo agora. Logo ele teria que ir pra outro turno de seu trabalho tão sacrificado. Coitadinho...

Na volta, estavam calados e ele se preocupou em lhe perguntar se estava tudo bem. Ela assentiu, com um sorriso. Despediram-se com beijinhos na boca, como se fossem namorados. E ela o deixou, penalizada por não poder estar mais um pouco ao lado dele, talvez adoçando um pouquinho sua vida, que parecia ser tão dura...

De repente, percebeu que esquecera por completo de si mesma. Nem lembrara de seu próprio prazer, de suas carências, de seus desejos há tanto macerados... Ele não fora nada generoso com ela na cama... mas estava se sentindo agradecida. Ele lhe dera, de pronto, a experiência de que tanto precisava para conhecer um pouco mais sobre si mesma. O quê, por exemplo? - se perguntou, sorrindo. Numa primeira análise, que ainda podia ser muito desejada... E que, provavelmente, nunca saberia fazer sexo casual. Aliás, estava tendo a sensação de que acabara de inventar uma nova modalidade, da qual nunca ouvira falar: o amor casual. Casual, sim. Mas não sexo. Amor.

Analú ;)

10 comentários:

Braulio Pereira disse...

olá bom dia.

aventura

querer provar.

fruta doce sempre é gostosa.

mas nao tem nada a ver
com amor,,


beijos..

sueli schiavelli jabur disse...

querida amiga, que texto mais lindo, mostra uma mulher a procura de si mesma, de suas sensações, motivações e principalmente realizações, a busca na verdade de um amor e não meramente por uma noite de sexo, aquele algo mais para preencher o seu vazio, excelente, bjs

Anônimo disse...

MULHERES!!!

Unknown disse...

Ah! mulheres e sonhos isso faz a diferença. Bela crônica amiga que bom que voltastes um abraço e um 2010 lindo com todos esses sonhos realizando-se.

Vanessa disse...

Tudo o que ele queria era uma noite daquelas. Ou não? Tudo o que ela queria era uma noite daquelas. Ou não? No fim...ela percebeu que não é assim, e ele também. Mas e aí, como fica? rs..

Mistérios, Magias ou Milagres. disse...

Como sempre minha querida amiga, escreve divinamente bem, você usa o sentir com inteligência e isso dá um sentido especial em todos seus escritos. Continuo achando que você merece uma boa editora para publicar. Um grande abraço. Te gosto muito. Heudes

João Esteves disse...

Analú, vejo como um rito de passagem bem sucedido essa sua estreia na modalidade crônica. Tive prazer na leitura e achei o texto bem realizado como tal.
Felizmente você explora seara rica, praticamente inesgotável, essa do universo psíquico feminino.
Caso passe a postar diariamente, pretendo esforçar-me para nas minhas brechas de tempo livre não deixar de ler nada.
Feliz 2010 em todos os escaninhos da sua vida.

Paulo disse...

Passei a correr...
Serei breve no regresso.

Paulo

ju rigoni disse...

A paixão pode nascer de sementes muito diferentes. Por isso, e por conta de alguns "sintomas" semelhantes,pode ser confundida com amor. Se é paixão, ou amor, não importa... O que importa é vivê-los.

Amei ler sua crônica. Deliciosa!

Ana, você e e será sempre muito bem-vinda. Obrigada por sua visita e suas palavras.

Bjs e inté!

OLHAR CIDADÃO disse...

Ana

Boa tarde

Que bom você ter retornado, e que retorno... ufa !

Um abraço