sábado, 11 de setembro de 2010

Confusões Tecnológicas




              A carência vinha batendo tão forte, que qualquer ambiente parecia promissor. Uma amiga havia recebido uma cantada avassaladora na fila do açougue. Por que não? Estar sempre preparada passou a fazer parte de uma estratégia de otimização do aproveitamento de oportunidades. Nunca mais saiu de rasteirinha, cara lavada, cabelo desgrenhado. Chapinha, rímel e salto alto tornaram-se itens imprescindíveis na composição do visual dia a dia. Assim, sempre: montada.
       A internet já provocara um certo desencantamento... O perambular constante pelas várias redes de relacionamento esvaziara a ilusão de que podia haver gente interessante e bem intencionada no espaço virtual. Mais fácil ir pra Marte... :(
        Mas... ainda restara Maurício. A simples lembrança da possível existência de um exemplar masculino singular cheio de qualidades, já a fez esboçar um sorriso no rosto pensativo. Puta cara legal... Interessado, constante, solícito... E de perfil diferenciado. Palestrante, frequentador de Budismo e Yoga, apreciador de bons vinhos. Até de gastronomia entendia. Se a imagem que vendia correspondesse razoavelmente à realidade, esse homem realmente devia valer a pena... 
            Excetuando o fato de que seu Face parecia uma vitrine um pouco elaborada demais, nada mais nele lhe provocava desconfiança. Nunca encontrava nada que chocasse em seu mural. Uma xavequeira ou outra fazendo alguma gracinha na óbvia intenção de tornar público algo que, talvez, em algum momento, tivesse rolado, ou não, era a coisa mais normal do mundo. Ter os recados abertos a quem quisesse ver parecia sinal de transparência... 
           Quem sabe, qualquer hora criaria coragem pra lhe mandar um torpedo? Torpedos quebravam um galhão...  numa ligação normal, uma certa insegurança na voz podia delatar fragilidade, e resultar em fracasso. Um torpedinho inocente e, se tudo desse certo, ele responderia positivamente. Se não respondesse, restaria a dúvida quanto ao recebimento da mensagem. Isso era sempre um consolo. Melhor o benefício da dúvida do que a certeza de um NÃO em alto e bom som. O risco parecia bem menor. Enfim, não morreria se não desse certo.
            Estava assim, nessas divagações, Em Carne Viva e o maravilhoso Mark Ruffalo na mão, numa fila emperrada, dentro da Blockbuster, e um esbarrão estabanado leva DVD, pipoca, chocolate, tudo pro chão. Pra aliviar o desconforto, a inevitável pergunta: 
             - Esse filme é bom? 

            É assim que, numa fila, não de açougue, mas de locadora, descobre um sorriso lindo de um outro... Maurício??? Ela não consegue deixar de rir, surpresa com a louca coincidência. 
            Pensava em um, esbarra em outro... uma troca de opiniões sobre os respectivos filmes, uma semelhança de gostos, e caminham juntos pro estacionamento. Tanta empatia, celulares na mão, por que não? Cria coragem e pede o número dele. E não é que ele dá? :)

            Voltou pra casa pensando. Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. O outro Maurício era todo especial, mas amarrado. Já haviam se falado tantas vezes, o xaveco rolava solto, mas ele não se atrevia a nada. Quem sabe esse, encontrado assim, num susto, fosse mais promissor? Tão simpático...
            De repente, o torpedo tão ensaiado pra um acabaria sendo mandado pro outro. Afinal, gostoso é o que rola tranquilamente, não o suado, como apregoam por aí.
            Em casa, num acesso de solidão e ousadia, pegou o celular. Nova mensagem. Resolveu ser objetiva: - Maurício, vem me ver! :) Não pensou duas vezes. Apertou "enviar", meio apavorada, e já era. Agora era esperar. Surpreendentemente, a resposta veio em menos de um minuto! - Um chopp à noitinha? Arregalou os olhos, desacreditando em tamanha objetividade. Esse cara devia ser descomplicado! Milaaagre! Combinaram, através de torpedos, a hora e o local. Ele a pegaria em casa mesmo, assim já conheceria o território dela.
            A aflição no estômago, o ritual do banho, depilação (nunca se sabe), o perfume, o espelho... a insegurança, a espera, a campainha!!! 
            Abre a porta e dá de cara com um enorme maço de flores, que a desestabiliza. Deusdocéu, que homem é esse? Pega as flores, agradecendo, e enxerga que homem é esse: é Maurício, o ... Maurício!!! O do Face, e não o da locadora!!! Na ânsia por superar a insegurança e ser ousada, quis ser rápida e mandou o torpedo pro Maurício errado! Que coooisa!!!
            Agora era respirar fundo e não deixar o pobre perceber a confusão. Ir em frente, apesar do engano. Bem... se Deus escrevia certo por linhas tortas, quem sabe essa não era mais uma das suas? O jeito era curtir. 
            Choppinho, conversa, sorrisos, insinuações. A firmeza da mão cheia de vontade, ensaiando umas investidas mais ousadas. Um beijo de leve no rosto, um outro no pescoço, um roçar dos lábios na orelha, arrepios, arrepios, arrepios... Finalmente, um beijo invasivo e atrevido como ela tanto gosta. A mão dele se apoiando no joelho dela, escorregando de leve pra caminhos perigosos... e um alarme interno soa, como uma sirene mesmo, barulhenta e assustadora, dentro do cérebro: o que é iiiiisso, menina???? Se recompõe, diz já ser tarde e pede que ele a leve direto pra casa. Fazer-se de difícil é básico pra continuidade de um primeiro contato. Inventa um compromisso no domingo de manhã, difícil de colar, mas útil. Despedidas, um gostinho de quero mais no ar, uma intenção de ficar, mas uma impossibilidade: ela tem filhos, devem chegar jájá, melhor que se vá.
             Esse charminho final anima uma vontade louca de deixarem algo marcado. Mas é mais charmoso ainda deixar a dúvida no ar. Um beijo de verdade, dois ou três dorme com Deus, e ela fecha a porta, atrás de si, ainda meio tonta. 
             No quarto, tenta imaginar por onde andaria o outro Maurício. Se o encontro tivesse sido com ele, teria sido melhor? Difícil... noite interessante aquela. Começara com um erro crasso, seguira com flores, gentilezas, atrevimentos, e a constatação de que, de fato, esse Maurício parecia ser o que aparentava. Agradabilíssimo ele... 
             O gostoso da novidade e alguns flashes dos olhares e toques e sensações a levaram no colo prum soninho adolescente, sem culpa nem dor na consciência. Há tempos não dormia assim, foi o que pensou, já despertando, a lembrança do final da noite vindo forte à mente. 
             No celular, nenhum torpedo. O café da manhã atropelado por uma vontade maluca de ligar o computador pra checar os recados. Ligar o computador antes de tomar café da manhã caracteriza sintoma de loucura. Agora se segurava, mas com muito custo... 
             Enfim, página de recados: nada. Mensagens: uma nova mensagem! :) Friozinho na barriga. Boa essa adrenalina, já tava com saudades... 


"Marina, tudo bem? Você não me conhece, mas eu sou namorada do Maurício, que saiu com você ontem à noite. Estou escrevendo pra te alertar: ele tá me enganando, mas ele tá te enganando também!!! :( "

             Um estremecimento, uma aflição, e... facebookcídio na veia!!! Argh!!! Pelo menos por uns quinze dias... Desliga o computador e resolve sair , ver gente de verdade, pegar um sol na cabeça. Durante a caminhada, aproveita pra deletar Maurício dos contatos do celular. Certifica-se de não fazer confusão. 
             Quem sabe, mais uns dois dias, já recuperada, resiliente que é, não manda um torpedo pro Maurício certo? Será que ele tem Face???



                                                                                              Analú

4 comentários:

Ramosforest.Environment disse...

Confusões tecnológicas e afetivas.
Um belo conto.
Luiz Ramos

Vanessa disse...

Afe!!! Quando tudo parece dar certo, dá errado - e olha que ela nem fez nada de mais. Adorei o conto, a atrapalhação, o afobamento da personagem. Mas uma coisa não vai mudar: com ou sem tecnologia, quando somos fisgadas por alguém, ficamos completamente estabanadas. Isso pode ser por celular, orkut, bluetooth e até pombo correio...rs..ou, no mais trivial nesse caso: os nomes são iguais! . É pedir pra ser mais estabanada ainda..rs..

Rose de Castro disse...

O destino prega tantas peças na vida da gente, que a gente nunca sabe se o certo é o errado e se o errado é o certo. O negócio é ir caminhando e tentando.
Adorei seu conto atrapalhado amiga!!

Beijosss

sueli schiavelli jabur disse...

querida amiga, boa noite, adorei, principalmente a cantada na fila do açouge, super romantica, quanto mais atrapalhado mais notáveis são os fatos, no fim tudo acaba dentro dos conformes, bjs