Como me aborreço demais com a
guerra midiática e como tenho consciência de que lendo isso ou aquilo ou vendo
esse ou aquele noticiário estamos sempre sendo manipulados de alguma forma,
resolvi tentar só escrever sobre o que vejo de perto, o que sinto na carne, o
que posso dizer que considero verdade.
Assim,
não estranhem se não recorro a dados estatísticos, matérias alheias ou citações
de gente mais legitimada como porta-voz do que eu. Recorrerei apenas à minha realidade
e à que posso atestar à minha volta. Longe de superestimar o valor da minha
opinião, pretendo, com isso, provocar algumas reflexões que talvez sejam
positivas neste momento em que se acirra a falta de compromisso com a verdade,
a ira preconceituosa de quem vive bem, mas não aceita que outros também vivam e
a falta de escrúpulos de quem levianamente levanta bandeiras tendo como
referência apenas seu próprio umbigo e como objetivo apenas uma derrota do PT
nas urnas.
Semanas
atrás me cortei em um objeto enferrujado. Fui a um posto de saúde perto de
casa, e uma hora e meia depois já estava vacinada contra tétano. Esperei
sentada, fui atendida por gente educada e não tenho do que reclamar. Problema
resolvido. Jamais pensaria em recorrer a um posto de saúde pública há quinze
anos.
Perdi
meu pai há alguns anos. Ele tinha 84 anos, subitamente teve leucemia, foi
internado em um hospital municipal, passou por quimioterapia e, enfim, não
resistiu. Sofremos muito, enfrentamos inúmeros aborrecimentos, mas ele foi
atendido da forma como era possível, nada nos foi cobrado e nada garante que se
estivesse em um hospital particular - excetuando em relação ao conforto -, as
coisas se dariam de forma diferente.
Também
há alguns anos, desconfiada da competência da saúde pública para resolver um
problema de uma amiga querida, levei-a ao meu ginecologista particular, em quem
confiava plenamente. Ele não conseguiu detectar um câncer de útero já em
estágio avançado. Prescreveu-lhe uma reposição hormonal que poderia ter
acelerado o processo de sua doença e ela só sobreviveu por mais 4 anos porque,
ao passar mal, recorreu a um posto de saúde, onde fizeram o diagnóstico
correto, a encaminharam para cirurgia e, a partir daí, todo o seu tratamento
foi feito gratuitamente.
Meu
irmão passou quatro anos lutando contra um câncer em hospitais públicos.
Difícil? Muito. Mas, no momento em que precisou se alimentar por uma sonda,
para se recuperar de uma cirurgia dificílima, teve, no hospital público, duas
vezes por dia, refeições de uma substância de custo absurdamente alto, que
JAMAIS lhe seria fornecida em hospitais particulares, através de planos de
saúde.
Minha
mãe foi operada de uma fratura no fêmur, em hospital particular. O ortopedista
que a operou a enxergava como um “fêmur”, ignorando todos os seus outros problemas
de saúde. Falou, totalmente alterado, na frente dela, que ela “era velha e que
velha dava trabalho” e se referiu ao seu fêmur como “podre”. Foi despachada
para casa antes de poder sentar, totalmente debilitada, para liberação do leito.
Uma senhorinha doce de mais de oitenta anos, totalmente fragilizada.
Minha
sobrinha faz plantões em um hospital particular. Estava em seu plantão quando um
senhor com suspeita de enfarte chegou. Pediram-lhe que esperasse, sem lhe dar a
menor atenção. Tendo esperado muito tempo e passando muito mal, tentou recorrer
a um médico que passava por ali, e este lhe pediu que pegasse sua ficha no
guichê de atendimento. Ao dizer à atendente que queria pegar sua ficha, ela lhe
respondeu, ironicamente, que “pegasse, pois o médico não lhe dissera para
pegar?” Os três homens que o acompanhavam pularam o balcão e começaram a quebrar
tudo. Chamaram a polícia, mas antes que ela chegasse o doente e seus
acompanhantes saíram enlouquecidos em busca de um hospital que os atendesse.
Sei
que o assunto não é nada agradável e peço desculpas por isso. Poderia ficar
aqui contando casos e mais casos de sucesso e fracasso tanto da saúde pública
quanto da privada. Mas vou poupar o leitor, terminando agora, com o de um
colega de classe. Ele teve que passar por um transplante de rim, foi atendido
em hospital público, faz acompanhamento permanente, está super bem e recentemente
nos contou, em sala de aula, que recebe na porta de casa, através de um
entregador, um medicamento caro que o governo fornece gratuitamente. E sendo,
como eu, mais velho do que a maior parte da turma e tendo passado por outros
governos, declarou publicamente que, embora soubesse que muitos não iriam
gostar do que estava dizendo, a saúde no Brasil melhorara muito depois de Lula.
Sempre
que alguém faz um relato pessoal desse tipo na frente de opositores
sistemáticos do PT, faz-se um silêncio. Porque fica difícil ao opositor refutar
uma experiência pessoal positiva, e ele se sente incomodado, porque é movido a
preconceito. Ter alguém fazendo-lhe repensar aquilo que afirma apenas porque
ouviu tanto que se pôs a repetir - que a
saúde pública no Brasil é uma desgraça - perturba. Será mesmo que é? Será que,
baseando-nos apenas nos casos que cito acima, dá pra generalizar assim? Será
que o problema é sempre e só na saúde
pública? Ou que todos os que dependem
da saúde pública estão às traças? Não creio.
O
problema da saúde é um problema extremamente complexo, porque não se trata
somente de infraestrutura, mas de material humano. De cultura. De convicções.
De motivação interna. De tanta coisa... Há profissionais bons, medianos e
péssimos tanto na saúde pública quanto na privada. Tanto na infraestrutura
sofisticada quanto na escassez de recursos.
Um
dos grandes, enormes, problemas que o brasileiro enfrenta ao precisar da atenção
de um médico é cultural. No Brasil, o médico se julga em um plano superior e
espera do paciente uma postura subserviente, o que já mina essa relação e o bom
andamento de qualquer tratamento. A vinda de médicos cubanos para cá trouxe à
tona esse e outros problemas, que precisam ser pensados. A reação da classe médica
brasileira ao refutar o programa Mais Médicos, alegando se tratar de trabalho
escravo, se faz com a mesma lógica daquela que quer desqualificar o sucesso de
Lula, depois de ter tirado milhões de brasileiros da miséria, alegando que ele, quando jovem, queria se
mutilar para receber benefícios. Uma
coisa nada tem a ver com a outra. Como poderiam os médicos brasileiros estar
preocupados com o trabalho escravo de médicos cubanos, quando não se preocuparam
nem em atender milhões de brasileiros carentes de saúde? Hipocrisia pura. Nós
vivemos em uma República. O foco é o povo. As ações têm que beneficiar a grande
maioria. Tenho conversado com muita
gente que se sente muito mais feliz hoje do que há dez, doze anos. E percebo
que há, na outra ponta, uma turma de descontentes que, surpreendentemente, não parecem
estar descontentes com sua própria vida, mas com a melhoria da vida dos outros.
Precisamos
deixar de acreditar que o mundo se resume ao que o telejornal mostra. Ele não
mostrará o alimento caríssimo que o Estado forneceu ao meu irmão, garantindo
sua vida. Mas terá amplo espaço para repetir inúmeras vezes alguma cena de
terror em algum hospital público. A desgraça no telejornal é quase sempre pública,
raramente privada. Seus objetivos são sempre em benefício próprio: aumentar a
audiência, conseguir anunciantes, militar “disfarçadamente” em favor de seu
próprio candidato. Dias atrás, em meu horário de almoço, liguei a TV e, depois
de ouvir inúmeras desgraças, perguntei pra minha irmã: “Você já imaginou quanta
coisa boa está acontecendo por esse Brasil afora enquanto estamos aqui,
estragando nosso almoço, mergulhadas na desgraça que a mídia divulga
propositalmente, com fins determinados?” Desligamos a TV, para preservar nossa
saúde mental.
Se
tentarmos avaliar o mundo olhando à nossa volta, pensando em nossa própria vida
e não apenas acreditando no que a má-fé propaga por aí e se deixarmos de
repetir sem reflexão as frases soltas que se espalham como peste sem a menor
responsabilidade, já estaremos fazendo uma grande coisa. Por nós, pela nossa
saúde, por um Brasil e por um mundo melhor.
Ana Lucia Sorrentino
3 comentários:
Parabéns, Ana, pela pertinência do texto. Abraços e boa semana. Pedro.
Realmente a necessidade de confrontarmos o que ouvimos e lemos na grande mídia, se faz urgente. Há muita matéria boa e esclarecedora nos blogs de esquerda, os ditos "blogs sujos", mas o comodismo e a falta de interesse pelo que é importante e muitas vezes vital para a maioria dos brasileiros, faz com muitos olhem apenas para que seus privilégios sejam mantidos.
Mais um texto BRILHANTE. Mais uma vez concordo com suas palavras INTEIRAMENTE Ana. Mais uma vez obrigado por ter dito o que queríamos dizer.
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