quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Momento de Fraqueza



                 


            No Paquistão, Malala é baleada por Talibans que julgam ser
obscenidade desejar estudar.
            Na África, mulheres continuam sendo circuncidadas em nome de uma cultura de fidelidade forçada.
            Na China, cãezinhos são fatiados e grelhados na brasa, no meio da calçada, para serem gostosamente comidos.
            No Brasil, índios são despejados de suas próprias terras e resolvem se autoextinguir.
            A barbárie impera.
            Pedacinhos de maridos infiéis passeiam dentro de malas por elevadores sociais, meninas bonitas são jogadas pela janela, cuidadoras são flagradas maltratando idosos, babás judiam de nenês, enfermeiros matam pacientes injetando-lhes sopa na veia...  Nos quatro cantos do mundo fundamentalistas provocam imensas tragédias em nome de Deus. Aqui, bem pertinho, pastores evangélicos vendem o perdão e as graças divinas como se vende bananas numa feira livre: gritando histericamente, sem um pingo da serenidade que se espera de quem diz ter fé. Fazem do homossexualismo uma gripe espanhola do terceiro milênio e promovem entre política e religião um obsceno acasalamento que nos envergonha mais do que filme pornô de produção fuleira.
            Louca pra chegar em casa, circulo pelas desgraças do mundo e percebo o farol amarelo. Como um peixinho que sabe não poder ganhar a liberdade pulando do aquário, aciono lentamente o freio, já sabendo o que me aguarda. Flanelinhas entocaiados surgem de todos os lados na noite paulistana enquanto um traiçoeiro farol vermelho me faz refém.  Meu cérebro, já carcomido pelos noticiários ensanguentados de todos os dias, me coloca em estado de alerta. Um rapaz vem, amistoso, e suja meu para-brisa limpo, desenhando nele um coração de água com sabão numa descarada estratégia amorosa de se criar a necessidade para vender o produto. Tudo é tão rápido... Busco uma moeda no fundo da bolsa enquanto ele elogia meu sorriso, e finjo acreditar em sua docilidade, mas sei que se eu só tiver moedas miúdas corro o risco de ouvir algum desaforo ou de coisa pior. Já passei por isso algumas vezes. Ele é rápido, e numa só fechada de farol faz três “vítimas”. Aborreço-me. De pronto minha sirene antiautopiedade dispara, tirando-me o direito de sentir em paz o que estou sentindo. Encho-me de culpa e de vergonha por lamentar coisas tão pequenas quando sei que, na verdade, faço parte de uma minoria afortunada. Afinal, até agora, pelo menos, consegui estudar, fiz bom proveito do meu clitóris, não fui colocada numa churrasqueira nem enfiada aos pedaços numa mala...
            Mas... embora meus horrores particulares sejam pequenos, também me aterrorizam.  Tanto nos minúsculos quanto nos imensos horrores, há horror.
            Acelero pra chegar a tempo de, paradoxalmente, me embriagar com a barbárie da absurda “Avenida Brasil”, e esquecer um pouco da realidade. Há que se recorrer a algum escape... Eu não fumo, não bebo, não me drogo, e frequentemente não sei o que fazer comigo mesma.  
            Eu quero, quero muito não me lamentar, mas o que sinto grita. O mundo às vezes é constrangedor...

Analú
24/10/12

 Imagem: Google - Guernica - Pablo Picasso

           



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