Eu
escrevo esta desistória para que não se perca no nada, de onde veio e de onde,
talvez, guarde alguma saudade. Temo que suma no vazio da memória. Nutre-me o
ânimo pensar que, escrevendo-a, posso dela reter alguma beleza que, tivesse
sido vivida, poderia ter. Escrevo pensando-a como uma não-desilusão, porque já
foi gestada fadada a ser em vão. Não me foi permitido crer que viesse a
acontecer, senão em minha fértil imaginação.
Vivo, desde sempre, abortando gestações imaginárias. E não, não deixarei de engravidar. A ideia do
inédito, à parte o descrédito que merece o mundo, me alimenta a alma e me
permite atravessar esses áridos e inférteis desertos com alguma alegria. Está
em mim. Brota. Floresce. Quero crer que em algum momento a vida possa, de fato,
ser. Enquanto isso, sigo tecendo-a com fios do que não foi.
Há nessa desistória personagens que poderiam ser
lindos, não fossem tragados pela negação do belo. Há vontade, muita vontade, e
uma imensa predisposição à compreensão e à cumplicidade. Há doçura, lealdade,
há sentimentos nobres e olhares que entram pelas retinas e flecham, como um
cupido, nossos corações já tão vividos. Que desistória bonita essa que nunca
foi!...
Causa-me um sentimento cujo nome ainda não existe
essa impossibilidade de me sentir triste por saber que minha possível tristeza
tem muito mais a ver com o que imaginei do que com o que de fato existe...
Mas quando olho, assim tecida, a trama da minha
vida, agrada-me encontrar tanta cor e tanta luz. Aqueles longos fios de
tristeza dos inúmeros não-vividos não raro deram algum sentido, emprestaram real beleza e até mesmo
alguma alegria aos tons tão pastéis de tudo...
domingo, 2 de agosto de 2020
Desistória
Ana Lucia Sorrentino
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