Certa vez um amigo me contou que,
quando da chegada da TV ao Brasil, ocasião em que Assis Chateaubriand -
fundador da TV Tupi e autor da célebre frase "se a lei está contra mim, vamos
ter que mudar a lei" - instalou vários aparelhos de TV pela cidade, para
plantar na população o hábito de assisti-la, seu pai, homem de visão,
profetizou que aquele aparelho "imbecilizaria as pessoas".
Ouvi, desse mesmo amigo, pela
primeira vez, uma historinha, acredito que hoje já bem conhecida, do sapo que,
mergulhado em água cuja temperatura se eleva gradualmente, não percebe a
mudança gradual e acaba morrendo cozido. E meu amigo me disse que, em relação a
essa história, seu pai dizia que um dos piores problemas do ser humano era a
"acostumação". O ser humano se acostuma com tudo e, infelizmente, o
que talvez possa parecer algo positivo, muitas vezes é a sua desgraça.
Creio que o objetivo do empenho de
Chateaubriand em semear o vício da TV no Brasil nunca tenha sido outro senão,
em última instância, o da obtenção de lucros. Ele pensava em fazer as pessoas
se viciarem em um veículo que, por sua vez, plantaria nelas o desejo de possuir
tudo o que fosse anunciado e as transformaria em consumidores vorazes. Quanto
mais se consumisse o que era anunciado na TV, mais as emissoras lucrariam com a
supervalorização do minuto comercial. Assim, aquele aparelhinho inocente que
prometia trazer informação e entretenimento, na verdade, trazia um tipo muito
específico de conteúdo, elaborado para vender produtos e semear ideologias. Lembro-me
bem de, quando adolescente, ter sido alertada sobre as mensagens subliminares
dos programas. Era preciso estar atento, porque, além da propaganda explícita,
havia um merchandising que nos afetava enquanto assistíamos, distraídos, a uma
cena romântica de novela, ou a um seriado qualquer. O jogo das mensagens
subliminares era mais desonesto do que o da publicidade dos intervalos, porque
atuava em nós sem que tivéssemos consciência disso. Os jovens de hoje nasceram
sabendo o que é mensagem subliminar. E elas são, agora, tão ridiculamente
escancaradas que de subliminares não têm mais nada. O problema é que, se antes
você estava sujeito à publicidade nos intervalos comerciais, e se depois passou
a estar sujeito às mensagens subliminares, agora você está sujeito à
manipulação em tempo integral. Durante TODO o tempo em que você está à frente
da TV, pode ter certeza de que aquilo a que você está assistindo tem um
objetivo: te vender algo. Ou um produto, ou uma ideia. Ou uma ideologia que te
transforme exatamente naquilo que a
emissora deseja.
Na década de 60, jornais que se
afundavam em dívidas enfrentaram a crise trocando reportagens por matérias
pagas. Hoje, não sabemos mais o que é jornalismo, o que é marketing. As coisas
se misturaram de tal forma que, ao assistir uma novela você pode estar
comprando um produto, um partido, uma ideologia. E ao assistir um telejornal
você pode estar comprando uma telenovela, que te venderá outras coisas.
Vivemos, assim, a totalmente despudorada mercantilização da informação. O
jornalismo é um produto como qualquer outro, no Brasil de hoje. A notícia é
vendida como filme de ação, suspense ou terror. O telejornal faz chamadas como
as de qualquer telenovela ou filme, recortando os aspectos mais escabrosos das matérias,
para chamar a atenção do ouvinte, e, então, usa estratégias de direção para
provocar nele os mais inflados sentimentos. Se você assistir a todos os jornais
durante o dia, à noite se perguntará se o mundo realmente ainda não acabou.
Porque as más notícias são pinçadas Brasil afora para compor um cenário trágico
de um país em que nada de bom se cria. E as boas são esquecidas ou delas se
fala muito de passagem, para que não haja o risco de você, de repente, gostar
do país em que vive ou ficar tão feliz que deixará de ser aquele ser carente
que precisa buscar no consumo algum tipo de prazer. É assim que a TV planta em
você um ódio irracional a tudo o que possa melhorar a vida das pessoas sem que,
para isso, elas precisem consumir. É assim que tudo o que se afasta da lógica
capitalista se transforma em inimigo a ser combatido ferrenhamente. É assim,
por exemplo, que uma democracia social se transforma em "ditadura" e que
todos os governantes de países socialistas se transformam em "líderes sanguinários".
Movidos por extrema ganância, os
donos das emissoras de TV não se importam com o que veiculam, desde que gere
lucro. Não se importam minimamente com o mundo que estão criando. E inventaram a
estranha teoria do "quanto pior, melhor". Inventaram que o
"povo" gosta de porcaria. Que é preciso ser de baixo nível para
agradar a maioria. Que a degradação do ser humano traz audiência. Mas, será
mesmo? A impressão que tenho é de que a coisa se dá justamente em sentido
contrário. É escolhendo a dedo o que há de pior na humanidade e reproduzindo
incansavelmente que a TV se constitui em verdadeira fábrica de seres humanos
degradados. A TV ensina as novas formas de golpes em detalhes. Explica o passo-a-passo.
A TV noticia, descrevendo detalhadamente, crimes hediondos, cometidos por desequilibrados,
coisa que sempre houve e sempre haverá, como se isso fosse a novidade da hora e
como se precisássemos disso. A TV dá espaço a apresentadores que dão
visibilidade ao pior tipo de cultura. Você pode ligar a TV num programa, às 9
horas da manhã, e dar de cara com uma mulher seminua dançando funk e até mesmo
ver a apresentadora dançando Lepo Lepo e gesticulando grosseiramente para
terminar, é claro, com a infeliz afirmação de que "o Brasil é isso".
É mesmo??? Não o que eu frequento, sinceramente. A música que se divulga maciçamente na TV
é o pagode, muitas vezes de letras de baixo calão. A maior parte dos programas
de humor são de péssimo gosto, recheados de preconceito e conseguem atravessar longos
anos no ar. O malfadado BBB, apresentado por esse homem por quem, algum dia, eu
tive respeito, foi, a cada edição, recrutando gente de nível cada vez mais
medíocre e cada vez mais disposta a se expor e às suas próprias misérias sem o
menor pudor. A molecada assiste e se acostuma. É a terrível "acostumação"
de que falava o pai do meu amigo. Depois de se acostumar, deixa de se indignar.
Há pouca coisa que provoque indignação nos jovens de hoje, e isso é muuuito
preocupante. Depois de deixar de se indignar, grande parte dessa juventude
reproduz os estapafúrdios comportamentos que já considera normais de tanto ver.
Na edição que está no ar uma garota transou sem camisinha embaixo do edredom
com um "fulano" que conhecera dias antes e teve que pedir à produção
uma pílula do dia seguinte. Lembro-me de ter visto, por acaso, uma cena daquele
"A Fazenda" em que, em uma briga, dois participantes ficaram cara a
cara cuspindo um no outro por minutos. Acho que nem o "Alien", de
Ridley Scott, me causou tanto terror. Uma briga entre dois dragões de Komodo
deve ser mais bonita. É assim que a educação e os hábitos da juventude vêm se
degenerando em progressão geométrica.
Enfim, acredito que você já tenha
compreendido. A TV está te cozinhando aos poucos e você fica dentro da água
quentinha achando até gostoso. E, quando menos percebe, está se autointitulando
liberal, apesar de não ser rico, está gritando pela volta da ditadura, sem nem
ao menos saber direito o que foi isso, está odiando política, sem saber sugerir
qualquer outro caminho, está acreditando que precisa desesperadamente de coisas
de que não precisa em absoluto, está desrespeitando seus pais, seus
professores, seus companheiros... A TV te quer como sapão. Um sapão cozido.
Ana Lucia Sorrentino
Imagem: Google
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