domingo, 26 de dezembro de 2010

Felicidade Obrigatória

Antes de ontem foi véspera de Natal, ontem foi Natal, e hoje é um dia depois do Natal.
Semana que vem será o final do ano. E depois, o primeiro de ano. E, depois, o segundo dia do ano. E assim sucessivamente.
Há mais de um mês que se observa mudança significativa na vida da cidade. Excesso de trânsito, correria. Uma certa dificuldade pra se trabalhar, e uma resistência das pessoas em resolverem coisas importantes, porque , afinal, estava chegando o Natal.
Na última semana, era difícil ir ao mercado, ao shopping, à esquina. Estabelece-se uma onda de consumo desenfreado, e às vezes, olhando em volta, tem-se a impressão de que o mundo vai acabar.
Vivemos em ciclos. Há ciclos internos, nosso organismo se reciclando, nossa vida pedindo mudanças, nosso emocional querendo novidades, nosso afetivo desejando um novo amor...
E há os ciclos externos, determinados por datas específicas, por marcações de tempo, por cumprimento de jornadas.
Os ciclos, parece-me, nos ajudam a viver. A vida é uma coisa que segue, segue, segue, e, se fracionamos o tempo, às vezes temos a impressão de que isso ajuda. Até porque determinamos pausas, entre um fragmento de tempo e outro, para descanso. Férias.
Todos os anos fico muito impressionada com a alteração no comportamento das pessoas por conta do Natal e do final do ano. E, pra não ser estraga-prazeres, raramente explicito o que penso. Mas penso que se vivêssemos de forma mais consciente e se respeitássemos um pouco mais nossos ciclos internos seríamos mais felizes, o prazer estaria presente de forma mais intensa no nosso dia-a-dia e essas paradas forçadas não seriam tão absurdamente necessárias.
Vejo que para curtir férias de dez ou quinze dias, muita gente entra numa paranóia um mês antes e se estressa mais do que se estressaria se não tivesse férias. E muitas vezes me parece, observando alguém que sonha com um paraíso distante, que a busca, na verdade, é por algo que falta dentro de si mesmo. O paraíso vai distrair um pouco o buraco interno, mas ele não deixará de existir, estará lá quando a rotina voltar ao normal.
Em nome de comemorar o nascimento de Jesus, muita gente se mata, gasta mais do que pode, se desgasta e termina o ano cansada e no vermelho. E, na loucura das compras e dos preparativos, as pessoas acabam esquecendo-se do aniversariante, e do que ele ensinou, que foi o amor, a aceitação do outro como é, e a simplicidade.
Nos últimos dias cruzei com pessoas que não estavam felizes. E que, por não estarem felizes numa época em que a felicidade é obrigatória, estavam mais infelizes ainda.
Afinal, dá pra se marcar dia pra ser feliz?
E dá pra se marcar dia pra pedir ao coração que perdoe todo o descaso que se sofreu durante o ano, e que se abra pra receber com abraços aqueles que não nos abraçaram quando precisávamos disso desesperadamente?
Dá pra se pedir a um coração machucado que cicatrize artificialmente pra que possamos sentar à mesa com quem nos magoou, em ceias regadas a hipocrisia?
Sentimentos não se impõem. Por mais que tentemos entender racionalmente as razões de alguém, o coração tem seu tempo, e ele não aceita suborno.
Os ciclos impostos muitas vezes brigam ferrenhamente com os ciclos internos.
E, infelizmente, muitas vezes as pessoas não entendem que desrespeitar nosso tempo interno em nome dos chamamentos externos pode nos fazer adoecer.
O espírito de Natal, a que muitos recorrem pra insistir em reaproximações precoces, confraternizações superficiais, forçações de barra, se existe, deveria existir durante os 365 dias do ano. Que começássemos em primeiro de janeiro a prestar atenção nos que nos rodeiam, a ter compaixão pelo próximo, a estar mais atentos às necessidades de carinho que o outro tem. Que nos abrir a escutar e tentar entender o ponto-de-vista alheio fosse uma constante, para que estivéssemos próximos de verdade e quando as festas chegassem, sentar à mesa e brindar fosse simplesmente consequência de um relacionamento consistente e verdadeiro.
Seria bonito se conseguíssemos presentear nossos parentes e amigos todos os dias, com nossa presença, nosso carinho, nossa atenção. Nos importando de fato com eles, e fazendo-os perceber que não estão sozinhos.
Aí, sim, chegando o Natal, a confraternização, o sentar-se à mesa para comer juntos e a troca de presentes materiais seriam uma forma de comemorarmos o que existiu de fato, durante todo o ano: o amor.

Analú

5 comentários:

Edson Marques disse...

Ana Lúcia,


Vou até citar esse teu texto lá no blog Mude.

Flores!

Falcão Peregrino disse...

Olá,
Belo texto.
Também acho que é por aí.
Gostei do blog, vou seguir.
Visite o meu, se achar interessante, siga.
Obrigado!
Até +

João Esteves disse...

Muito bem tecidas, todas essas considerações sobre a comemoração do nascimento de Jesus. Concordo da primeia à última liha.
Boas festas pra você, caso festeje. Não comemoro nenuma destas datas, por opção pessoal. Quem gosta de mim continua gostando, e quem não gosta continua não gostando, numa boa, sem essa "felicidade imposta" de que você fala. Seu texto no fundo me explica.
Beijos

Paulo disse...

Tenho chamado isso de inferno astral, no meu caso. Mas suas considerações me ajudaram um pouco a compreender que ser feliz com data marcada é que me deixa agoniado. E a passagem de ano vem aí...

carlosonofre disse...

Seria maravilhoso se não fosse somente nessa época a troca de calor humano,que de certa forma,muitas vezes não é bem calor,mas,uma mistura de mentiras recheada de má intenções...Parabéns querida,vc é maravlilhosa!Beijos!!!