domingo, 2 de dezembro de 2007

XIV - Mais Uma Forma de Fazer Contato Com Sua Alma - "O Capote Expiatório"

Ao longo de “Mulheres que correm...”, por inúmeras vezes, Clarissa insiste em
que usemos a arte para entrar em contato com nossa alma, para manifestarmos o que temos de melhor em nós. São verdadeiras “chamadas” que nos despertam instantaneamente uma enorme vontade de nos dedicarmos à arte com que mais nos identificamos. Você gosta de escrever? – ela pergunta. E encoraja: - pegue lápis e papel, e escreva! O que você gosta de fazer? Faça! Vá desenhar, pintar, esculpir, bordar, tocar, cantar, mas vá! Crie, transforme essa maravilhosa energia criadora que você tem dentro de você em algo que possa ser lido, visto, ouvido, apreciado, criticado! É sempre altamente gratificante! A sensação que temos depois de criar algo de que gostamos nos preenche de tal forma, que, por algum tempo, parece que não precisamos de mais nada. Estamos ancoradas em nós mesmas. Se o que sentimos em relação ao que criamos é positivo, a crítica alheia não importa. “Dane-se”- é o que penso quase sempre quando sinto que escrevi algo muito bom, mas alguém insiste em achar defeitos. Esse sentimento é o exato oposto daquele que já citei, que nos acomete depois de passarmos um dia inteiro à la zumbi, servindo aos outros e nos deixando de lado. Aquele imenso vazio transforma-se numa maravilhosa plenitude.

Além disso, o trabalho artesanal, como já comentei na primeira parte desse post, faz com que você se interiorize, e se o tema do trabalho for a sua própria vida, então você estará, como La Loba, percorrendo estradas e leitos secos de rios, e aposto que voltará com um bom feixe de ossos sobre os ombros!

Como estávamos conversando sobre as formas de recolher ossos, considero que caiba aqui subverter novamente a ordem dos textos do livro, para sugerir mais uma, baseada num relato que Clarissa dá no décimo terceiro capítulo - Marcas de Combate: A participação no Clã das Cicatrizes.

Em seu relato, Clarissa conta que, às vezes, ensina as mulheres com quem está trabalhando a fazerem um capote expiatório, de tecido ou de algum outro material. Ela explica: “Um capote expiatório é um casaco que descreve em detalhes, pintados ou escritos, e com todo tipo de coisas costuradas ou pregadas nele, os insultos que a mulher sofreu na sua vida - todas as ofensas, calúnias, traumas, feridas, cicatrizes. É a sua afirmação da experiência da mulher de ser transformada em bode expiatório. Ele é de extrema utilidade para a descrição de todas as mágoas, baques e golpes da vida da mulher.”

A princípio, Clarissa fez um capote para si mesma. Diz que ficou pesadíssimo, tantas as coisas que fixou nele. E que sua intenção inicial era incinerá-lo, quando estivesse pronto, para que, com ele, sua antiga fragilidade também fosse incinerada. No entanto, ela pendurou o casaco no teto do corredor e, ao passar por ele, em vez de se sentir mal, sentia-se extremamente bem, porque havia sobrevivido a tudo aquilo, e era admirável o fato de estar “andando inabalável, cantando, criando e abanando o rabo”. O mesmo acontecia com suas pacientes. Elas nunca queriam destruir seus capotes expiatórios, ou mantos de combate, depois de prontos, porque eles eram a prova de sua resistência, derrotas e vitórias. Clarissa compara esses capotes aos hieróglifos que o povo lakota pintava em peles de animais para registrar os acontecimentos do inverno e aos códices de registro dos grandes eventos das tribos dos povos náuatle, maia e egípcio. Se pergunta o que as netas e bisnetas das donas desses capotes pensarão, ao ver as vidas dessas mulheres assim registradas, e fica desejando que lhes expliquem, porque ali estão suas mais difíceis opções. O capote expiatório e a intenção inicial de Clarissa, de queimá-lo, me lembrou alguns rituais japoneses em que escrevemos num papel tudo aquilo de que queremos nos livrar, como mágoas ou remorsos, e depois o queimamos, orando.

Minha sugestão, baseada nesse relato de Clarissa, é de que você não fique só pensando. Faça seu capote expiatório, usando a arte que tenha mais a ver com você. Adapte-o ao seu bel-prazer. Sei que quando a coisa começa a ficar meio complicada, a tendência é “deixar prá lá”, então, vamos pelo caminho mais fácil. Se você não é muito afeita a costurar, ou lidar com tecidos, mas gosta de desenhar, desenhe! Pegue uma folha de cartolina, algumas canetas hidrocor, ou o material de que goste mais, desenhe o capote, limpo, e então comece a lembrar dos momentos cruciais da sua vida. Na minha opinião, já que você já sabe que a intenção não é necessariamente queimá-lo, mas orgulhar-se dele, acho que podemos ir mais longe: faça um verdadeiro mapeamento de todos os momentos importantes da sua vida, não apenas daqueles em que sofreu ou foi sacrificada, mas também daqueles em que foi muito feliz, em que se sentiu realmente viva. Você pode descrever cada momento desses num pequeno post-it e grudá-lo ao desenho do capote. Se gosta de escrever, escreva! Essa catarse você terá de fazer da forma que achar melhor. No meu caso, ao recolher tudo o que já havia escrito, percebi que passara toda a minha vida fazendo a minha. Em ordem cronológica, ali estava tudo. E eu, pessoalmente, também jamais tive vontade de queimar meus textos, mas sempre me orgulhei deles e, relendo-os, sinto-me realmente, forte, porque vejo que sobrevivi, exatamente como Clarissa descreve.

Mas, nessa atividade, há algo que considero tão ou mais importante do que simplesmente lembrar e registrar. Não faça isso com pressa. Não se imponha um prazo para terminá-la. A própria Clarissa diz que pode-se demorar um dia ou meses para terminar um trabalho desses. Acredito que seja extremamente importante, a cada registro que você fizer, você realmente lembrar porquê aquilo, naquela ocasião, te causou tanto desgosto ou alegria. E como você vivenciou isso, como curtiu essa alegria ou como livrou-se da dor. Que crenças você tinha, que fizeram com que o acontecimento fosse tão traumático? De onde você tirou forças para reagir? Que estratégia usou para superar a situação? E, depois de superá-la, como se sentiu? Hoje, quando se recorda, o que pensa disso? Se a situação se repetisse, no seu contexto atual, reagiria diferente? Não sofreria tanto? Sairia dela da mesma forma? Ou ela já representaria uma “bobagem”, com a cabeça que você tem hoje? Se você achar interessante, registre num caderno, ou num arquivo, todas essas impressões. Você estará escrevendo a história da sua vida; mais do que isso, estará compreendendo essa história. E, através dessa compreensão, acredito que poderá escrever uma história mais feliz daqui pra frente.

Outra coisa tremendamente importante: você conseguirá captar se realmente tudo em sua vida foi resolvido. Ou se você pulou algumas etapas, escondeu sujeiras sob o tapete, “fingiu” ter engolido coisas que, na verdade, apenas está mascando, como um chiclete velho que já causa engulhos, mas que você não sabe onde jogar.

Essa é a hora pra você começar a resolver tudo isso. Resgate as etapas perdidas, viva o que não foi vivido, levante o tapete, encare essa sujeira e varra-a para o lixo, cuspa esse chiclete, você não precisa engolir isso! Faça uma limpeza na sua vida. Chore rios de lágrimas, se for preciso, mas, como diz Clarissa, essas lágrimas vão desencalhar do meio das pedras o barco que carrega a vida da sua alma, e vão carregá-lo para um lugar novo, um lugar melhor. Tenha essa coragem. Isso é imprescindível. Bom trabalho!

Beijo!

Analú

6 comentários:

Unknown disse...

Até parece presente de Natal adiantado, não vou escrever mais nada, vou pintar uma cadeira!!!beijosssss

Anônimo disse...

Analú, você não imagina a dificuldade que uma mulher comum sente em expressar seus sentimentos, quanto mais de expo-los. Todas essas questões que voce levanta neste post são muito verdadeiras e, pra quem tem laços como nós, chega a abalar ainda mais. Não sei avaliar se analisar tanto assim como você sugere pode ser bom ou não, uma vez que vivemos num círculo vicioso difícil de ser modificado por uma série de questões, ou melhor, pra mudar qualquer coisa é preciso ter "muita coragem" e, sinceramente, acho que vivemos acovardadas...é vergonhoso, mas é a realidade, não só minha, como da grande maioria das mulheres. Beijo grande, Marisa.

Ana Lucia Sorrentino disse...

Marisa: é claro que imagino! Mas é exatamente por isso que fiz esse blog, e por isso que insisto tanto nisso! Analisar por analisar não levaria a grande coisa. É preciso analisar com o objetivo de melhorar o que não está bom. Mas continuo insistindo: as amarras são sempre, as nossas crenças. Questioná-las já é um bom começo. Se derrubamos uma crença furada,tudo fica fácil. Por exemplo: "Ah, se eu fizer isso, vai acontecer aquilo." Comece se perguntando: vai mesmo? Por quê? E se não for assim? Daqui a pouco você vai perceber que a sua realidade é você que faz.
Fingir que se conforma é a pior saída.

Beijo!

Analú

Paulucha! Adoooro quando você passa aqui e demonstra estar com uma cabeça ótima! E fico super feliz quando percebo que você já entendeu tudo! Depois me conta como ficou a cadeira!
Te amo, tia!

Beijo!

Anônimo disse...

Oi Ana..
Muito boa sua colocação! Mas o que me chamou a atenção foi o "chiclete".
No dia do meu casamento, mascava um...
Entrei na solenidade mais pra lá do que pra cá...e mascando chiclete!! O padre não era um padre, visto que casei em um cabaré e foi um representante de uma igreja que tb não me lembro...
Na hora da cerimõnia, o tal padre solta uma pérola:"A mulher deve ser submissa ao homem"....Não tive dúvidas e estorei uma bola enorme de chiclete na cara dele!!
Passaram-se 19 anos, não estou mais casada,e muita vezes esse chiclete esteve presente na minha vida, não por ser submissa...com o passar dos anos certos "clichês" da relação deixaram de existir(pelo menos no meu caso).

Foram poucas ás vezes na minha vida, que fiquei com o chiclete engasgado..na maioria das vezes, fiz a tal bola com ele....e saia andando...mesmo que chorando...mas sempre procurando uma saída, uma alternativa melhor!!
Sei que sou excessão...mas desde criança ouvia minha vó dizer: "Cuidado para não engolir chiclete...ele pode grudar em alguma parte do seu corpo e matar"!!
E eu digo..cuidado com as mágoas da vida...elas grudam e matam!!

Faça bolas com seus chicletes...ao menos são divertidas..e estouram!!

bjss querida..
Adoro seus textos!
Adriana Junqueira

Ana Lucia Sorrentino disse...

Adri! :) Óóóóóóótemo ter vc por aqui! rsrs... Mas, se colocquei bem a coisa do clichete, vc me parece que colocaou mais ainda! hahaha! Olha quantas opções! E vou te dizer, se engolir, acaba matando meeesmo!
Obrigada, querida! Adorei seu comentário!
Analú

Anônimo disse...

Olá Ana gostei do que vem postado aqui e caso queiro poderei contribuir caso goste do que escrevo em meu Blog http://namasteterapias.blogspot.com de uma olhadinha no meu perfíl e caso goste tenha em mim uma amiga... também trabalho com os 5 sentidos com PNL... No orkut tenho uma pagina onde há mais possibilidades de postar mais coisas ainda ontem lá postei uns videos da Louise L. hay...

Omelhor dela veja maravilhosamente claro, transparente...
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 01 http://www.youtube.com/watch?v=opJhCq8ocJQ
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 02 http://www.youtube.com/watch?v=pHtZOdiTu20
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 03 http://www.youtube.com/watch?v=5lnRaa8R2fU
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 04 http://www.youtube.com/watch?v=3lhmroZQuKs
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 05 http://www.youtube.com/watch?v=ca8MjXu5ebo
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 06 http://www.youtube.com/watch?v=dVXvu1Y6DlQ
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 07 http://www.youtube.com/watch?v=mtutfInEH0A
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 08 http://www.youtube.com/watch?v=ZPAOiXiwA_Y
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 09 http://www.youtube.com/watch?v=-nmDdeMsV6o
Louise L. Hay - Vc cura sua vida P 10 http://www.youtube.com/watch?v=BA8UZXj-oEM

Bjus... LUiza...