segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Como o mundo cria e alimenta Bolsonaros?





         
          Não se iluda, eu não tenho a resposta. Mas a pergunta é recorrente em mim, e tentarei aqui alguma reflexão.  
         O que me intriga não é a legião de bolsonarinhos anônimos que vivem por aí, nos constrangendo com seu comportamento inadequado à civilização.  O que me intriga é que tipos como esse consigam se transformar em "alguém" que desfruta de uma situação relativamente confortável - excetuando seu provável desconforto interno pela convivência consigo mesmo -, que tem um lugar no mundo, e que consegue ser "aceito", com toda sua asquerosidade, por gente que, por não rejeitá-lo, alimenta sua estadia nesse planeta sem condená-lo ao ostracismo, à solidão, à penúria, ao fracasso total. Pior: que esse "alguém" se infle, consiga seguidores, defensores, eleitores (!!!) e uma peçonhenta visibilidade, que acaba por contaminar fracos de espírito, desavisados, equivocados ou até mesmo simples desgostosos desse nosso mundinho que está pra lá de deixar a desejar. 
            Eu sei - o mundo está cheio de gente horrível, de fatos medonhos, de crimes hediondos, de barbaridades... Também sei que, se alguém tem uma péssima ideia, mas grande espírito de liderança, sempre conseguirá angariar militantes para sua causa. Vide Hitler.  Estamos cansados de ver nos noticiários crimes bárbaros sendo cometidos por grupos que compartilham da mesma crueldade. Também estamos fartos de ver grupos políticos defendendo líderes retrógrados e conseguindo fazer barulho. O ser humano nos surpreende todos os dias, para o bem ou para o mal. Entretanto, ao menos para mim, soa muito diferente o fato de um psicopata conseguir comparsas para realizar um crime - o que se faz às escuras -, do fato de alguém com um comportamento totalmente estapafúrdio fazer uma escalada na vida pública, entre pessoas que deveriam prezar pela civilidade, em uma época como a nossa - que, definitivamente, não é mais a de Hitler -, em que absolutamente tudo o que se faz está exposto na mídia e sujeito ao julgamento alheio. Apesar de ver muita gente destilando ódio por aí, parece-me que o senso comum ainda deseja um mundo onde prevaleça o bem. Porque, afinal de contas, se essa máxima deixar de valer, a vida será inviável. E é então que um personagem controverso como Bolsonaro ganha espaço - ao apresentar soluções extremadas e simplistas para problemas extremamente complexos. Talvez o que, para mim, pareça um enorme mal - como a defesa da pena de morte ou a diminuição da maioridade penal, sem falar em sua defesa à ditadura -, para muitos, mais imediatistas, pode parecer um enorme bem.  Mas deixemos essa ambiguidade teórica no campo da teoria. A meu ver, o mais preocupante é que as teorias de Bolsonaro ganhem força e adeptos, apesar de sua postura pessoal absolutamente repreensível. Fotografada, filmada, exibida nas redes sociais, enfim: uma postura grosseira de um homem que mais parece um selvagem, que faz daquilo que tem de pior seu marketing pessoal, que não respeita o ser humano, nem seu ambiente de trabalho, nem as mais elementares regras da boa educação, e que se perde no tom da voz, no discurso e nas atitudes, contrárias a tudo o que se pode esperar de alguém que ocupe sua posição e até mesmo de qualquer cidadão comum. Que lógica pode sustentar a paradoxal crença em que um produtor do mal possa ter boas ideias para combatê-lo?
           Quando, em determinadas situações, não combatemos o mal porque ele está além da nossa capacidade de combatê-lo - seja porque fisicamente distante de nós, seja porque não temos o menor poder sobre ele -, somos até capazes de perdoar a nós mesmos pela nossa inação.  Mas, e quando cruzamos cotidianamente com uma figura abominável e a toleramos sem ressalvas?  Eu tento imaginar a quantas pessoas essa criatura agrediu, ao longo de sua vida, verbal e fisicamente, ou simplesmente com a própria postura. E... no que deu tudo isso?  Eu não sei se ele foi admoestado por seus pais, eu não sei se ele foi expulso das escolas em que estudou, eu não sei se a mulher dele nunca o repudiou, nem sei se seus filhos nunca questionaram seu comportamento. Mas tudo isso não deveria ter acontecido? Não sei se teve ou tem amigos verdadeiros.  Mas sei que ele seguiu em frente e foi se mantendo no poder, cada vez provocando mais polêmica e a cada nova investida se mostrando mais descontrolado. Será que, em algum momento, esse homem quebrou a cara com seus relacionamentos pessoais? Ou será que TODOS com quem convive concordam com suas ideias?  Improvável, não? 
          Eu conheci cafajestes e me afastei deles. Nem sempre é fácil, e eles sempre encontram quem os acolha. Às vezes são tão fanfarrões que servem como bobos da corte, e as pessoas, em geral, adoram rir...  É um verdadeiro mistério o que estimula pessoas a se unirem. Nessa nossa pós-modernidade, normalmente os seres humanos não se importam muito com os valores morais, se usam como mercadorias, prestam favores uns aos outros, preenchem o enorme buraco que têm dentro de si com a presença alheia - seja ela agradável ou não -, se aborrecem mutuamente... e, infelizmente, não querem mais questionar o comportamento alheio. Isso dá trabalho. A pós-modernidade trouxe um componente de aceitação de tudo o que é diferente e parece ter esquecido que nem sempre o diferente é aceitável. O "diferente" que prega o atual discurso democrático de tolerância se refere a raças, religiões, crenças, posturas políticas, modos de vida. Mas está havendo uma confusão entre "tolerância" ao diferente - conceito que inclui o respeito ao próximo - e aceitação de tudo, sem questionamento - o que inclui aceitação do desrespeito ao próximo.
           Todas as vezes que nos calamos perante o desrespeito, o abuso, a falta de educação, enfim, perante ações que fazem nosso mundo mais feio, estamos sendo cúmplices. E, olha... o mundo está precisando desesperadamente se embelezar. Com a educação, com o respeito, com a gentileza, com o cuidado com o outro. 
            Se Bolsonaro chegou onde está - e pela sexta vez! - é porque uma legião de gente da mesma laia que ele o colocou ali. Porque não se pode negar que há quem pense como ele. Mas, antes disso, muita gente que cruzou seu caminho e o de seus eleitores os tolerou, fermentando esse nefasto substrato.  Eu não sei se por interesse, por covardia, por preguiça ou o quê. Sei que, se às vezes nossa voz é fraca demais para ser escutada pelos bárbaros, ao menos podemos lhes deixar falando sozinhos. Podemos privá-los da nossa companhia. Podemos nos negar a ser coniventes com sua deselegância. Podemos sair do ambiente quando eles entram. Podemos deixar sua vida mais triste e difícil. Podemos. E é por isso que assistir aos vídeos que mostram Bolsonaro barbarizando no Congresso me causa profundo horror, mais pela condescendência quase geral dos que ali estão do que por ele mesmo. Sei que uma parcela dos políticos se manifestou. Mas foi uma parcela muito, muito pequena... E todo o resto, rindo à meia boca, fingindo que não viu ou que não tem nada com isso, fazendo cara de paisagem? Alimentando, enfim, sua monstruosidade? São covardes? São tão horrendos quanto ele e se comprazem com seu discurso? Têm o rabo preso? Afinal, damos nosso voto pra que essa gente nos represente e depois precisamos constatar aterrorizados que há ali uma maioria que não consegue nem ao menos impor respeito dentro da casa em que trabalha? Se o Congresso é realmente representativo do povo que o elegeu, sua conivência com tudo de ruim que Bolsonaro representa significa que estamos muuuito mal. Ou começamos, por conta própria, a fazer algo pela educação em nosso país, ou estamos fritos.   
          
                                                       
                                                                           Ana Lucia Sorrentino
       

                      
    

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Elite fantasmagórica


























Como os senhores de Hegel, 
servos de seus servos.
Dependentes do trabalho
e do olhar alheio,
é nas vitrines que buscam
o que lhes falta - recheio.
É na grife, na pose,
na posse.
No carro do ano
- prolongamento do pau -,
na pinta de rico,
na arrogância infernal.
Na bolsa Vuitton,
no erro no tom,
na fraca moral.
É no engano aristotélico
de achar-se melhor e mais
e querer que alguns lhes sejam
naturalmente serviçais.
É na pura insanidade
do viver só de vaidade,
manter-se só de fachada
e por dentro não ter é nada.
Vira-latas carentes,
imperialistas subservientes,
abanam o rabo
e lambem, em adoração,
os EUA e o mercado.
Sono de pílula,
sexo sem tesão,
glamour de fachada,
hipocrisia em profusão.
Muitas pseudo-aventuras
e nada, nada, nada,
absolutamente nada
de compaixão. 
                       Ana Lucia Sorrentino