domingo, 27 de fevereiro de 2011

Filosofia – Primeiras impressões



Nunca tomei tanta chuva como nas três últimas semanas.
Parada no meio da sala, o descampado à frente me faz temer ser atingida por um raio.
Em plena crise de cosmogonia egocêntrica, imagino que Thor esteja muuuito bravo comigo, deve estar querendo me castigar por ter demorado tanto a olhar pra mim mesma.
O sorriso do manobrista, o barba, é dos mais doces que já encontrei.
A menina que me abriga sob seu guarda-chuva fica no ponto de ônibus e então retribuo a gentileza, oferecendo-lhe carona até o metrô. Ela nega, me agradecendo, desconfiada. As pessoas se protegem.
Eu, nem ao menos cortina na sala coloquei...
Quanto mais me exponho, menos vulnerável me sinto.
A água vem, invade, molha, lava e leva... Talvez as últimas camadas de rigidez que, por sua natureza, tenham resistido a me abandonar por vontade própria.
Um quarteirão e meio mais quatro lances de escada me põem de língua de fora.
E a diversidade de carinhas e sorrisos e cores e intenções e vontades faz difícil a tarefa de me fixar unicamente nos conteúdos. Mas, quem disse que é preciso? E o que é, exatamente, o conteúdo? Há tanta coisa a se aprender apenas olhando em volta...
Troco a caneta por um lápis-borracha. As informações não são consistentes. Nada é consistente... a não ser, talvez, a inconsistência das coisas.
O multifocal me ajuda a ver de longe e de perto, mas o movimento... fica tudo meio embaçado.
A maior parte dos raciocínios mais elaborados, de alto grau de dificuldade, e que nem sei de onde surgem, ou para quê, terminam quase sempre em é complicado..., ou é problemático. O que não deixa de ser uma boa conclusão.
Mordo a língua com frequência, pra não atrapalhar raciocínios em andamento. E, embora ache isso antipático, entendo um pouquinho porquê Pitágoras queria que seus alunos se calassem por cinco anos antes de abrir a boca. Mas me apaixono pelo esforço hercúleo que o garoto do outro lado da sala faz, querendo entender o que não consegue. Cria-se uma energia interrogativa quase palpável ao redor dele.
Continuo considerando o dogmático um chato. Respeito o acadêmico. E descubro que, embora o cético tenha lá sua chatice também, é profundamente interessante.
O ser pode ser tudo, pode ser um verbo, pode ser uma atitude, pode ser a essência, pode ser... ou não ser???
Amor platônico é um termo que usamos erroneamente, quando pra definir um amor que não se realiza carnalmente, porque pra Platão, real mesmo é o mundo das formas e não o mundo sensível. Mas vamos continuar dizendo e sentindo assim, porque nós, pequenos mortais, queremos mais é sentir na pele e por isso fica complicado entender esse amor tão maior.
Conheci um monte de gente importante em pouquíssimos dias: Bárbara, Eia, Antonio, Aristóteles, Parmênides, Diego, Piva, Helio, Aldo, Flávio, Sócrates, Dores, Felipe, Platão, Vlademir, Heráclito, Ronie... ihhh... já perdi a conta. De Heráclito não tenho o e-mail mas, nesse primeiro flerte, foi quem mais me seduziu, apesar de ser meio antissocial. :(  Talvez os doxógrafos me ajudem a entrar em contato...
Tenho mil coisas pra ler, mas fico aqui escrevendo. Deve ter a ver com essa minha natureza desmedida.
E me flagro ingenuamente admirada com tudo isso... ;)

Analú

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Mudanças

Essa semana me mudei. E mudei. E percebi como uma mudança de endereço promove mudanças bem mais importantes do que a do próprio endereço.
Em meio a mil problemas técnicos, um caos de caixas espalhadas pelos cantos, peças de roupas e carregadores de celulares perdidos, me encontro. Passo de um quarto ao outro colocando alguma ordem no caos estabelecido e me pego sorrindo cada vez que olho por uma das sacadas do meu novo lar. Tudo verde lá fora.
O novo horizonte é a metáfora perfeita do que espero da vida: beleza.
Nos últimos dias meu cérebro deve ter produzido mais novas sinapses do que em todo o último ano. No meu novo apê quase tudo está invertido. Procuro à direita o que acabo encontrando à esquerda. Estou tendo que reposicionar tudo. Dentro e fora de mim.
A mudança exigiu revisão geral: o que uso, o que não uso, o que guardava só por apego, o que não me serve mais... e que estilo de vida quero ter a partir de agora. O novo espaço me obriga a repensar tudo. E isso, nesse momento, me cai como uma luva. Inicia-se uma fase em que serei mais profissional do que dona-de-casa, e já não era sem tempo. Dois filhos criados e uma enorme vontade de me jogar no mundo aliam-se a um desejo que tenho desde sempre de brincar com a liberdade.
E então, curtindo cada novo vizinho que me dá as boas vindas, cada funcionário que se mostra atencioso, cada nova rota que testo, andando por ruas que não conhecia pra ir aos lugares que já frequentava, vejo como é saudável mudar!
Essa semana foi toda especial. Além da casa nova, comecei um novo trabalho, e a faculdade. A primeira aula de Introdução à Filosofia me fez voltar pra casa com uma agradável sensação de que acertei na escolha do curso.
E, me comparando à menina que aos dezessete anos entrou na Faculdade de Letras e aos dezenove casou, totalmente desavisada, me senti numa vantagem tão grande, que a vislumbrei tendo inveja de mim! Rsrs...
Mas... o que quero deixar em você, contando tudo isso?
Quero deixar um estímulo. Uma palavra de coragem. Uma vontade de ousar.
Muitas mulheres passam a juventude temendo o envelhecer. A proximidade dos cinquenta, o estigma do meio século de vida trazendo malfadadas rugas, banhinhas a mais, excesso de maciez... rsrs... faz com que se instale uma neurose e se canaliza tempo demais brigando contra aquilo que será inevitável. E o bom da coisa, que é o estar mais segura, menos medrosa, o ter menos a perder, que nos empresta um ar novamente jovial, mas agora mais tranquilo, parece ter menor valor.
Se estou hoje me presenteando com novidades, foi porque tive o desprendimento de abrir as mãos e largar uma segurança que não me fazia mais feliz. Mãos livres, pude agarrar as oportunidades que me surgiram e que emprestam, a mim e à minha vida, novas cores. Mais colorida, hoje desperto muito mais a admiração alheia do que quando menina.
Talvez seja porque a beleza, mais do que em formas perfeitas, está no brilho do olhar, no viço da pele, na luz do sorriso de quem se atreve a ser feliz. :)

Beeeijos!!! :)

Analú

Postagem originalmente publicada no Guia da Semana - Coluna "Mulher"
www.guiadasemana.com.br/Sao_Paulo/Mulher/Noticia/Mudancas.aspx?ID=72814